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Rocinha de luto por oito mortos

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“A polícia chegou quebrando tudo. Atiraram na direção de quem estava na festa do (DJ) LC e também em quem correu quando ouviu os tiros. Há menos de uma semana, ouvi os PMs conversando que não queriam levar ninguém preso da Rocinha. Queriam era sair com corpos. Foi exatamente o que fizeram”. O relato de uma moradora da parte alta da favela da Rocinha, sobre a morte de oito jovens, na manhã de ontem, dá a tônica do clima do lugar. 

Segundo contam moradores, na madrugada de ontem, policiais do Batalhão de Choque (BPChoque) chegaram atirando em um baile funk que acontecia na localidade conhecida como Roupa Suja - uma das mais pobres da favela. Em versão oficial, policiais militares alegam que revidaram disparos de criminosos armados e que “houve confronto”. Apresentaram, ainda, um fuzil, seis pistolas e três granadas que teriam sido apreendidos no local. 

Um dos oito mortos na chacina foi o dançarino Matheus Duarte de Oliveira, de 19 anos. Depois de se apresentar, em São Gonçalo, com o grupo do projeto “Valsa Noite de Encantos” (que há mais de 20 anos proporciona aulas de dança para jovens carentes da favela), foi assassinado. 

Revoltado com a acusação de que seu aluno era traficante, o professor Alexandre Izaías, de 38 anos, promete uma homenagem no sepultamento de Matheus, previsto para hoje. 

“Mais um negro e favelado nas estatísticas dessa cidade. É muito fácil dizer, sem provar, que o Matheus era bandido. Não era! Ele dançava em troca de um cachê, enquanto não arranjava um emprego fixo. Tinha acabado de tirar a carteira de trabalho. Antes de ser assassinado, tinha se apresentado. Para mostrarmos que ele não era bandido, vamos levar todos os seus colegas do projeto ao sepultamento vestidos a rigor. ”, defende o morador, que atribui diversos abusos aos policiais militares que ocupam a favela desde setembro, quando tiveram início ações continuadas. “Tapa na cara dos jovens aqui da favela já é rotina. Tudo está muito banalizado. A polícia chega aqui e faz o que quiser. E nada acontece com eles”.

 Depois do tiroteio, PMs deram entrada no Hospital Miguel Couto com seis vítimas que não resistiram aos ferimentos. Outros dois foram deixados na favela. 

Um dos corpos deixados para trás foi o de Wanderson Teodoro, de 22 anos. Pai de um bebê de 7 meses, familiares contam que, há quatro meses, ele deixou o trabalho no tráfico e vivia de “bicos”, carregando móveis. 

“Ele estava numa festa e pagou R$ 10 pelo ingresso. Eu não fui para cuidar do nosso bebê. Não era baile de bandido. Entrava quem comprasse seu ingresso.  Todos contam que a polícia já chegou atirando. Ele foi um dos que correu e acabou atingido também”, relata a mulher de Wanderson, Juciara Fernandes, de 25 anos.        

O motivo dos disparos, apontam moradores, seria represália à morte do policial Felipe Santos de Mesquita, na semana passada. Na ocasião, um morador conhecido como Marechal, de 70 anos, também foi assassinado. 

A Delegacia de Homicídios da Capital investiga o caso. Ontem, PMs do BPChoque, que estavam de serviço  no horário da chacina, prestaram depoimento. Segundo moradores, a praça onde o crime aconteceu tem câmeras. Procurada, a Polícia Civil não soube responder se os aparelhos estavam funcionando no momento do crime e se as imagens serão periciadas durante as investigações. 

MEMÓRIA

Palco de guerra 

Desde setembro de 2017, quando o traficante Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, preso desde 2011, tentava retomar o comando de parte da favela dominada por seu rival, Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, os moradores passaram a conviver com uma guerra sem fim. Moradia de 70 mil pessoas - segundo o Censo do IBGE de 2010 - a Rocinha é uma das regiões mais disputadas por traficantes da cidade, e tem sido alvo das brigas entre facções e de violentas ações policiais que sucederam a ocupação pelas forças de segurança. Mesmo depois da criação da Unidade de Polícia Pacifi cadora (UPP), instalada na favela em 2011, os moradores ainda não experimentaram a tão sonhada paz. Só nos últimos quatro dias houve dez mortes na favela. Um dos chefes do tráfico local, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, pertencia à facção Amigos dos Amigos (A.D.A), surgida em 1994, nos presídios cariocas. O grupo nasceu da união de um grupo de trafi cantes com o, hoje extinto, Terceiro Comando  e rivaliza com o Comando Vermelho (CV). Após a prisão de Nem, Rogério 157, até então seu comparsa, trocou de facção, aderindo ao Comando Vermelho virou ininimigo de seu antigo parceiro. Rogério acabou preso no ano passado, mas a guerra interna foi agravada. Informações da inteligência das Forças Armadas indicam que Nem teria trocado de facção e se aproximado do Primeiro Comando da Capital (PCC) - uma das mais violentas organizações do país.