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Comandante da PM é condenado a 36 anos por morte de juíza

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?Acusado de ser o mentor do assassinato da juíza Patrícia Acioli, morta em 11 de agosto de 2011, o tenente-coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro Claudio Luiz Silva Oliveira foi condenado a 36 anos de prisão no total, pelos crimes de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, mediante emboscada e para assegurar impunidade de crimes) e quadrilha armada.

O julgamento durou quase 19 horas no 3º Tribunal do Júri de Niterói e acabou às 3h desta sexta-feira. Patrícia era titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo e foi assassinada com 21 tiros na porta de casa, no bairro de Piratininga, Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Oliveira comandava o 7º Batalhão de Polícia Militar (São Gonçalo) na época do crime.

Na sentença, a juíza Neares dos Santos Carvalho Arce afirmou que o réu não somente se omitiu, deixando de impedir o crime, “mas também instigou e estimulou o co-réu Daniel Benitez Lopes, afirmando que a morte da vítima era um grande favor que lhe estaria sendo feito”. “Houve verdadeiro atentado contra a ordem pública e o estado de Direito, já que a vítima era juíza de direito, com o objetivo de calar a voz da Justiça”, afirmou Neares, completando que Patrícia foi fuzilada, sem qualquer chance de defesa. Para Neares, o crime manchou o nome da Polícia Militar.

A defesa do réu já recorreu, e pediu a realização de um novo júri, mas o tenente-coronel aguardará a decisão sobre o recurso na prisão, respondendo em regime inicialmente fechado. Defesa e acusação, no entanto, não souberam informar se o tenente-coronel retornará para a penitenciária federal em Rondônia onde estava preso.

O tenente-coronel é o sétimo PM condenado pela morte da magistrada. Os outros seis receberam penas que variaram de 19 anos e seis meses a 36 anos de prisão: Carlos Adílio Maciel dos Santos, Jefferson de Araújo Miranda, Jovanis Falcão, Junior Cezar de Medeiros, Sergio Costa Junior e Daniel dos Santos Benitez Lopes. Outros quatro acusados devem ser julgadc-os em abril.

O promotor Daniel Navega disse que a condenação do tenente-coronel mostrou coerência dos jurados. “Outros seis já haviam sido condenados. Os jurados foram coerentes”, afirmou.

A família da juíza comemorou o resultado e disse que estava ansiosa, pois o tenente-coronel ser um mandante do crime. “Se ele não fosse condenado, ia ser um péssimo exemplo para o país”, disse Simone Acioli, irmã de Patrícia.

A mulher do tenente-coronel, Valéria Alves de Melo Oliveira, afirmou que os jurados dormiram no julgamento e foram “comprados” pelo Ministério Público. “Foi uma decisão injusta, arbitrária. É a vida de uma pessoa que foi tratada como se não tivesse valor”, disse Valéria.

A magistrada atuava em vários processos em que policiais do 7º Batalhão da PM eram acusados de extorsões e execuções, em que eles supostamente “disfarçavam” mortes de civis registrando elas como autos de resistência (em que pessoas morrem em confronto com a polícia). Policiais subordinados ao tenente-coronel Claudio Oliveira foram inclusive presos por ordem de Patrícia.

“O réu é um quadrilheiro nato e comandou a morte da juíza, sem dúvida. Pessoas que não colocam a mão, mas mandam fazer têm que ser punidas. As provas contra o coronel são incontestáveis”, afirmou o promotor Leandro Navega.

“São Gonçalo não pode ficar com a fama de que é uma cidade em que os juízes morrem se condenarem pessoas”, afirmou o assistente de acusação, Técio Lins e Silva.

No final do julgamento, Técio Lins e Silva e o advogado de defesa, Manuel de Jesus Soares, bateram boca no tribunal e discordaram sobre documento que tratava da existência de comunicação ao Tribunal de Justiça sobre ameaças à vida de Patrícia. “O coronel Claudio não teve nenhuma participação na morte da juíza”, disse Soares.

Durante o julgamento de Oliveira, foram ouvidas seis testemunhas de acusação e três de defesa. Além destes, um policial condenado pelo assassinato preferiu ficar em silêncio.

No início dos trabalhos, o advogado do réu, Manuel de Jesus Soares, solicitou o adiamento do julgamento, alegando que há recursos solicitados pelo tenente-coronel que ainda não foram julgados, mas o pedido foi negado.

A primeira testemunha a prestar depoimento foi o delegado Felipe Renato Ettore, da Delegacia de Homicídios, que investigou a morte de Patrícia, e disse não ter dúvidas da participação do tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira no assassinato. "Saltava às vistas a participação dele. A participação dele viabilizou o crime. Ele retirou os policiais que faziam a escolta da juíza da função, porque estavam tramando a morte dela. Se a juíza permanecesse viva, o coronel Claudio seria preso", disse o delegado Ettore. De acordo com o delegado, a magistrada afirmava a colegas que gostaria de ver o tenente-coronel Claudio preso, pois o batalhão dele era acusado de extorsões e execuções.

Segundo Ettore, Jefferson de Araújo Miranda, um dos PMs condenados pelo assassinato da juíza, explicou, durante depoimento pelo qual recebeu o benefício da delação premiada, que ouviu de outro PM condenado, Daniel dos Santos Benitez Lopes, a maneira como o tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira teria tratado da morte da magistrada. Lopes teria sugerido a morte de um inspetor da Polícia Civil ao tenente-coronel Claudio Oliveira, que concordou com a ideia. Em seguida, Lopes teria questionado ao tenente-coronel: "essa ordem se estende à Patrícia?". E, segundo o delegado, o tenente-coronel Claudio Oliveira afirmou a Lopes: "Aí você estaria me fazendo um favor".

De acordo com depoimento do inspetor de polícia José Carlos Guimarães, Jefferson Miranda afirmou à polícia que, como Lopes não conseguiu contratar milicianos para matar a juíza, ele combinou com policiais do 7º Batalhão que eles próprios cometeriam o assassinato. Para comprar um carro e uma moto usados para matar a juíza, os PMs teriam usado dinheiro fruto de extorsão com traficantes (a “caixinha” mensal do batalhão). Jefferson Miranda também disse que dias após ele e vários policiais do 7º Batalhão terem sido presos, o tenente-coronel Claudio Oliveira os visitou na cadeia. Na ocasião, Oliveira teria dito que ia ajuda-los a conseguir um advogado e que eles estavam presos não pela morte de Patrícia, mas por autos de resistência suspeitos.

O delegado Ettore afirmou que Lopes não teria motivos para planejar a morte da juíza a não ser para agradar ao tenente-coronel, de quem era braço direito.

Jefferson Miranda voltou atrás em seu depoimento e nesta quinta-feira reafirmou que foi pressionado a confessar e delatar os colegas policiais. Segundo Miranda, o delegado Felipe Renato Ettore e o inspetor de polícia José Carlos Guimarães o ameaçaram com transferência para outro estado para que ele apontasse culpados pelo crime. Miranda disse que Guimarães e Ettore exigiram que ele colocasse em seu depoimento a afirmação de que ouviu o tenente-coronel Claudio Oliveira dizer que a morte de Patrícia seria “um favor” que o policial Daniel Benitez Lopes faria a ele. “Eu não pensei duas vezes, pensei na minha família”, disse Miranda.

Mas, segundo o delegado Ettore, Miranda tinha um temor muito grande do  tenente-coronel Claudio Oliveira, assim como os outros policiais do batalhão. O policial civil Fernando Resende disse no tribunal que Jefferson Miranda contou a ele que voltou atrás no seu depoimento por ordem do tenente-coronel Claudio Oliveira e por que a delação premiada não ia resolver os seus problemas, já que ele já respondia por muitos autos de resistência suspeitos. Fernando Resende afirmou que ouviu a declaração de Jefferson quando fazia a escolta dele, para audiências em que o PM era réu. O depoimento dele demorou apenas um minuto, mas foi considerado peça-chave pelo Ministério Público.

O promotor Paulo Roberto Cunha Júnior, que atuava com a juíza Patrícia na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, disse que ela ouviu de três pessoas, em ocasiões diferentes, que o tenente-coronel Claudio Silveira estava planejando a morte dela e que teria contratado uma milícia do Rio para cometer o crime. Patrícia foi alertada dos rumores que corriam sobre isso no batalhão, e por um policial civil e um agente penitenciário.

Segundo Cunha Júnior, a escolta de Patrícia foi retirada depois que um policial do 7º Batalhão foi preso por camuflar extermínios que teriam sido cometidos por policiais alegando que se tratavam de autos de resistência. Essa prisão teria desagradado o tenente-coronel Claudio Oliveira, que, segundo o promotor.

A advogada Ana Cláudia Abreu, que também foi testemunha de acusação, se exaltou no depoimento ao falar com a defesa do tenente-coronel e disse que foi ameaçada de morte por um policial. Ela reafirmou que o policial condenado Jefferson Miranda atribuía ao tenente-coronel Claudio Oliveira a ordem para matar Patrícia Acioli. “O Jefferson foi um frouxo que voltou atrás depois do depoimento que deu”, disse Ana Cláudia.

Em depoimento no Tribunal do Júri, o inspetor da Polícia Civil Ricardo Henrique Oliveira, que investigava policiais militares do 7º Batalhão por extorsões e mortes, disse que na unidade havia um grupo chamado Bonde dos Neuróticos. “Eles procuravam as comunidades mais ricas, como Salgueiro e Coruja, e sequestravam pessoas e mantinham em cativeiro. Eles esperavam o resgate, que era pago muitas vezes em drogas, armas e dinheiro”, disse Oliveira.

Testemunha de defesa no julgamento, o coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, que era comandante geral da Polícia Militar na época do assassinato de Patrícia Acioli, disse que a decisão de retirar os policiais que faziam a escolta da juíza da função não foi do tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira. Segundo ele, a decisão foi do departamento de pessoal da PM, já que eles estavam atuando fora do que prevê convênio da corporação com o Tribunal de Justiça para cessão de policiais ao Poder Judiciário.

“Precisávamos montar três batalhões de campanha na favela do Alemão e estávamos buscando efetivo. E chegou a notícia de que o 7º Batalhão tinha pessoal à disposição de uma vara criminal fora das condições do convênio com o Tribunal. Estávamos recuperando todo o efetivo possível”, disse o coronel Mário Sérgio Duarte. Segundo ele, Claudio Oliveira só foi comunicado da retirada dos policiais da função de proteção à Vara onde Patrícia atuava depois que esta aconteceu.

Para Claudio Luiz Silva Oliveira, Jefferson Miranda o acusou de ordenar o homicídio porque acreditou que, apenas se incluísse o comandante do 7º Batalhão no crime, é que teria direito de receber o benefício da delação premiada. “Ofereceram isso a ele como tábua de salvação. E ele abraçou. Ele preferiu se salvar”, disse o réu.

O tenente-coronel negou ter ameaçado policiais condenados pela morte da magistrada e afirmou que sequer sabia onde os policiais do 7º Batalhão moravam. Ele disse também que não sabia de propinas que seriam cobradas por policiais do 7º Batalhão da PM (São Gonçalo). “Não tinha conhecimento de propinas, não compactuava com isso. Eu puni vários policiais do 7º Batalhão em razão de desvios de conduta”, disse o tenente-coronel.

Oliveira negou que tenha sido favorável à ideia de matar um policial civil, sugerida pelo policial militar Daniel Benitez Lopes, que seria o seu braço direito no batalhão.Claudio Oliveira disse que nunca nenhuma testemunha o ouviu falar sobre a ideia de matar um policial civil. “As testemunhas são do tipo “ouvi dizer””, afirmou Oliveira.

O tenente-coronel disse que o relacionamento que tinha com Patrícia Acioli “sempre buscou os limites do profissionalismo”. “Quando ela tinha algum problema, ela me ligava e eu da mesma forma”, disse.

Ele negou ter oferecido ajuda jurídica a policiais de seu batalhão presos por autos de resistência irregulares. “Não estou podendo pagar nem o meu advogado, quanto mais o dos outros”, afirmou Oliveira.