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Após confronto, moradores do Alemão fazem caminhada pedindo paz

Eles acusam PMs de agir com truculência em protesto por morte de menino, na sexta

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Moradores do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, e outras pessoas sensibilizadas com as mortes trágicas dos últimos dias na comunidade fizeram uma caminhada na manhã deste sábado (4) pelo fim da violência. Camisas e balões brancos simbolizavam o anseio por paz. Dezenas de motoqueiros abriram caminho para centenas de pessoas que participaram do ato, nas avenidas Itararé e Itaoca. Na sexta-feira (3), durante protesto pacífico contra a morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, os moradores foram dispersados com bombas de efeito moral e gás de pimenta. Eles acusam os policiais de serem responsáveis pelas mortes de dois moradores em 48 horas. 

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A mãe de Eduardo, a diarista Terezinha Maria de Jesus, participou do início do ato, mas teve de ser retirada, ao passar mal em revolta à presença de policiais. "Eles estão matando os inocentes. Esta polícia assassina tirou a vida do meu filho. Esses covardes", protestou. Eduardo morreu com um tiro de fuzil, quando estava sentado na porta de sua casa com um celular na mão.

De acordo com informações do jornal O Dia, moradores do conjunto Alvorada relataram que PMs usaram gás de pimenta para impedir a população de descer e participar do protesto. A cantora Karina Buhr, que participou do ato, também comentou sobre a ação da PM em sua conta no Instagram: "A PM tá em cima do morro jogando gás de pimenta pra galera não descer pro protesto na entrada da Grota". 

O ator Paulo Betti e o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, também estiveram presentes. Na ocasião, Freixo questionou a política de segurança do governo do estado. "Tem que ter uma solução para isso, porque estamos falando da vida das pessoas. O primeiro passo é ouvir os moradores. Isso nunca aconteceu, nem para construir o teleférico nem para pensar em um modelo de polícia. É preciso parar com o discurso da guerra. Tem que ter diálogo", disse o deputado.

O líder comunitário Rene Silva, criador do jornal Voz da Comunidade, citou o aumento da violência como a principal causa do protesto, e destacou a necessidade de alternativas ao reforço do policiamento: "O motivo da manifestação é a insatisfação das pessoas com esta violência, que já está desde o início do ano aqui no Complexo. Estamos há 90 dias sem deixar de ouvir tiroteios. A solução não é reforçar o policiamento. Passa por investimento em outras áreas, que não chegaram com a mesma força que a polícia chegou na comunidade, como as áreas cultural e social".

O presidente da Associação de Moradores da Palmeira, Marcos Valério Alves, conhecido como Marquinho Pepé, fez questão de ressaltar que o ato não era contra a polícia, mas pela paz e pelo respeito mútuo. "O nosso objetivo é pela paz e pela vida. Não somos contra a UPP. Só queremos é policiais comprometidos com a vida. Queremos um comandante que chame a população para conversar. Que haja o diálogo. Nós queremos o nosso direito de ser respeitados. Hoje não existe nem respeito nem tolerância dentro do Alemão", disse Pepé.

A Coordenadoria de Polícia Pacificadora declarou que respeita qualquer tipo de manifestação pacífica. “Nós trabalhamos para garantir a paz na comunidade do Alemão e nas outras que nós estamos com trabalho de UPP e tem sido muito bom para o Estado do Rio de Janeiro. Eu espero que nós tenhamos também manifestações escrito: ‘fora traficante, fora marginais’”, disse o major Nogueira, assessor da coordenadoria, ao G1.

O policiamento está reforçado na região por policiais das UPPs do Alemão, de outras UPPs e de agentes do Comando de Operações Especiais, que envolve o Batalhão de Ações com Cães (BAC), o Grupamento Aeromóvel, o Batalhão de Operações Especiais (Bope), além de veículos blindados e helicóptero. A tradicional via sacra, que acontece todos os anos na Sexta-feira da Paixão no Alemão, precisou mudar de trajeto e teve um número bem menor de seguidores este ano.

Confronto na Sexta-feira da Paixão

A Sexta-feira da Paixão, que deveria ser um feriado de paz e reflexão, se tornou mais um dia de pânico e pesadelo para os moradores do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Eles faziam um protesto pacífico por volta das 16h, contra a morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira de 10 anos - baleado e morto na quinta-feira (2) - quando policiais da Tropa de Choque reagiram de forma ostensiva, com spray de pimenta e bombas de efeito moral, instaurando o clima de tensão. Tiroteios e mortes têm sido parte da rotina dos cerca de 70 mil moradores das 15 comunidades do complexo desde o início do ano. Em dois dias, seis pessoas foram baleadas, quatro morreram. 

O menino Eduardo de Jesus Ferreira foi atingido por um tiro de fuzil depois que saiu de sua casa e sentou na escada de acesso a ela, com um celular na mão, na favela da Grota, no Complexo do Alemão. A polícia chegou a alegar que a criança estava armada e não com o aparelho telefônico, mas voltou atrás em sua versão. A família de Eduardo acusa a polícia pelo disparo. A Coordenadoria de Polícia Pacificadora alegou que uma equipe do Batalhão de Choque patrulhava o local quando entraram em confronto com bandidos. 

Os policiais que estavam na operação quando Eduardo foi morto foram afastados do policiamento nas ruas, informou o governo do Rio em nota. Eles respondem a um Inquérito Policial Militar e tiveram suas armas recolhidas para a realização de exame balístico.

A mãe de Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos, em entrevista ao G1, alertou que não tem dúvida de que foi um policial militar do Batalhão de Choque que matou seu filho. Ela informou ainda que foi ameaçada pelo mesmo policial ao cobrar o crime. “Eu marquei a cara dele. Eu nunca vou esquecer o rosto do PM que acabou com a minha vida. Quando eu corri para falar com ele, ele apontou a arma para mim. Eu falei ‘pode me matar, você já acabou com a minha vida’.”

“Ele estava sentado no sofá comigo. Foi questão de segundos. Ele saiu e sentou no batente da porta. Teve um estrondo e, quando olhei, parte do crânio do meu filho estava na sala e ele caído lá embaixo morto”, contou Terezinha.

Terezinha também declarou que quer sair do Alemão e voltar para o Piauí. "Quero justiça e depois eu vou embora para a minha terra [o Piauí]. Não quero ficar nesse lugar maldito, eu vou sair daqui", disse à Folha de S. Paulo.

Vídeos com imagens de Eduardo morto no chão circulam nas redes sociais e mobilizam a sociedade contra a violência com os moradores de comunidades. Um protesto foi convocado para a próxima quarta-feira (8), do Largo do Machado até o Palácio da Guanabara, na Zona Sul do Rio de Janeiro, contra as mortes e pelo fim da guerra na periferia da cidade. O coletivo Papo Reto também organiza um ato para este sábado (4), às 10h, em favor das vítimas da violência, na entrada da Grota.

A presidente Dilma Rousseff se pronunciou sobre a tragédia nesta sexta-feira (3), pedindo investigação e punição. "Quero expressar minha solidariedade e sentimentos de respeito neste momento de dor a Terezinha Maria de Jesus, que perdeu o filho Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, no Complexo do Alemão. Espero que as circunstâncias dessa morte sejam esclarecidas e os responsáveis, julgados e punidos."

O governador Luiz Fernando Pezão divulgou uma nota lamentando os episódios de violência e disse que o estado não vai recuar. "As nossas forças de segurança vão continuar enfrentando a criminalidade. E o Estado também, se preciso, vai continuar cortando na própria carne para perseguir esse objetivo. Não vamos recuar diante da covardia de criminosos. Determinei empenho máximo à polícia nas investigações para que os culpados sejam punidos."

Mais tarde, o governador anunciou que as despesas com o enterro de Eduardo no Piauí seriam custeadas pelo governo, inclusive as passagens dos pais até o estado. “Estou profundamente consternado. Conversei com o seu José e me coloquei à disposição da família para ajudar a abrandar a dor no coração dele e da mãe. Determinei a funcionários do Estado todo o empenho no auxílio à família que vive uma dor inimaginável. Pedi também o máximo de rigor e celeridade nessa investigação. A morte do Eduardo não ficará impune. Não podemos perder nossas crianças de maneira brutal”, comentou Pezão.

Chegaram a circular nas redes sociais e no Whatsapp fotos falsas de Eduardo, que apresentam um outro garoto supostamente armado. O deputado federal Jean Wyllys (Psol) comentou sobre o uso do caso: "As imagens apresentam um garoto supostamente armado (não tem como saber as circunstâncias em que a fotos foram tiradas) que não é Eduardo, numa tentativa desonesta e perversa de justificar sua morte e, ao mesmo tempo, fortalecer os discursos demagógicos e irresponsáveis que defendem a redução da maioridade penal. O cinismo, a perversidade e a má fé é tão grande que são capazes de difamar uma criança morta, de apenas 10 anos de idade". 

De acordo com informações do Coletivo Papo Reto, depois que a perícia foi feita no local do crime, o corpo de Eduardo foi levado em um carro da polícia com bombeiros debruçados sobre ele, em vez de ser transportado em uma ambulância. Na noite de quinta-feira, moradores também foram às ruas protestar contra a violência e os abusos cometidos por policias militares nas comunidades.

A Delegacia de Homicídios da capital fluminense instaurou inquérito na manhã desta sexta-feira (3) para apurar as circunstâncias da morte de Eduardo. Foi realizada perícia no local e os familiares do menor foram ouvidos. Os agentes também investigam a morte de Elisabete Alves de Moura Francisco, baleada dentro de casa na tarde de quarta-feira (1º), assim como a filha, que ficou levemente ferida. Policiais militares foram chamados para prestar depoimento e tiveram as armas apreendidas para confronto balístico.