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Comunidade no Rio Comprido se mobiliza por hospital

Prefeitura quer transformar unidade em Clínica da Família

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Alvo há dois anos da prefeitura do Rio, a situação do Hospital Pediátrico Salles Netto, no Rio Comprido, na zona norte, foi mais uma vez motivo de mobilização da população em defesa da permanência da unidade. Segundo moradores, além da interdição da enfermaria e da cozinha e a diminuição do efetivo médico, no ano passado, o hospital enfrenta uma possível reestruturação no serviço. De uma unidade de média complexidade, o Salles Netto pode se transformar em uma Clínica da Família ou um Centro Municipal de Saúde. O medo da população é que a unidade vire um posto de atenção básica, e que os moradores tenham que recorrer aos hospitais superlotados nos bairros vizinhos. Outro motivo de preocupação é a interrupção do programa, com a mudança de governo.

A diarista Thais Bruna Fernandes, de 23 anos, que estava no Hospital na tarde de hoje, à espera de uma consulta para seu filho de três anos, contesta a possível decisão. A moradora de São Cristóvão, que antes residia em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, avalia a unidade como eficiente, quando comparada com outros hospitais municipais e estaduais. “Quando eu me consultava e levava meus filhos para o Hospital do Joca esperava horas para ser atendida, quando era atendida! Lá não tinha nada, nenhuma infraestrutura, apenas os médicos para receitar os remédios. Aqui esperamos pouquíssimo para sermos atendidos. Fazemos exames, raios-X, recebemos remédios, além de ter pediatras muito bons. Se for uma clínica da família será um serviço muito superficial de tirar pressão etc, isso não é interessante para nós. Hoje meu filho está com febre, vômito e diarreia, em uma dessas unidades eles me encaminhariam para outro hospital”, disse.

Já para a dona de casa de 19 anos, Alessandra da Conceição Nascimento, o hospital se tornou um hábito familiar. “Quando eu era criança minha mãe me levava no Salles Netto. Não me lembro de ter tido experiências ruins nele. Sempre fui bem atendida, seja como criança ou levando os meus dois filhos. Acredito que se o serviço mudasse ia prejudicar boa parte da população vizinha, que teria que recorrer aos hospitais superlotados nos arredores, como o Hospital Municipal Souza Aguiar [centro] e o Hospital Estadual do Andaraí [Andaraí]”, explicou.

O Hospital Pediátrico do Rio Comprido não foi o único na mira do prefeito Eduardo Paes e do governador Sérgio Cabral. A lista inclui dezenas de unidades hospitalares que tiveram seus serviços interrompidos. Entre eles a demolição do Hospital Central do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (IASERJ), no centro do Rio, e a desativação do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião e do Hospital Estadual Anchieta, no Caju. Vale ressaltar também a Interdição da UTI pediátrica do Hospital Municipal Souza Aguiar e da maternidade do Hospital Maternidade Oswaldo Nazareth, na Praça XV, ambos no centro fluminense, além de apenas 30% dos leitos do novo Hospital Municipal Paulinho Werneck, na Ilha do Governador, em funcionamento.

Na manhã de hoje (18), alguns integrantes da Associação de Moradores dos Bairros de Rio Comprido (AMORICO), distribuíram discursos e faixas sobre as possíveis mudanças, contrárias ao desejo da vizinhança. Para o secretário executivo da AMORICO, Gian Carlo de Oliveira, os moradores querem a adequação dos serviços hospitalares, para que a unidade funcione em sua totalidade.

“Tudo começou com a interdição da enfermaria, em agosto de 2013, devido a uma denúncia do Ministério Público do Trabalho, que identificou inadequações no local. Em vez de seguir a condição do órgão de criar um cronograma de obra, a prefeitura optou por fechar o setor. Dois meses depois a unidade fechou a cozinha do hospital, logo se uma criança ficasse muito tempo aguardando algum procedimento mais complexo não teria qualquer aporte alimentício. Em seguida, começou o sucateamento dos profissionais para outras redes hospitalares, o que resultou numa queda no fluxo de pacientes. Começaram a serem distribuídas senhas que limitavam o atendimento diário na unidade, já que havia menos profissionais. Ou seja, o hospital ficou abandonado, atendendo apenas de forma ambulatória, o que para a Secretaria Municipal de Saúde se classifica como unidade de menor importância”, explicou o membro da associação de moradores.

De acordo com Oliveira, duas Clínicas da Família, uma na Rua do Bispo e outra na Barão de Petrópolis já foram licitadas e as verbas liberadas, o que comprova que não há necessidade de uma terceira e sim de uma manutenção da unidade. “A vontade do morador é a de que sejam implantadas as duas clínicas e que o hospital de média complexidade fosse reformado. A Policlínica não é uma opção, pois não vai atender o morador do Rio Comprido, já que ele teria que torcer para ter vaga do lado da sua casa. Nossa maior preocupação nessa mudança é o fato da Clínica da Família ser um programa, que pode ser interrompido por uma intervenção política. Se for interrompido amanhã, o que será do morador?”, indaga o secretário executivo.

Segundo uma nota divulgada pela Secretaria Municipal de Saúde, o projeto de readequação do espaço hospitalar do Salles Netto segue em fase de estudo arquitetônico, sem previsão de uma definição final. Contudo, o órgão ressaltou que o atendimento da unidade será direcionado somente para atenção básica, ou seja, ambulatorial (consultas marcadas), como já tem ocorrido. A internação de baixa complexidade, que era realizada no Hospital Municipal Salles Netto, é atualmente ofertada em outras unidades públicas da cidade (municipais, estaduais e federais). Entre as opções do possível futuro do hospital, estão a Clínica da Família e o Centro Municipal de Saúde.

Sobre a reestruturação da unidade pediátrica, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SINDMED-RJ), Jorge Darze, disse que o sindicato enviará uma denúncia ao Ministério Público Estadual e ao Conselho Municipal de Saúde contra tal decisão da prefeitura. “A prefeitura está fazendo um crime à humanidade. Esse assunto já deveria ter sido pautado no Conselho Distrital de Saúde, quiçá ao Municipal. A secretaria desrespeita a lei federal n° 8.142, que regula o controle social do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele foi criado justamente para evitar que gestores fizessem aquilo que dessem em suas cabeças. Aceitar o fechamento ou a reestruturação do Salles Netto é algo inaceitável e que vai causa um prejuízo à população. Iremos procurar apoio do MP para que a situação seja enfrentada no poder judiciário”, afirmou.

O sindicalista acrescentou a importância da unidade pediátrica no âmbito estadual. “O atendimento da criança no RJ é uma catástrofe, você tem falta de pediatra em todos os hospitais públicos. As crianças não conseguem atendimento com facilidade. Você pode ir a todas as emergências e ambulatórios pediátricos e vai encontrar pouquíssimos médicos. O hospital Salles Netto é patrimônio do povo do RJ. Ele tem um longo tempo de existência, além de uma especialização reconhecida em todo estado. Sempre foi referência em pediatria, recebendo, inclusive, pacientes de outros municípios”, contou.

“Substituir tudo por Clínica da Família estabelece um critério de que a população só tem direito a serviço preventivo, além de prestar um atendimento de péssima qualidade, pois essas clínicas utilizam muitos enfermeiros e quase nenhum médico. Essa Secretaria Municipal de Saúde é uma das piores que o Rio já teve nos últimos anos, ela é desastrosa”, articulou Darze.

Segundo a Associação de Moradores dos Bairros de Rio Comprido, mais de 3 mil assinaturas presenciais foram recolhidas até o momento, e outras 929 virtuais que devem ser encaminhadas ao Ministério Público do Trabalho, em forma de abaixo assinado, para que a prefeitura cumpra com as exigências do órgão.

*Do projeto de estágio do Jornal do Brasil