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Assassinato de PM leva à operação policial na Cidade de Deus com quatro mortos e população sitiada

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“Logo cedo, estava levando minha filha à UPA, quando vimos um policial do Bope agarrado num rapaz algemado. Depois, foram muitos tiros em uma outra rua aqui perto. Um outro grupo de policiais militares ia arrombar a porta de uma oficina mecânica, quando pedimos que ele chamasse o dono, que é evangélico, e não se importaria em abrir. Ouvimos um monte de xingamentos e começaram a atirar para todos os lados, para nos intimidar. Chamaram minha filha de informante do tráfico e até pedras tacaram na nossa direção”. O relato de uma moradora da localidade conhecida como Karatê, na Cidade de Deus, favela da Zona Oeste do Rio, revela um pouco do clima do lugar com a chegada de policias militares, durante uma megaoperação realizada ontem — mais um dia de bangue-bangue no Rio. 

Agentes do 18º Batalhão da Polícia Militar (Jacarepaguá) foram enviados à favela da Zona Oeste para procurar os assassinos do capitão da PM Stefan Contreiras, 36 anos, brutalmente executado na manhã de ontem. Lotado no Serviço Reservado do Batalhão de Jacarepaguá, Contreiras chegava, de moto, para trabalhar, quando foi surpreendido por criminosos em duas motos, no Pechincha. Foi reconhecido, tentou fugir, mas acabou morto com diversos tiros.

A ordem para a reação da PM ficou explícita em mensagens enviadas pelo comandante do 18º BPM, Marcos Neto, à tropa: “Quero pedir a todos vocês que se empenhem ao máximo, buscando quem quer que seja, em qualquer buraco, viela, casa, seja lá onde for, os assassinos do Contreiras. A guerra será sem trégua. Enquanto não forem pegos, eu não descansarei”. 

O saldo, até a noite de ontem, eram quatro mortos, três feridos e marcas de tiros por todos os lados. A janela de uma moradora teve o vidro destruído por uma pedrada e muitas casas ficaram completamente bagunçadas por conta da revista dos policiais. 

Logo no início da Rua Josué, na localidade conhecida como 13, a parede da Igreja Evangélica Pentecostal ganhou três marcas de tiros. Segundo uma vizinha do templo, que pediu para não ser identificada, policiais abordaram um homem que estava sentado na calçada da igreja, arrombaram a porta do espaço e o agrediram, com uma barra de ferro, em busca de informações que levassem a criminosos. A atuação da polícia, segundo o vice-presidente da Associação de Moradores da Cidade de Deus, Josias da Silva Oliveira, precisa ser revista: “A gente não é contra a polícia. Mas não adianta chegar aqui tocando o terror. Aqui não vive só bandido. Os moradores têm que ser respeitados. Aqui vivem crianças também”. A atuação da polícia, imediatamente após o assassinato de um policial militar, é classificada pela antropóloga Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF), como “a lógica da vendetta” — “vingança”, em italiano. 

“Isso nos mostra que a polícia está tão insegura quanto a população e deu uma resposta emocional para o caso. É o tipo de ação que não resolve nada. O uso excessivo da força só contribui para a perda de credibilidade da polícia junto à população”, avalia. “O que estamos vendo é mais uma vez a lógica da vingança. A vida do PM importa; a do cidadão também importa. Quem se preocupa com vidas, defende direitos”, diz ela. 

Para o coronel da reserva da Polícia Militar Robson Rodrigues, a ação da polícia, com mortos, nada mais é do que a tradução da descrença da própria polícia nas investigações de homicídios. “O que vemos é uma polícia emocionalmente reativa e uma ausência do controle da força policial. Um completo improviso. A grande maioria dos crimes — inclusive os que têm policias como vítimas — não são elucidados. Só uma maior investigação da Polícia Civil seria capaz de diminuir a sensação de impunidade, mas isso não acontece. É um colapso, porque os policiais querem justiça, mas as ações não trazem os mortos de volta. Um plano de redução de homicídios precisa ser uma prioridade na segurança pública no estado. Sem um plano que priorize a vida, de todos, continuaremos enxugando gelo”, diz o coronel reformado.