Os 24 mandados de prisão expedidos contra policiais militares do 14º Batalhão de Polícia Militar, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, não são exatamente uma novidade. Há mais de dez anos, o problema é o mesmo. Se antes o envolvimento era com caça-níqueis, agora os delitos abrangem cobrança de propina a comerciantes, moto-taxistas e vans. Em 2006, o comandante do mesmo batalhão, coronel Celso Nogueira, foi preso junto com 39 policiais. A moeda de troca mudou, mas a corrupção continua dentro da corporação. Para especialistas, o problema não é regional, muito menos novidade. Esse caso demonstra mais uma vez a decadência moral nas instituições militares.
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Paulo Baía, sociólogo, doutor em ciência política e professor da UFRJ, explica que o 14º BPM tem um histórico de violência e corrupção e o que surpreende dessa vez é a ligação com o alto escalão da polícia. Ele se refere ao possível envolvimento do coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro de Oliveira, atualmente chefe do COE, a quem estão subordinados os batalhões de Operações Especiais (Bope), de Choque e de Ações com Cães. “O 14º é um batalhão problemático, independentemente das novas políticas de segurança, já está marcado. Isso não é novo. A novidade que o caso traz é a ligação direta com o Estado Maior da Polícia Militar”, diz ele. Estado Maior é uma expressão, normalmente vinculada aos militares, usada para designar órgãos de concepção e planejamento para apoio às decisões dos comandos. “Tal envolvimento configura algo muito perigoso, o contágio da corrupção por toda a instituição”, completa.
“Toda a política de segurança de policiamento ostensivo é responsabilidade do Estado Maior. A gravidade do fato é muito maior do que uma questão de região, de que o batalhão é violento”, diz ele. “É necessária uma intervenção de cima para baixo. Um tipo de ação que não encare isso como a velha história do caso isolado, como vem sendo feito. A corrupção é sistêmica e isso tem que ser encarado do alto para cima. Em todos os níveis há uma cultura institucional de corrupção, não só na polícia”, completa.
Para ele, a ação do Ministério Público é importante, mas não basta. A "limpeza" tem que vir de dentro, com um papel mais forte da corregedoria da Polícia. Essa operação, por exemplo, foi comandada pela inteligência da Secretaria de Segurança e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio.
Paulo critica a subordinação da Corregedoria Geral Unificada das Polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiro à Secretaria de Estado de Segurança (Seseg). A Corregedoria Geral Unificada foi criada em 2000, durante o governo Garotinho. Em 2002, o Governo Benedita da Silva sofreu pressões e ampliou as atribuições desta Corregedoria, dando maior autonomia e independência ao órgão. A corregedoria passou a ser subordinada à governadoria.
A entrada do atual secretário de Segurança do Rio, José Maria Beltrame, trouxe novamente a subordinação desta corregedoria à Secretaria que, para Baía, é prejudicial. “O MP está fazendo seu papel mas a própria polícia poderia dar uma grande contribuição. A Corregedoria deveria ser efetivamente independente, com um trabalho externo à Secretaria”, sugere ele.
Zona Oeste: perigosa e ignorada pela política das UPPS
A nova política do Rio de Janeiro, de UPP, parece excluir a Zona Oeste, uma das mais populosas da cidade. Das 38 unidades, somente três ficam na área mais afastada do Centro: Batan, em Realengo; Vila Kennedy, em Bangu; e Cidade de Deus, em Jacarepaguá. O projeto, que pelo menos na teoria se propõe a ter policiais com uma nova concepção de polícia, não chegou a uma das regiões que mais precisa.
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Ignácio e Paulo consideram a Zona Oeste a mais violenta da cidade. “A Zona oeste tem um baixo número de policiamento e presença da milícia muito forte e até hoje é uma área amplamente dominada por esses grupos [paramilitares]. As UPPs privilegiaram um projeto político econômico, mas a violência é mais intensa nessa zona da cidade”, diz Ignácio.
Baía também destaca o baixo policiamento ostensivo e destaca pontos que são violentos há décadas, como a comunidade Cesarão. “Longe da ‘Zona Rica’, basicamente Barra e Recreio, existem pontos importantes e antigos de forte violência”.
Porém, nas zonas onde as UPPS existem de fato, a situação não é tão boa. Notícias recentes mostram que a pacificação não veio para vários complexos, como o do Alemão, onde o comandante da UPP Nova Brasília, capitão Uanderson Manoel da Silva, foi morto na última quinta-feira (11). Uanderson (por acaso ex-integrante do 14ºBPM) foi baleado no peito durante uma troca de tiros com possíveis traficantes.
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A Rocinha, zona sul do Rio, também enfrentou dificuldades no último final de semana. No sábado (13) pela manhã, militares e traficantes se enfrentaram num beco conhecido como 199. Esse é o segundo final de semana seguido em que há tiroteios na região.
Já na Mangueira, o sábado também foi tenso. A cabine da UPP da favela foi alvo de tiros, assim como uma viatura. O clima tenso levou a Escola de Samba Mangueira a cancelar um de seus ensaios.
*Do programa de estágio do JB