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‘Fim da PM é utopia’, diz ex-chefe do Estado Maior

Coronel da reserva, Robson Rodrigues defende uma reformulação total da corporação 

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Depois de atuar por mais de 30 anos na Polícia Militar do Rio, o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado maior e ex-comandante da Coordenadoria de Polícia Pacificadora, não acredita no fim da PM, mas defende a reformulação da corporação para evitar que mais vidas — de policiais e da população — sejam perdidas. Para o doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tais mudanças devem incluir a troca da estratégia do confronto pela da proximidade: “é preciso dar voz aos que querem reformular e não podem falar. Diferentemente dos que querem criar conflito pelo conflito. Para gerar melhorias para a sociedade, é preciso melhorar a própria instituição”.

Diante do contexto de intervenção, a expressão “direitos humanos” vem sendo muito usada. Há uma forte crítica de militares que associam a defesa dos direitos humanos à defesa de bandidos. Como o senhor enxerga isto?  

A questão dos direitos humanos está muito acima disso tudo. O grande problema é a incompreensão desse termo pela sociedade e pelos próprios policiais, que também têm seus direitos humanos violados. Quando entrei na corporação, em 1984, imaginei que a gente pudesse, em algum momento, reformulá-la. O que acontece é que a gente acaba sofrendo também. Os bons policiais sofrem porque se veem frustrados em virtude de ser colocados numa guerra numa estrutura que está equivocada. Há quem queira convencê-los de que são super-heróis, indestrutíveis. Isso é um dos fatores que levam à grande mortalidade de PMs. Além disso, manter esse discurso de uma estrutura militar para combater inimigos que estão dentro do nosso território é um equívoco. Só afasta a  polícia da população. Só conseguiremos uma reforma, sensibilizando esses policiais. Somos todos humanos. O que nos identifica (polícia e população) nessa tragédia civilizatória, que é a violência homicida, é nossa humanidade. 

Esse argumento sobre os direitos humanos foi usado, inclusive, por quem difamou a vereadora Marielle Franco, dizendo que ela defendia bandidos... 

Quiseram difamar a Marielle para colocá-la como objeto de polarização, para confirmar essa mentira de que direitos humanos são para proteger bandidos. Se acreditarmos nisso, estamos perdidos enquanto civilização. As políticas de segurança têm que ser sempre baseadas em direitos humanos. Estamos falando de dignidade da pessoa humana.  

Com tantos homicídios, como classifica a atual política de segurança pública do Rio? 

Catastrófica. De uma incompetência geral de nossas autoridades. Infelizmente, há um vazio de liderança, de legitimidade, de confiança e de representatividade. Isso tudo tem gerado todos esses problemas. Precisamos de uma segurança pública responsável e não de uma mera jogada política, como o presidente Michel Temer se referiu à intervenção. Além da incompetência, estamos passando um momento de insensibilidade política e humana. Essa guerra às drogas está falida. Não vai ser trazendo mais recursos para as polícias continuarem fazendo a mesma coisa que este cenário vai melhorar.

Como avalia a intervenção? 

Todas as vezes que os governos estadual e federal se juntaram pra fazer alguma coisa os resultados foram pífios. Senão, catastróficos. Dessa vez, não foi diferente. Não há uma comunicação direta para a população, para demonstrar que há um plano de atuação. Ou é incompetência aliada ao desconhecimento,  ou oportunismo político. A população não merece nenhuma das duas opções. As pessoas estão morrendo! O que verificamos são ações atabalhoadas, que não geram nenhum controle em um estado já combalido. A crise só expõe mais esta incompetência. A intervenção, que criou uma expectativa de salvação, principalmente nas populações mais carentes e nos policiais que querem fazer um bom trabalho, está perdida. Em dado momento, o que se conseguiu de aproximação com a população foi através da política de pacificação. Tal aproximação foi perdida por conta do oportunismo político. Fomos todos enganados! 

Como assim? 

Com a política de pacificação e a polícia mais próxima da população, acreditamos que seria possível iniciar a grande reforma da PM. Mas tivemos um esvaziamento disso, os projetos não foram à frente. Faltou vontade política do então secretário Beltrame. Só colheram os dividentos políticos. O resto foi abandonado. 

Diante de diversas denúncias de corrupção, truculência e violência policial, muitos pedem o fim da PM.  É um caminho possível?

 O mundo moderno e industrializado não existe sem polícia. O caminho está em reformular a atual polícia. Para isso, é preciso  dar voz a essas pessoas que estão dentro da corporação querendo reformular e não podem falar. Diferentemente do grupo que quer criar conflito pelo conflito. Para gerar melhorias para a sociedade, é preciso melhorar a própria instituição policial. Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 70% dos policiais querem a reforma da polícia. As coisas estão muito ruins pra eles. Um grupo de bons policiais sofre com esses ataques de quem não consegue perceber que não é por aí que isso vai funcionar. O fim da polícia é uma utopia, um sonho inalcançável. Só afasta mais a polícia da população. O que precisamos é melhorar essas relações. 

Neste contexto, a desmilitarização seria uma outra solução? 

Por uma questão prática, a desmilitarização não é o melhor. Essas forças conservadoras e reacionárias da PM, que querem manter esse status quo, se armaram antes. A ditadura Vargas constitucionalizou as polícias e criou uma dificuldade maior para você discutir isso. Para a desmilitarização, precisamos de uma discussão forte no Congresso, muito conservador e reacionário. Não conseguiríamos. Criar mais animosidade e antagonismo não vai resolver. A desmilitarização não é pragmática. Isso demoraria muito e as pessoas estão morrendo agora! Não dá para perdemos mais tempo. É preciso modernizar as polícias. Há interstícios desse entulho autoritário que permaneceu nas polícias, mas podemos manejar legislações locais a ponto de modernizá-las. O ponto principal deve ser conectar os policiais com os interesses da sociedade. Quando estava na PM, criamos projetos de modernização. No secretariado do Beltrame, apresentamos projetos, mas não vieram investimentos. Fizemos um programa de atendimento psicológico, retreinamos policiais, criamos um índice de aptidão para avaliar quem podia estar de posse de arma de fogo e fomos combatidos pelos mais conservadores que querem essa guerra. Fomos criticados pelos Bolsonaros, o que pra mim é um elogio. A polícia é uma laranja, chupada até o bagaço, e depois jogada fora.