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Rio deixa de faturar R$ 820 milhões por ano com lixo em aterros, diz especialista

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A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos (Abrelpe) estima que o Rio de Janeiro produz, em média, cerca de 3 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano. Esse volume corresponde a uma taxa diária de 1,3kg de lixo por habitante. Para coletar e dar destino a esse material em aterros sanitários, o gasto chega a R$ 1 bilhão anual. Caso investisse no protocolo recomendado pelo Instituto Lixo Zero — redesenho de produtos, redução, reutilização, reciclagem e compostagem de resíduos —, poderia fomentar um setor com faturamento de R$ 1,5 bilhão e gerar 40 mil empregos. 

Segundo o instituto, 40% do lixo é orgânico e, se fosse comportado, poderia gerar de 6 a 20 empregos para cada 10 mil toneladas produzidas. Outros 40% são recicláveis (papel, plástico, metal) e poderiam gerar entre 25 e 100 empregos. Cada 10 mil toneladas desses recicláveis têm valor de mercado médio de R$ 4 milhões. “É um tremendo negócio”, afirma Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero. Segundo ele, a despesa com a destinação, equivalente a 40% do gasto total, poderia ser reduzida em até 80%. Ou seja, os custos de R$ 400 milhões cairiam a R$ 80 milhões. Pelas contas, somando-se esse montante aos restantes R$ 600 milhões de logística, ainda assim, haveria um “lucro” de R$ 820 milhões, levando-se em consideração os R$ 1,5 bilhão de faturamento projetado para o setor.

Sabatini diz que o Rio ainda não explora esse potencial, mas tem uma especificidade que o diferencia das demais cidades brasileiras e que já começa a fazer a diferença por aqui: o bom exemplo vem de baixo. É nas favelas que o conceito do Lixo Zero encontra mais eco. “São diversas iniciativas bacanas”, conta o presidente da entidade.

Os projetos em favela, de fato, chamam à atenção. O Reciclação, por exemplo, foi criado em 2013. Reuniu atitudes como pôr a mão na massa com educação ambiental. Exemplo e conscientização deram um resultado e tanto no Morro dos Prazeres, no bairro de Santa Teresa. Até hoje, mais de 84 toneladas de lixo ali foram retirados daquela encosta. E intensas atividades de educação ambiental foram postas em prática. Conhecida como Cris dos Prazeres, Zoraide Gomes diz que o Reciclação começou a ser maturado em 2010. Naquele ano, as chuvas de abril deixaram o saldo de 36 mortes na parte média da favela, numa localidade ali conhecida como 42, vizinha à Favela do Escondidinho. As casas estavam na parte média, mas o lixão era no topo do morro. “As águas desceram  como uma avalanche de lixo e lama, derrubando as casas”, recorda João Silva, que fez do Reciclação o seu estudo de caso de mestrado de Serviço Social na PUC-Rio. “Onde houve mais mortes, era justamente o lugar que estava na direção onde o lixo estava acumulado na parte alta da encosta”, lembra Cris, uma das fundadoras do projeto. 

Ato contínuo, com o apoio de diferentes entidades, do Brasil e do exterior, vinte cinco jovens, todos moradores da comunidade, fizeram fotografias de lixões, de bueiros sem tampas e galerias fluviais lotadas de resíduos. “Todo esse trabalho mapeado foi levado à prefeitura do Rio. “A partir desse levantamento, a prefeitura fez algumas pequenas intervenções, como troca de tampas de bueiros e pequenas obras estruturais. A semente do Reciclação, àquela altura, estava lançada”, pontua Cris dos Prazeres.

Em 2013, centenas de cafés da manhã para falar como reaproveitar o lixo e a limpeza da favela em si se intensificaram. “Fizemos 45 mutirões de limpeza. Na parte alta da favela, onde há muito lixo pela dificuldade de descartá-lo, foi um dos nossos maiores desafios”, diz Cris. 

João Silva acrescenta que a interação com os moradores do alto do morro foi fundamental ao sucesso do projeto. “A Comlurb, mesmo sendo a maior empresa de tratamento de resíduos da América Latina, não consegue reciclar um por cento do seu resíduo sólido. O Reciclação, com as estratégias de educação e entrega voluntária do resíduos atinge 4% de reciclagem do seu resíduo, por intermédio de uma coleta artesanal e conscientização da sua população”, diz o pesquisador.  

Ainda há muito por ser feito. Mas, ao se conversar com algumas pessoas do Morro dos Prazeres, vê-se um certo orgulho com os resultados. A moradora Renata Sabino diz que a comunidade está mais consciente quanto ao lixo nas encostas. “Hoje, nós vemos o lugar onde havia mais lixo, e onde houve as mortes em 2010, bem mais limpo. E minha família separa o lixo orgânico, o lixo reciclado, para o pessoal do projeto pegar”, diz Renata, admitindo que mudou radicalmente algumas práticas: “Hoje, material de construção não é jogado na caçamba da Comlurb, assim como móveis que a gente quer descartar. Aprendemos não só a separar o lixo, mas a nos preocupar para onde ele vai”.

A estudante Tamires dos Santos, de 22 anos, diz que o Reciclação deu um novo visual à favela. Sem deixar de destacar que há muito lixo ainda no Prazeres, ela diz que na parte de cima onde ela mora houve replantio em alguns terrenos onde havia lixo. “Eu passo em lugares que hoje tem mata, sabendo que antes eram depósitos de lixo”, diz Tamires. 

No Morro da Babilônia, no Leme, outro projeto consolidado é o Favela orgânica. Regina Tchelly faz um trabalho com crianças e adultos: “Na verdade, eu gosto de trabalhar é com as famílias. Meu projeto é motivar a relação das pessoas com o alimento. E, assim, mostrar que ele não precisa ser descartado”. Regina dá alguns exemplos: “Mostro para as famílias que é preciso aproveitar o talo do brócolis e da couve-flor. Faço, por exemplo, uma lasanha deliciosa usando como base o talo do brócolis”. Regina faz ainda um aproveitamento absolutamente original do alimento e produz peças de arte.  “O Favela Orgânica abre oportunidades para outros projetos na favela, como o “Reciclando para não poluir”. A Zezé, aqui do Chapéu Mangueira, é responsável por este projeto. Nele, se aproveitam as embalagens que iriam para o lixo, como garrafas de suco e caixas de leite, para fazer artesanato. Cascas de ovo e sementes de melancia são usadas em garrafas artesanais. Fica lindo”, conta ela, que já fez três hortas em lugares onde se jogavam lixo: “É muito legal ver a reação das pessoas”.