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Caos sobe o morro: Crise paralisa obras na Santa Marta e muro para conter expansão aumenta área

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Em 20 de dezembro de 2008 foi instalada, no Morro Santa Marta, na Zona Sul, a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro. A descontinuidade da política de pacificação na favela da Rua São Clemente, em Botafogo, coincide com a incompletude das obras de reurbanização, simbolizada pelo esqueleto de um conjunto habitacional bem à esquerda da encosta de quem a vê do asfalto. O governo do estado admite, por sua assessoria de imprensa, que a crise fiscal levou à paralisação, há quatro anos, das intervenções ali, onde edificações inacabadas se confundem com casas precárias de madeira e compõem uma paisagem que denuncia os graves problemas habitacionais do lugar. Os 64 apartamentos que seriam oferecidos a moradores  são apenas ruínas. O abandono das estruturas levou algumas famílias a se sentir à vontade para construir residências acima dos prédios mal-acabados. “Os prédios foram construídos após um canal aberto de drenagem, um limite que a comunidade nunca havia ultrapassado. Essa fronteira passou a ser transposta a partir dos edifícios largados pelo poder público e pelo muro construído mais de 30 metros além do canal. E esse muro, que expande a área da favela, é erguido justamente para conter o crescimento populacional do Santa Marta”, diz José Mário dos Santos, presidente da Associação de Moradores do Santa Marta. 

O muro a que se refere José Mário foi mesmo elevado para conter a expansão do Santa Marta, em 2009. Ao saber da existência do paredão, o escritor português José Saramago (1922-2010) escreveu no seu blog, em setembro daquele ano, uma espécie de premonição: “Cá para baixo, na Cidade Maravilhosa, a do samba e do carnaval, a situação não está melhor. A ideia, agora, é rodear as favelas com um muro de cimento armado de três metros de altura. Tivemos o muro de Berlim, temos os muros da Palestina, agora os do Rio. Entretanto, o crime organizado campeia por toda a parte, as cumplicidades verticais e horizontais penetram nos aparelhos de Estado e na sociedade em geral. A corrupção parece imbatível. Que fazer?”. 

Orçado pela Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio (Emop) em R$ 980 mil, em 2008, e idealizado pelo então governador Sérgio Cabral Filho, o muro foi recebido como algo absurdo por moradores da favela, como Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). “Naquele época, a população do Santa Marta havia decrescido”, lembra Itamar. De fato, o número de pessoas ali diminuiu em 0,78% no período de 1999 a 2008, como consta em levantamento do Instituto Pereira Passos — ou seja, a favela não se expandira até então. 

Quanto ao conjunto habitacional inconcluso, Itamar Silva disse que o governo estadual, primeiramente, comunicou que as famílias que moram em áreas de risco ou em condições precárias iriam ocupar as unidades habitacionais: “Mas o discurso mudou quando o poder público estadual informou que iria fazer um parque no Pico, a parte mais alta no morro”. 

À época, lembra o coordenador do Ibase, a maioria das famílias do Pico não viu com bons olhos a realocação pretendida pela administração estadual. “Àquela altura, com o plano inclinado levando os residentes ao topo do Santa Marta, não interessava mais a mudança, já que a mobilidade até lá ficou muito melhor”, explica Itamar, acrescentando que as famílias ficaram proibidas pelo governo de fazer melhorias habitacionais. 

Com as obras interrompidas, a polêmica da anunciada remoção teve um fim, mas induziu moradores a erguer barracos acima da construção abandonada para fugir do boom imobiliário no morro, segundo Itamar Silva: “Imagina alguém bem pobre, tendo que pagar um aluguel altíssimo, devido à valorização que veio com a UPP, vendo a chance de ter sua própria casa”. 

A assessoria de imprensa do governo estadual informou que a obra das 64 unidades habitacionais teve início em novembro de 2011 e tem 57% do projeto executados. A Emop esteve à frente das intervenções. A assessoria informou ainda que o valor do contrato foi de R$ 10,1 milhões. Não se sabe quando o trabalho será retomado. Maria Viana, que mora acima do conjunto incompleto, reclama: “A gente morando desse jeito, e essa obra parada”. A casa de madeira que o mecânico Alex Batista ergueu morro acima das obras é mais uma prova de que a UPP do Santa Marta vai ladeira abaixo.