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UPP: "Os moradores têm mais medo da polícia do que do tráfico"

Até candidatos ao governo são impedidos de entrar nas comunidades

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O mês de agosto ainda não acabou, mas já é possível ter um panorama do clima de tensão em algumas favelas do Rio de Janeiro. É sabido que a pacificação ainda não chegou para todas as comunidades, como prometido pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Nelas, o tráfico ainda exerce domínio e os confrontos com a polícia militar também continuam como parte do dia a dia dos moradores. No dia 6, uma idosa morreu durante um confronto entre traficantes e policiais no Morro do Chapadão. Revoltados, moradores fizeram protestos em frente à entrada principal da favela.  O que assusta é que, nas comunidades ditas pacificadas, o quadro não é diferente. Mortes de policiais e moradores, abusos do tráfico e da polícia, estupros e tiroteios ainda fazem parte da vida dos moradores de muitas favelas contempladas pelas Unidades de Polícia Pacificadora.

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Recentemente, traficantes e milicianos barraram a entrada de candidatos ao governo no estado, como Luiz Fernando Pezão (PMDB) e Garotinho (PR).  A proposta é que o candidato pague de R$ 80 mil a R$ 100 mil pela exclusividade para fazer campanha na favela. Os traficantes também oferecem cabos eleitorais, conseguidos através de lideranças comunitárias, que recebem R$ 30 mil para fazer o trabalho. Na favela da Maré, por exemplo, placas são autorizadas, desde que não tragam nomes de candidatos que, de alguma forma, desagradem os bandidos, como Pezão e o Marco Antônio Cabral (PMDB), filho de Sérgio Cabral. A proposta de negociação e o controle político dos traficantes são exemplos da persistência do poder do tráfico nas favelas.

Para Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, “em algumas comunidades o tráfico ainda tem grande influência, como é o caso do Alemão. Em outras, o tráfico praticamente foi extinto”. Perguntado sobre as comunidades que não convivem mais com a força do tráfico, Cano explicita: “Santa Marta e outras comunidades da Zona Sul”.

Marcos Bretas, professor do Instituto de História da UFRJ e líder do grupo de pesquisa História do Crime, da Polícia e da Justiça, também acredita que “o tráfico ainda tem influência nas favelas”. Para ele, “isso não some de uma hora para outra. A proposta da UPP não faz uma opção por matar e prender e sim pelo controle. Para assumir esse controle é preciso estar preparado. O poder do tráfico não desapareceu. Eles perderam espaço, mas não sumiram”.

O clima de tensão dentro das comunidades não combina com a proposta de pacificação. No dia 2 de agosto um PM da Maré foi baleado nas costas durante um confronto com bandidos. No dia 5, três policiais foram acusados de estuprar três garotas na favela do Jacarezinho. Uma semana depois, um PM foi morto no Morro da Coroa durante um tiroteio. No dia 15, houve troca de tiros entre PMs e traficantes da Vila Cruzeiro (Complexo da Penha). Comerciantes receberam ordem do tráfico para fechar as portas e crianças ficaram sem aulas. No mesmo dia, houve outro tiroteio, dessa vez no Parque Proletário, também na Penha. Na madrugada desta terça (19), um policial foi sequestrado e um corpo foi encontrado carbonizado no Complexo do Alemão. A perícia apura se o cadáver é do PM.

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Sobre esses episódios e as falhas no projeto de pacificação do Rio, Ignácio Cano explica que “as UPPs não são iguais. Podemos dividi-las em três grupos: as que pacificaram, aquelas que enfrentam alguns incidentes e as que estão fora de controle. Em algumas comunidades o estado não conseguiu dominar e não se aproximou da população. Nelas, existe uma relação tensa entre a polícia e os moradores. As dificuldades de dominar se devem a vários motivos, como contingente insuficiente, problemas de relacionamento, superestimação da capacidade de pacificar, as dificuldades impostas pela topografia e pelos arredores, etc”.

Marcos Bretas defende que “o projeto da UPP é uma imensa extensão do poder do estado dentro da comunidade, é uma extensão de recursos que o estado não tem. Já para os traficantes, a UPP é uma imensa derrota, que os fez perder dinheiro e o que eles puderem fazer para abalar o sistema, eles farão. O estado quer implementar mais UPPs, mas, antes, precisa responder uma pergunta: como produzir policiais qualificados? É preciso que a polícia esteja preparada para ocupar a favela e se manter lá. É necessário ter paciência e reconhecer que não pode correr com o processo. O estado precisa resistir à pressão da demanda porque ela é complicada”.

Morador da favela do Acari, que ainda não tem UPP, Esteban Roberto Crescente é apoiador do Movimento Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Ele analisa a relação entre traficantes, policiais e moradores nas localidades onde o governo afirma que a pacificação chegou. “A polícia ocupando a favela não acaba com o tráfico. O tráfico permanece. Isso é inevitável onde o povo favelado está totalmente à margem de qualquer política pública que não seja a repressão. A PM vem para a comunidade com desrespeito e repressão porque eles se acham superiores. As UPPs são mais para fazer uma imagem civilizatória e para fortalecer a especulação imobiliária, já que os preços dos imóveis nas comunidades pacificadas cresceram muito. Como o estado não consegue acabar com a favela, ele se adapta. Usando a favela como ponto turístico, exótico. Os moradores têm mais medo da polícia do que do tráfico. Porque as pessoas conhecem os traficantes e, por mais que saibam que o caminho não é certo, elas sabem quem são os traficantes ou conhecem algum amigo, vizinho ou parente. A polícia não. Ela trata essas pessoas como não iguais. Existe repressão e autoritarismo, tanto por parte da polícia como por parte dos traficantes, mas, nas favelas, as pessoas têm mais medo da PM”, avalia.

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Denis Neves mora na Rocinha e é membro da Comissão de Moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu. Ele também critica a estrutura das UPPs e fala sobre a influência díspar de PMs e traficantes na vida dos moradores das favelas. “Na Rocinha e acredito que em outras comunidades pacificadas, sofremos o mesmo embate. A pacificação não passou de aparato policial. Ainda nos falta toda parte social que foi prometida, como cursos de capacitação, saneamento básico e toda estrutura que deveria entrar junto com o poder público”, aponta.

Ainda de acordo com Denis, “os moradores nunca confiaram na polícia”. Ele explica que essa relação se deve “às inúmeras incursões mal feitas, quando a PM não distinguia quem era traficante ou quem era pessoa de bem. Agora os casos envolvendo torturas, maus tratos e má conduta policial tornou espaço entre moradores e PMs  ainda maior”. Denis diz que os moradores das comunidades estão “vivendo intensos tiroteios, não tem dia nem horário. As pessoas estão deixando de curtir com suas famílias, pois os confrontos se tornaram praticamente diários”.

Para ele, “a polícia da UPP tem que ter um treinamento diferenciado, com base na sociabilidade, entendendo a cultura local. Tem que saber que vão encontrar moradores receosos por culpa dos próprios policiais. Diariamente vemos nos mais diversos meios de comunicação casos de policiais matando, roubando, integrando quadrilhas de milícia, desrespeitando moradores, forjando provas dentre outras coisas. Queremos uma unidade acolhedora, no qual o morador se sinta a vontade e protegido para relatar os problemas, que entenda as demandas da comunidade”.

* Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil