ASSINE
search button

Reitor da UFRJ quer monitorar o general

Compartilhar

Crítico da intervenção militar, em especial da política de combate à violência, o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, quer que a “academia” crie um “espaço aglutinador de todas as iniciativas dos diversos setores sociais para acompanhar, monitorar, reunir e analisar informações da ação dos militares na área de segurança”. 

“Nós entendemos que a UFRJ, como uma instituição que produz conhecimento, uma instituição que forma pessoas de uma maneira muito sofisticada, não pode estar alheia a este movimento que está em curso na sociedade em busca de políticas que realmente enfrentem o problema crucial, legítimo e que atormenta a população do estado do Rio de Janeiro, que é o problema da violência e insegurança”, disse ele. Leher está convencido de que a linha de trabalho concebe a segurança pública como uma lógica de guerra, com uma lógica militar, que não é resposta e isso somente vai agravar os problemas de violência. “Nós vimos em outros países, como na Colômbia, no México. Enfim, a Universidade tem compromisso para buscar soluções no que diz respeito às políticas que possibilitem controle do tráfico de armas, controle dos mercados financeiros, monitoramento do mercado financeiro de lavagem de dinheiro, em suma, os grande motivadores do crime que de fato produz muita insegurança, muita dor muita tristeza, na população do Estado do Rio de Janeiro”. 

Depois de reunir, na noite de segunda-feira, representantes de vários segmentos da própria UFRJ e dos movimentos sociais, ele promoverá, nesta quinta-feira, encontro com reitores de instituições de ensino no Rio para debater a proposta. Sendo aceita, deverão emoldurar a forma de atuar.

Leher parte de uma certeza: nenhum movimento social individualmente conseguirá dialogar como comando militar instalado no Estado. Na universidade se considera que o próprio general Braga Netto demonstrou, na entrevista coletiva que concedeu no fim de fevereiro, não estar muito aberto ao diálogo. A saída, como discutido na reunião de segunda-feira, pode ser a proposta apresentada pela professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Carol Proner: 

“Neste primeiro momento temos que constituir uma ‘autoridade’ legitimada pela sociedade civil e pela comunidade acadêmica. Uma autoridade que, para ser efetiva, deve ser bastante representativa e respaldada. Um ‘reitor’, no sentido da palavra, um regente, um lugar de autoridade, uma pessoa ou um conselho de reitores e entidades da sociedade que se proponha, como tal, a servir de interlocutor junto à autoridade interventora”, explica Carol Proner. Na visão dela é uma tarefa imediata, até para que se tenha um canal junto aos militares. Carol explica a urgência: 

“Uma vez que os planos de intervenção federal não são conhecidos, os responsáveis não pretendem contar previamente o que farão para evitar críticas – a exemplo do que aconteceu na Maré – o resultado é a imediata desconfiança e o repúdio em geral pela percepção de violência sistêmica e o papel repressor do Estado. Dado que as ações já estão acontecendo e estamos recebendo as primeiras denúncias de violência, que ocorreram já no marco da intervenção, é urgente que se constitua um interlocutor que centralize as demandas, as críticas, as queixas e as denúncias junto ao Estado”. 

E por que a universidade? Na visão de Leher, por ser também sua missão proteger os direitos humanos e favorecer a vida, acompanhar a situação de vida das pessoas que moram nas favelas. “A universidade tem um compromisso ético com todos aqueles que vivem do próprio trabalho, que são expropriados. Nós temos sempre uma dedicação muito especial para as questões sociais, relativa à situação, perversa, absurda, de desigualdade social que temos em nosso país”, explica o reitor. 

Como detentora do conhecimento, detentora de estudos e pesquisas a respeito das causas e motivações da violência no estado, na proposta de Leher e de Proner, a universidade assumiria um papel que outrora entidades civis e movimentos sociais assumiram. 

No passado, por exemplo, o Viva Rio – entidade com representantes da sociedade fluminense - exercia este papel de dialogar e cobrar das autoridades. Hoje, já não age com a mesma desenvoltura. 

Esse movimento que a UFRJ está praticamente desencadeando deverá englobar diversas outras iniciativas que já surgiram como os Observatórios criados, entre outros, na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa e a Comissão Popular da Verdade que tem o respaldo da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro – CAARJ –, além de representantes e comissões criadas por tradicionais entidades civis como a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro – Faferj, o Movimento Humanos Direitos (MHUD) que reúne artistas e intelectuais – as duas presentes na reunião –, as Defensorias Públicas do Estado e da União no Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. 

Enfim, diante do fato consumado com relação à intervenção, a ideia é organizar a sociedade para interferir de alguma forma – não apenas com críticas e denúncias, mas também apontando outras saídas – para esse enfrentamento da violência. Sempre dentro de uma linha de não gerar mais violência. Tampouco sacrificar a população carente das comunidades, espaços vistos pela intervenção como áreas hostis.