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Complexo da Maré teme volta do Exército

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Arrombamento de casas, entrada em residências sem mandato, constrangimento, perseguição, revistas a cada 100 metros e mortes. Estes foram alguns episódios lembrados por moradores do Complexo da Maré, quando souberam da possibilidade de as incursões feitas pelo Exército na Vila Kennedy, por conta da intervenção federal instalada no Rio, serem estendidas aos complexos da Maré e do Alemão. 

Os militares chegaram à Maré em abril de 2014, poucos meses antes da Copa do Mundo, a pedido do então governador Sérgio Cabral. Sob a “proteção” de uma GLO (Garantia de Lei e Ordem), assinada pela presidência, as Forças Armadas puderam realizar prisões em flagrante, patrulhamentos e vistorias. 

Morador da Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré, J. conta que o período de 14 meses foi o pior que viveu na favela, dominada por traficantes. 

“Foi um ano para esquecer. Horrível. Passamos pelo constrangimento de ter que ser revistado em cada esquina, ser parado a cada cem metros. Os moradores negros eram mais parados do que os brancos. Isso foi gerando uma revolta. Tivemos outras violações, como arrombamento de casas e  entrada em residências sem mandato. A lista de abusos é grande”, recorda o camelô. 

Moradora da Maré desde que nasceu e ativista do movimento de favelas, Gizele Martins, 32 anos, mostra-se apreensiva diante da possibilidade de retorno do Exército. Ela também lista violações. 

“A nossa experiência com o Exército foi péssima. Éramos revistados 20 vezes por dia. Sob acusação de desacato, mais de 500 pessoas foram presas e levadas para o Tribunal Militar. Podemos dizer que já vivemos uma intervenção, porque foi exatamente isso que aconteceu na Maré durante 14 meses. E o investimento em políticas públicas foi muito inferior àquele para manter o Exército. Não queremos mais passar por isso”, reclama. 

A costureira Irone Santiago se diz temerosa diante da possibilidade de retorno das forças militares. “Toda a ação foi muito violenta. Todos nós temos muito medo. A gente não podia nem reagir a nada. Tínhamos que aceitar tudo calados. Qualquer coisa podia ser considerada desacato. Pessoas foram mortas. Espero que não voltemos a ser reféns de militares”, desejou. 

Presidente da ONG Redes da Maré, Edson Diniz, que foi morador da favela durante 40 anos, mostra-se totalmente contrário à intervenção militar. 

“A interveção que se diz hoje já passou pela Maré. E durante 14 meses. Não houve mudança na situação de violência. A ocupação do Exército não nos trouxe avanços. Gastou-se muito dinheiro sem resultado prático. Os soldados sempre se mostraram muito truculentos e expunham a população a episódios vexatórios. Os moradores estavam sempre sendo tratados como suspeitos. Não foram poucos os episódios de invasão de casas. Esperamos que nada disso se repita”, pontua. “Tivemos uma sensação de segurança momentânea, mas depois os índices de violência voltaram, e até piores. Se tivessem investido em educação e cultura, talvez tivéssemos combatido o problema”.

Vila Kennedy Ontem, os comerciantes prejudicados após suas barracas serem arrancadas por agentes da Prefeitura, na Praça Miami, na Vila Kennedy, na sexta-feira passada, tiveram mais um dia de prejuízo. Isso porque a Prefeitura ainda não cumpriu com a promessa de doar novas tendas aos comerciantes, enquanto as novas barracas ficam prontas. A doação de uma cesta básica para cada família afetada pelo despejo, marcada para as 15h de ontem só foi feita às 20h. “Passamos o dia todo esperando, sem uma satisfação”, reclamou Daiane Martins.