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Conselhos profissionais da área da saúde alertam para a situação do Rio

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Os conselhos regionais profissionais de medicina, nutrição, fonoaudiologia e fisioterapia decidiram tomar uma medida política decretando nesta terça-feira (12) “calamidade pública técnica” na saúde do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma medida cujo objetivo é alertar para a crise que afeta hospitais e outras unidades de saúde e pressionar os governos por uma solução. A iniciativa é inédita e foi anunciada após reunião a portas fechadas no Conselho Regional de Medicina (Cremerj).

No encontro, também estiveram presentes representantes de diversas entidades, como a Associação Estadual de Médicos da Família e Comunidade e o Sindicado dos Médicos do Município do Rio (Sindmed), e da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Um ato público no Cristo Redentor está sendo discutido como forma de marcar a posição dos conselhos. Ainda não há data definida.

Conforme a legislação, decretar calamidade pública é uma prerrogativa de estados e municípios, como forma de buscar reconhecimento do governo federal para uma situação grave e assim obter acesso a recursos e outras formas de auxílio legalmente previstas. A decisão dos conselhos profissionais não tem desdobramentos imediatos e funciona como instrumento de pressão política.

De acordo com Nelson Nahon, presidente do Cremerj, o Rio de Janeiro vive sua maior crise na área da saúde e devem ser responsabilizados por ela o prefeito, o governador e o ministro da Saúde. Segundo ele, a situação que já preocupava se agravou desde setembro e atingiu também as unidades municipais de saúde.

"A alegação da prefeitura de que as causas são dívidas de gestões anteriores e queda da arrecadação pode ser verdadeira. Mas foi retirado 10% do orçamento da Secretaria Municipal de Saúde. Cerca de R$ 543 milhões. Nenhuma outra secretaria teve este nível de corte. A maioria foi entre 3% e 4%. Algumas tiveram até acréscimos. Na Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente são R$ 200 milhões a mais. No Gabinete, R$ 66 milhões", disse Nahon.

Nelson Nahon reclamou que o governo do estado está aplicando apenas 3% a 4% de seu orçamento na saúde, quando a lei obriga um percentual de 12%. Denuncia ainda que o Ministério da Saúde se nega a renovar contratos de profissionais de hospitais federais, descumprindo liminar já concedida pela Justiça. "São contratos temporários que respondem entre 40% a 45% dos recursos humanos. Cerca de 3 mil profissionais que possuem contratos com a União há 10 ou 12 anos. E em decorrência da não renovação, serviços estão sendo fechados", lamentou.

Embora o Cremerj defenda a realização de concursos públicos para o preenchimento das vagas nos hospitais federais, a renovação dos contratos temporários é apontada como medida de curto prazo fundamental para não agravar o problema.

Problemas

De acordo com os conselhos, cerca de 200 medicamentos, entre eles os voltados para pacientes com pressão alta e diabetes, estão em falta mas unidades de atenção básica. O Hospital Municipal Souza Aguiar, a maior unidade emergência do estado, está com seus dois tomógrafos quebrados. O problema, segundo os conselhos, também estaria alcançando as unidades de terapia intensiva (UTIs) neonatais. Dos 320 leitos mantidos pelo governo estadual, segundo ainda os conselhos, 250 são contratados de particulares. A dívida com estas instituições já seria referente a sete meses de pagamento e há risco de suspensão dos serviços, alertam os conselhos.

No Hospital Universitário Pedro Ernesto, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), profissionais estão com três meses de salários atrasados e também não receberam ainda o 13º referente à 2016.

Atenção Básica

As queixas dos conselhos também atingem o Ministério da Saúde, que teria recusado proposta do Cremerj para criar um gabinete de crise em 2016, ignorando relatórios de fiscalizações que apontavam para a gravidade da situação. "O ministro disse que não faltavam médicos e nem os demais profissionais. Disse que tinha aumentado a dotação orçamentária. E é tudo mentira", lamentou Nelson Nahon.

A vice-presidente do Conselho Regional de Nutricionistas, Luana Aquino, disse que o objetivo da mobilização não é apenas resolver o problema imediato."O nosso desejo não é só pagar incêndio. Nossa intenção é também discutir modelo de gestão. Não apenas sair desse momento de caos completo, mas também debater gestão. Por exemplo, estudos mostram que 80% dos problemas de saúde são resolvidos no nível de atenção básica. Então como assim estamos vendo essa política do governo de precarizar a atenção básica?".

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o plano de reestruturação dos hospitais federais sediados no Rio de Janeiro prevê a especialização de cada uma das unidades em determinadas áreas de atuação. "A iniciativa tem o objetivo de ampliar e qualificar os serviços prestados à população do estado. A meta é aumentar em 20% o atendimento especializado em oncologia, ortopedia e cardiologia realizado nas unidades".

A pasta alega ainda que a espera cirúrgica nos hospitais federais foi reduzida em 82%, de 17 mil em janeiro deste ano, para 3.056 cirurgias. "Nos seis hospitais federais, foram realizadas mais de 610 mil consultas, 80 mil atendimentos de emergência e mais de 35 mil cirurgias, de janeiro a setembro deste ano. Cabe ressaltar que o Ministério da Saúde já iniciou o processo para a realização de um novo certame de contratações temporárias de profissionais".

Governos alegam restrições no orçamento

A Secretaria Municipal de Saúde informou que a atual gestão assumiu a pasta com uma situação muito difícil deixada pelo governo anterior, que cancelou no fim do mandato, em dezembro do ano passado, empenhos de R$ 266 milhões. “Também havia custos de R$ 422 milhões de serviços criados no ano passado, mas sem recursos para cobri-los no orçamento de 2017. Além disso, em 2016, quando se preparou o orçamento do próximo ano, a arrecadação do município, que é proveniente basicamente do ISS [Imposto Sobre Serviços] e do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], foi superestimada em R$ 29 bilhões. Mas, segundo a Secretaria Municipal de Fazenda, essa receita não deve passar de R$ 26 bilhões”, registra o órgão, em nota.

Ainda de acordo com o órgão municipal, foram necessários esforços para ajustar o orçamento à realidade financeira. “Para 2018, o prefeito Marcelo Crivella já se comprometeu a recompor o orçamento da Saúde com R$ 553 milhões”, acrescenta o texto. A pasta destaca que, mesmo diante das dificuldades, houve realizações importantes recentemente, como a inauguração de três clínicas da família e o aumento do volume de atendimentos na Estratégia Saúde da Família (ESF).

Já a Secretaria de Estado de Saúde informou que, apesar da crise e com um orçamento 33% mais baixo que no ano passado, a reorganização financeira e a renegociação de contratos permitiu que as unidades da rede estadual seguissem funcionando, inclusive com números de atendimentos, cirurgias e exames superiores a anos anteriores. “Além da sua rede, a secretaria tem apoiado financeiramente os municípios na manutenção de suas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] e no Hospital Geral de Nova Iguaçu [Hospital da Posse]”,  afirma o órgão.

De acordo com a Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento, o índice constitucional que prevê o aporte de 12% do orçamento na saúde diz respeito ao exercício completo do ano. “Ou seja, o fechamento das contas do estado que determina se esse índice será cumprido ou não ocorre apenas no primeiro trimestre do ano seguinte ao exercício atual. O governo trabalha para que todos os índices constitucionais sejam cumpridos, não levando em consideração hipótese contrária”.