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O mistério da Biblioteca Parque

Anúncio de que a Eletrobras ocupará parte do equipamento gera apreensão sobre seu funcionamento

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Fechada desde dezembro de 2016, a Biblioteca Parque Estadual, no Centro, será reaberta no próximo dia 17, como informou o colunista Jan Theophilo do Informe JB, acrescentando que a reinauguração só vai ser possível porque a Secretaria Estadual de Cultura fez um acordo com a Eletrobras. Por ele, a estatal federal ocupará um anexo da biblioteca, onde será instalado o “Memorial da eletricidade”. Em troca, a secretaria poderá ficar em um andar no prédio da Eletrobras, deixando de pagar alguns milhões de aluguel. Alguns funcionários, contudo, estão preocupados com o futuro da biblioteca.

Nela, há uma seção intitulada Guanabarina, onde obras raras, sobretudo relativas à história do Rio de janeiro, precisam de cuidados para sua conservação. O arquiteto Glauco Campello fez o projeto da biblioteca no fim dos anos 1980, sob a orientação do antropólogo e então Secretário estadual de Cultura e vice-governador, Darcy Ribeiro. E, entre os anos 2008 e 2012, fez os traços que a tornaram mais moderna, sob o governo Sérgio Cabral. Glauco se mostra, ao mesmo tempo, apreensivo e contente com a reabertura. “A Guanabarina está nessa biblioteca desde que ela se chamava Celso Kelly nos anos 1980. Trata-se de livros importantíssimos sobre o Rio e que resistiram ao incêndio que ocorreu na biblioteca em 1984. É fundamental cuidá-los”.

Convidado a conversar na biblioteca pelo sociólogo Augusto Rodrigues, presidente do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, o arquiteto viu goteiras e o sistema de refrigeração com problemas. “O ar condicionado não está funcionando adequadamente. Está há muito tempo sem uso. E as goteiras não são bem-vindas em uma biblioteca”, disse ele. Glauco contou um pouco da conversa que teve com Rodrigues. “Ele me disse que a Eletrobras vai transferir para a Biblioteca Parque toda a estrutura referente ao Centro de Memória da Eletricidade, na qual se inclui material de um museu e livros sobre o tema. Outros setores da Eletrobras, pelo que ele me passou, não serão transferidos para lá”. Ou seja, vai haver livros sobre a eletricidade na Biblioteca Estadual”.

Uma funcionária, que não quis se identificar, diz que a seção Guanabarina está exposta a fungos e traças. “Foi contratada por licitação no governo anterior uma empresa para higienizar os livros da Guanabarina. Agora, pelo tempo que ficaram sem cuidados, os livros precisarão de novo tratamento. Há uma infinidade de pesquisadores e estudantes que procuram esse acervo. O jornalista Laurentino Gomes, por exemplo, usa essa seção para seu próximo livro sobre escravidão”. 

Outra preocupação é quanto à qualidade do corpo técnico. “A Secretaria de Cultura deslocou para as bibliotecas de Manguinhos e Rocinha pessoas sem experiência. Se isso ocorrer na Biblioteca Parque, vai ser terrível, porque ela exige uma equipe maior e com conhecimentos específicos. É importante ter bibliotecários minimamente qualificados. Quem acompanha o Diário Oficial sabe que não houve contratação de novos bibliotecários, tanto para acompanhamento público como para processamento técnico. Gostaríamos de saber o que a Eletrobras vai fazer para que essa memória não se perca”, disse o funcionário.

A biblioteca é totalmente automatizada. A refrigeração ali é toda voltada à  conservação dos livros. Nela, há um estúdio de gravação. Funcionários que a reportagem do JORNAL DO BRASIL entrevistou gostariam de saber se esse tipo de equipamento será novamente utilizado. Para o arquiteto Glauco Campello, essa sala musical está ali para atrair jovens que transitaram naquela área. “A ideia de Darcy Riberto lá nos anos 1980 era a de atrair a juventude de baixa renda à biblioteca”.

Sua arquitetura, acrescenta Campello, é para que as pessoas entrem na biblioteca. “É uma espécie de cruzamento urbano. Pela biblioteca, pode-se chegar, por exemplo, ao Passeio Público”. A iluminação da biblioteca também é pensada para dar ênfase aos livros. A claraboia que acompanha os mais de cem metros de teto faz entrar a luz solar. O prédio da Biblioteca recebeu a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) Gold, dado pelo Green Building Council Brasil por excelência no uso de energia e no design ambiental. O certificado do LEED é fornecido para edificações cujo projeto garante a alta performance dos interiores, em termos de ambiente saudável, locais de trabalho produtivos, baixo custo de manutenção e operação e redução do impacto ambiental. Mas sua operação é complexa e exige funcionários preparados.

O grande mistério, porém, é em relação a qual será o espaço utilizado pela Eletrobras. Há quem diga, entre os funcionários da Secretaria estadual de Cultura, que será o subsolo, onde ficaria o Museu da Eletricidade. Ali, além de livros, há funcionários responsáveis pela iluminação e refrigeração com a incumbência de manter a excelência do funcionamento da biblioteca.

Há também uma apreensão em relação ao prédio anexo, que dá acesso à Rua da Alfândega. Ali, há uma biblioteca infantil e um auditório. “Esses espaços precisam ser mantidos”, disse outro funcionário. “Ali há cores, mobiliários mais adequados a crianças. tudo para provocar o interesse delas à leitura”.

O atual secretário estadual de Cultura, Leandro Sampaio, é oficial bombeiro e sucedeu o deputado André Lazaroni (PMDB-RJ). Na Secretaria estadual de Cultura, há um desconforto com esses nomes. Daí a preocupação com o destino de um equipamento tão importante. Segundo sua assessoria de imprensa, o atual secretário vai anunciar, em coletiva, como será a Biblioteca Parque com a Eletrobras. Enquanto isso, questões importantes continuam no ar: o auditório voltará a abrigar grandes debates? O teatro terá uma programação relevante? A sonho de Darcy Ribeiro para a Biblioteca Parque será levado em conta?