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UFRJ anuncia para junho edital de concessão do Canecão

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Após oito anos fechado, o Canecão, considerado o templo da MPB, terá um edital aberto em junho para concessão do espaço de 36 mil² na Zona Sul, conforme promete a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), detentora do imóvel. O modelo de uso para seu funcionamento como casa de entretenimento, porém, ainda está em discussão na prefeitura e na Câmara dos Vereadores. A própria UFRJ diz que o Canecão nunca foi autorizado a funcionar como casa de shows, o que dava margem às constantes brigas com as associações de moradores locais, problemas que pretende evitar. 

A promessa também já havia sido feita em junho de 2017 pelo coordenador do Fórum de Ciência e Cultura, Carlos Vainer, à época setor que respondia pelo espaço, embora a assessoria informe que o Canecão está sob a jurisdição da administração central há três anos. Em entrevista concedida no dia 20 de junho de 2017, Vainer previa a inauguração de um laboratório de restauro até fevereiro de 2018; antes do carnaval seria aberto um café concerto e no primeiro semestre deste ano teria início o processo para reabrir a casa, com outro nome, até 2020, quando o Canecão completa seu centenário. Só a terceira opção estaria em vias de acontecer. Será que dessa vez dá para acreditar? 

Difícil mesmo é crer que a casa onde Roberto Carlos começou a projetar sua carreira, em 1970, palco dos mais antológicos espetáculos da MPB, como “Saudade do Brasil”, de Elis Regina (1980); o lançamento do disco “Carioca”, de Chico Buarque (2006), no mesmo ano em que se apresentou a diva Dione Warwick; “Força Estranha”, de Caetano Veloso (2009); “Brasileiro profissão esperança”, que uniu Clara Nunes e Paulo Gracindo (1974), entre tantos momentos históricos, passou tanto tempo fechada e hoje esteja entregue às traças. Sua importância era tanta que o cantor Elymar Santos desembolsou R$ 200 mil por uma noite para se lançar no showbiz, em 12 de novembro de 1985. E conseguiu. 

Para o historiador da MPB, Ricardo Cravo Albim, o fechamento do Canecão é um erro em três aspectos: “Primeiro, por subtrair da cidade uma casa icônica como esta; segundo, por ser um espaço de referência não só no Rio, como no Brasil e no mundo, a exemplo do Olympia de Paris e do Carnegie Hall, em Nova York. A casa era uma opção procurada antes mesmo do Teatro Municipal. E terceiro, pelo desperdício de fechar um espaço de espetáculos acessível às zonas Sul, Norte e Oeste”, enumera. “Amamos a UFRJ, mas essa situação nos deixa muito tristes”, lamenta. 

Da esquerda para a direita, Maysa se apresenta em show de maio de 1969, encerrado apoteoticamente com “Se todos fossem iguais a você”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes”; Roberto Carlos em sua estreia na casa, em 1970, época em que fazia sucesso com “Jesus Cristo”; Gal Costa, magnética à frente de uma meia lua com um chale negro de estrelas; Cazuza, magérrimo, já no ?m da vida, no show “Ideologia”, de 1989, onde cantou a antológica “Codinome Beija-Flor”, dirigido por Ney Matyogrosso; um jovem Chico Buarque com seu violão. Chico continuou frequentando a casa e em 2006 foi lá que lançou seu disco “Carioca”; e Elis Regina, encarnando emoção e intensidade das quais só ela era capaz. Seu maior sucesso no Canecão foi “Saudade do Brasil, de 1980.

Tudo começou em 1967, quando a casa concebida para ser uma grande cervejaria – daí o nome Canecão - foi inaugurada, com projeto do jovem arquiteto José Vasquez Ponte. Não demorou a se tornar referência como casa de espetáculos de médio e grande porte. Em 2009 veio a primeira derrota, quando teve de devolver à UFRJ parte do terreno que ocupava, mesmo ano em que perdeu o patrocínio da Petrobras. Até sair de cena, em 2010. Em maio de 2017 o Canecão chegou a ser reaberto por meio de uma liminar, cinco meses depois fechava suas portas definitivamente. 

Uso do espaço 

Em 2013, a UFRJ foi autorizada pela justiça a usar plenamente o prédio, já que até então ela era obrigada a fazer a guarda de bens deixados no local pelo proprietário da marca Canecão. Já sob a jurisdição da administração central, a mesma faz novas promessas. “A UFRJ entende que como o espaço se consolidou com a promoção da cultura, esta finalidade estará incorporada ao edital”, acrescenta a assessoria de imprensa, enquanto aguarda o parecer final do município. 

Apesar da aparência deplorável do imóvel, a UFRJ diz ter investido R$500 mil na recuperação do telhado e feito a manutenção predial. Outro investimento é a preservação da obra “A Última Ceia”, do cartunista Ziraldo, pintada em uma das paredes do prédio, em 1967. Com 32m por 6m, trata-se de um dos maiores painéis do Brasil, que passou anos escondido atrás de tapumes. “Essa preservação é acompanhada pela Escola de Belas Artes e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”, informa a universidade, sem detalhar custos. 

Em meio à onda de ocupações que invade a cidade, a única ocorrida no imóvel foi a do Ocupa Minc, ao deixar o pilotis do prédio Gustavo Capanema, no Centro do Rio, de agosto a setembro de 2016. A UFRJ mantém segurança de 24h no local. 

Há quem considere a situação, do jeito que está melhor do que o período em que funcionava a casa de shows. “Agora as pessoas podem dormir de quinta a domingo. Quando o Canecão funcionava não havia isolamento acústico e os carros paravam em qualquer lugar. Os shows terminavam à meia noite e saíam todos ao mesmo tempo, buzinando, um inferno”, lembra o presidente da Associação Lauro Muller e Adjacências (Alma), Abílio Valério Tazini. “Somos a favor de que a UFRJ reabra como uma casa de MPB, mas com a infra-estrutura necessária”, completa. 

A opinião de Valéria Machado, diretora artística do Canecão em seus últimos dez anos de existência, é bem diferente. “A UFRJ desmantelou uma empresa com 43 anos de funcionamento, por nada. Ela não tem competência para gerir uma casa de shows”, ataca. acrescenta. Segundo ela, Mário Priolli, o inquilino responsável pela marca, estaria morando em Cabo Frio, no litoral fluminense, e continua a mantém sua tradição de não falar à imprensa.