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Pacificação em guerra

Moradores da Vila Cruzeiro vivem mais um dia de tensão

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A política de pacificação do governo do estado do Rio de Janeiro foi colocada mais uma vez em xeque nesta sexta-feira no Complexo da Penha, na Zona Norte. Alguns estabelecimentos comerciais e uma escola no Parque Proletário, na Vila Cruzeiro, foram obrigados a fechar as portas por ordem de traficantes da região. Segundo a Coordenação da Polícia Pacificadora, durante patrulhamento na madrugada desta sexta-feira, policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Parque Proletário foram surpreendidos a tiros pelos bandidos, na localidade conhecida como Periquito.

Houve troca de tiros e o traficante Maicon Andrade Matos, conhecido como Maiquinho, de 18 anos, foi atingido e levado para o Hospital Getúlio Vargas, onde morreu. O policiamento está reforçado na região nesta sexta-feira.

E no início da tarde, foram ouvidos mais disparos vindos do interior da comunidade do Parque Proletário, na Penha. Desta vez, não houve registro de feridos. Um pequeno grupo de moradores jogou pedras e garrafas contra viaturas e policiais e ainda tentou obstruir as vias da comunidade espalhando lixos. Segundo nota do comando das UPPs, o clima é de normalidade na região.

Também à tarde, os trens do ramal Saracuruna da Supervia tiveram a circulação suspensa depois que um objeto suspeito foi encontrado na estação Bonsucesso. O Grupamento de Polícia Ferroviária (GPFer) descobriu que se tratava de um aparelho para medir pressão arterial. A circulação foi interrompida entre 12h15 e 13h.

A instalação das UPP no Rio de Janeiro tem recebido cada vez mais críticas. Os confrontos em comunidades como o Complexo do Alemão e os constantes tiroteios na Rocinha têm chamado a atenção para as falhas do programa de pacificação do governo. Com a instalação da primeira UPP no morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul do Rio, outras 37 unidades se espalharam por outras regiões.

No último dia 6, especialistas analisaram para o Jornal do Brasil a política de pacificação, e lembraram que a integração que deveria ter sido trazida pela UPP Social permanece no papel e os confrontos entre moradores e policiais também são constantes.  No entanto, diferente dos casos de violência que a UPP se comprometeu a acabar, esses embates têm muito mais a ver com a questão de convivência e visão de mundo dos dois lados.

Segundo Paulo Bahia, sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto das UPPs previa inicialmente uma ideia de pacificação, de um controle armado do estado para que outras agências , publicas e privadas, pudessem fazer a parte social de desenvolvimento humano da região, mas que na verdade, isso não aconteceu. “O que você tem para hoje é um saldo que começa a se deteriorar. Se houve um grande ganho pelo desarmamento do território, com o passar do tempo você vê que esse ganho tem se perdido a medida que os confrontos nas comunidades tem sido constantes e as demais agencias não chegaram com a intensidade que esse territórios precisam”.

Para Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),as constantes denúncias contra policiais das UPPs é um sintoma claro de problemas na relação com a comunidade dessas áreas. “É um sintoma de que a relação nesses locais não avançou. A polícia tem uma origem pautada nas ações autoritárias e essa postura causa um desconforto nos moradores. A comunidade precisa sentir que a polícia é para ela e não contra ela”.

No entanto, para Luis Fridman, cientista social da Universidade Federal Fluminense (UFF), existe um dilema entre a função institucional da polícia e suas tradições anteriores e a tentativa de neutralizar bandos armados de uma forma que os direitos civis e humanos não sejam desrespeitados. “O que existe é a sobrevivência desses bandos armados nas favelas e há uma reação a isso, mas esse tipo de conflito se resolve por uma disputa muito longa”

Para Fridman, o estabelecimento de uma política de segurança deve ser seguida por programa sociais profundos que só podem ser implantados se existir uma vontade política para isso e que não há soluções rápidas para a questão da violência.” Querer uma solução súbita é um equivoco pois produz um sonho de paz que de fato só pode ser implementada em um processo longo e cheio de frustrações e imperfeições. A desigualdade social no Brasil é profunda, o desamparo para as populações é grande e isso é um fermento para o estabelecimento da violência”, conclui.

Paulo Bahia aponta ainda que o que se procura é não se perder a ideia original do projeto das UPP, mas que a falta de uma ação de políticas sociais e as consequentes denuncias contra policiais não tem contribuído para isso. “Há um arranhão na imagem que o projeto das UPPs tenta passar. É o problema de existir só um controle armado e militar que não leva o desenvolvimento. É a substituição do clima de violência que, com o tempo , começa a desafiar o poder armado. O Complexo do Alemão é uma prova disso. Durante três anos houve um controle territorial e o espaço foi transformado para a presença do estado com projetos sociais, o que não aconteceu, e a disputa continua entre trafico e o poder armado do estado”.

Para o sociólogo, há ainda uma tensão entre a polícia e os moradores, devido à mudança de comportamento e da dinâmica social. Segundo ele, o padrão de comportamento dos dois lados acaba divergindo em algumas questões de cunho social, o que acaba causando conflitos. “A policia militar prioritariamente, já que é responsável por um policiamento ostensivo,  traz uma cultura de violência que acaba passando por todos os seus membros. Por mais que haja um esforço, essa  cultura de violência traz a imagem do pobre e do favelado como inimigo e a polícia, num afã de levar ordem, acaba levando violência” conclui.