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Com Comperj parado, cidade do Rio vive com prédios vazios e obras abandonadas

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Os milhares de motoristas que cruzarem a cidade de Itaboraí, no Grande Rio, irão se deparar com uma enorme construção abandonada, onde uma palavra pichada no empreendimento salta aos olhos: “Vulto!” 

No terreno, um luxuoso hotel com 15 andares e cerca de 1,5 mil metros quadrados seria erguido até janeiro de 2014, mas foi abandonado, assim como outros empreendimentos na região, atraídos pela promessa dos investimentos, lucros e empregos com a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Ninguém sabe o que “Vulto!” significa, mas é bem provável que a interjeição de agora seja uma lembrança irônica das esperanças surgidas no início da década quando se afirmava que a construção do Comperj, “um empreendimento de vulto” da Petrobras, iria revigorar a economia da região, desenvolver o estado do Rio e livrar o país de um problema grave como o da falta de refinarias. 

As fraudes e a corrupção reveladas pela Operação Lava Jato, a queda do preço do barril de petróleo (vendido abaixo de US$ 50), os prejuízos decorrentes da manutenção artificial do preço da gasolina e mais o aumento da produção de gás de xisto (mais barato que o gás natural) nos Estados Unidos levaram ao adiamento da construção do complexo – com duas refinarias, uma unidade de processamento de gás natural e uma planta para produção de insumos petroquímicos. 

Durante dois dias, em julho e agosto, a reportagem da Agência Brasil visitou Itaboraí para saber a situação da cidade após a paralisação da construção do polo petroquímico, que prometia alavancar a economia local - que vive do setor ceramista e do comércio. Além dos empreendimentos abandonados no meio do caminho, é possível ver outros que não decolaram como previsto. É o caso do Itaboraí Plaza Shopping. 

Com investimento de mais de R$ 250 milhões, o shopping conta com 160 lojas, mas só 80 estão abertas. A praça de alimentação e o estacionamento, com capacidade para cerca de 1 mil veículos, ficam praticamente vazios. E os lojistas insistem em liquidações e promoções para atrair um público que continua arredio. 

Kátia Cristina Dutra Hering apostou e montou um salão de beleza, o Esmalterestilo, bem na entrada do único shopping do município. “As pessoas com quem converso têm a mesma impressão: a verdade é que a gente tinha uma expectativa que não aconteceu. No shopping, não acontece nada: não tem o principal que é o público. Não tem atração, falta cinema. Muitas coisas que foram oferecidas para os lojistas não chegaram e o supermercado prometido é o maior exemplo do que estou falando”, disse, lamentando que as dez salas de cinema ainda não tenham sido inauguradas nem o supermercado. 

Para a lojista, o baixo movimento nos corredores está relacionado à interrupção do Comperj. “Não há público, as pessoas estão desempregadas”, disse. “Se soubesse do cancelamento do Comperj, eu não teria vindo para cá. A população local é de baixo poder aquisitivo e por mais que ofereçamos serviços baratos, são considerados caros pela população local”, lamentou.  

A gerente de marketing e comercial do shopping, Sandra Lima, reconhece que se o Comperj estivesse em total operação – a previsão era gerar 250 mil empregos diretos e indiretos quando o complexo estivesse em pleno funcionamento – os resultados seriam melhores e era possível pensar em uma expansão. Porém, não concorda com o argumento de que não exista demanda na região. 

“O shopping não foi criado em função do polo, mas para atender a uma demanda já existente. Sua construção é fruto de uma vasta pesquisa de mercado, feita em 2010, que nos mostrou que a região tem mais demanda do que oferta por serviços. Itaboraí, Magé, Tanguá, Rio Bonito, Manilha, Cachoeiro de Macacu, totalizando mais de 1 milhão de pessoas, são cidades que gravitam em torno de Itaboraí.”  

A gerente Sandra Lima diz que as vendas no Natal serão um bom termômetro. “Nós estamos há apenas cinco meses em operação. É preciso esperar a maturação - e o primeiro Natal será um bom termômetro. Todas as principais marcas estão aqui. Mas é preciso também ressaltar que o Brasil, e não o shopping, está em crise, e isto atrapalha”. 

A Rede Intercity, do Rio Grande do Sul, levantou um megacomplexo de apart-hotéis, lojas de conveniência, salas comerciais e até um heliporto na Avenida 22 de maio, a principal de Itaboraí. A inauguração dos apart-hotéis estava prevista para fevereiro deste ano, mas foi adiada para 2016 assim que a Petrobras anunciou a suspensão das obras do polo petroquímico. Das 156 salas, 10% estão ocupadas, segundo Paulo Fernando da Silva Siqueira, técnico responsável pelo empreendimento. 

“O que os donos do empreendimento querem é, pelo menos, que a rede hoteleira se sustente, uma vez que ter lucro ficou difícil com a decisão da Petrobras. É minimizar custos e evitar fechar todo mês no vermelho”, disse Paulo Siqueira à Agência Brasil.  “Vivia-se a expectativa de que tudo daria certo, que o negócio iria aflorar. Estava todo mundo entusiasmado e veio a decisão do Comperj: aí a casa afundou”. 

O setor imobiliário também sofre perdas. Dona da maior imobiliária da região, Erika Santos relata uma desvalorização de 30% a 50% no valor dos imóveis para vendas e aluguel e um encalhe na carteira de ofertas. Segundo a empresária, com o início das obras, o aluguel de um apartamento de dois quartos no centro da cidade oscilava entre R$ 2 mil e R$ 2,5 mil. Agora, o mesmo imóvel é locado por R$ 1,2 mil a R$ 2 mil.

“Na época do boom, com a possibilidade da geração de mais de 200 mil empregos em toda a cadeia de operacionalização do Comperj, tínhamos uma oferta média de imóveis para aluguel da ordem de 1,5 mil, e outros 1,6 mil já alocados. Muitos prédios foram ficando prontos, quando começou a vazar a informação de que o projeto seria cancelado. São lojas comerciais e salas que serviriam de escritórios para advogados e contadores que viriam para Itaboraí”, disse Paulo Siqueira, acrescentando que mais de 500 contratos foram rescindidos nos últimos dois anos. 

Um dos símbolos dos prejuízos para o setor é o prédio onde funcionava a Pousada do Trabalhador, hoje à venda por R$ 5 milhões. “Funcionava lotada e, com o cancelamento do projeto, houve um grande índice de inadimplência por parte dos trabalhadores, que não recebiam o salário. O empreendedor não teve alternativa a não ser fechar”, disse Erika Santos. “A situação chegou a tal ponto que os responsáveis não só fecharam as portas como se viram obrigados a colocar todos os móveis à venda na própria calçada da pousada.”

Enquanto espera a retomada do projeto, a empresária reduziu o quadro de funcionários e diminuiu a margem de lucro nos contratos de aluguel e venda. “Não posso perder a esperança, porque eu vivo aqui, acredito no futuro da cidade, até porque devo tudo a ela. O município está aberto para novos investidores. A cidade tem outros benefícios a serem oferecidos para os investidores privados.”