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Moradora baleada e arrastada por carro da PM é sepultada no Rio

Após o sepultamento de Cláudia da Silva Ferreira, moradores protestaram e fecharam Av. Edgard Romero

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A auxiliar de serviços gerais Cláudia da Silva Ferreira, 38 anos, que morreu após ser baleada no domingo (16/3) durante uma operação no Morro da Congonha, em Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, e ser arrastada por cerca de 250 metros por um carro da Polícia Militar, foi sepultada na tarde desta segunda-feira (17/3), no cemitério de Irajá, também no Subúrbio. O marido da vítima, Alexandre Fernandes da Silva, afirmou que a mulher foi tratada como "bicho" e que o tiro foi dado contra ela, desmentindo a versão de bala perdida. Os três policiais que socorreram Cláudia e a levaram para o hospital foram presos e o comando do 9º BPM (Rocha Miranda) determinou a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM). Eles prestaram depoimento na 2ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar da Corregedoria interna da corporação.

Durante o sepultamento da auxiliar de serviços, houve um protesto e moradores gritaram palavras de ordem para os policiais que acompanhavam de longe o cortejo. Logo após, por volta das 15h, cerca de 50 manifestantes fecharam os dois sentidos da Avenida Ministro Edgard Romero, uma das principais vias de Madureira, segundo o Centro de Operações. O grupo se concentrou na altura do Morro do Cajueiro e ateou fogo em lixeiras que foram arremessadas no meio da pista. Um carro reboque da PM também retirou os dois ônibus que foram incendiados no local durante a madrugada, em outro ato contra a morte da moradora.  

De acordo com testemunhas, após ser baleada, Cláudia foi colocada no porta-malas do carro da polícia militar e encaminhada para o hospital. No trajeto, o porta-malas abriu e os policiais não perceberam. A auxiliar de serviços gerais caiu da viatura e teve o seu corpo arrastado por cerca de 250 metros. Alexandre contou que soube que a mulher havia sido arrastada pelo carro da PM somente quando chegou à Unidade de Terapia Intensiva. Ele disse ainda que o itinerário feito pelos três PMs foi mais longo e, durante o reconhecimento do corpo, observou diversas escoriações provocadas pela queda. "Eles só perceberam que o corpo da minha mulher estava sendo arrastado no momento que pararam num sinal de trânsito e foram avisados por outras pessoas", contou o marido da vítima. O casal tinha quatro filhos, uma de 18 anos, um de 16 e um casal de gêmeos de 10 anos. Cláudia também criava quatro sobrinhos.

A socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC/Ucam), Julita Lemgruber, considerou o episódio "chocante" e "injustificável". "Quando a gente pensa que viu toda a violência praticada pela Polícia Militar no Rio, se surpreende com mais um caso injustificável sob qualquer ponto de vista", classificou Lemgruber, que foi a primeira mulher a dirigir o sistema penitenciário do Estado. Lemgruber ressaltou que a moradora Cláudia da Silva Ferreira foi atingida no fogo cruzado entre a PM e supostos bandidos, o que evidencia "a mesma estratégia equivocada de, primeiro atirar e depois perguntar". "Isso provocou, por um lado, ferimentos nas pessoas que estavam no local e, por outro lado, mostrou que pessoas avisaram os PMs que havia alguma coisa errada acontecendo. Foi o absoluto desprezo pela pessoa", destacou a socióloga. 

Para Lemgruber, a sensação que fica é de que "a cada dia vivemos uma nova tragédia". Ela descreve uma polícia violenta e completamente despreparada para o trabalho que deveria aproximar a corporação das comunidades pacificadas. "É uma polícia esquizofrênica, que se comporta com extrema violência na maior parte do tempo, como comprovou esse episódio que foi tragicamente conduzido". 

O especialista em Segurança Pública e professor do Núcleo de Pesquisa de Políticas de Justiça Criminal e Segurança da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Kant, acredita que a ausência de regras e protocolos no desempenho das atividades policiais causa uma "liberdade de ações", que pode ter um desfecho trágico e complicado de identificar os seus responsáveis. "A não existência de protocolos nas atividades dos policiais, ou quando há a não aderência delas, vem prejudicando a execução de um serviço tão importante para a população, que diz respeito à sua segurança", considerou Kant.

Kant ressalta que os protocolos são formulados pela própria corporação e deveriam ser levados mais à sério. "Nesse episódio do Morro da Congonha, por exemplo, não fica claro qual policial é responsável pelo fechamento da porta, assim como a retirada de uma arma da viatura, deve ou não deve passar antes por um registro? Essas regras visam um contato adequado entre PMs e a população e ainda protege o próprio profissional de qualquer acusação infundada. Assim, é possível identificar as falhas e facilitaria as investigações dos acidentes. No Rio, não há procedimento especifico para lidar com manifestações, com detenção e nem em comunidades. Fica difícil de cobrar responsabilidade", explicou o especialista.

Em nota, a Policia Militar do Rio informou na tarde desta segunda (17) que o comandante da unidade, tenente-coronel Wagner Moretzsohn, identificou os policiais que socorreram Cláudia na Rua Joana Resende e a colocaram dentro do porta-malas da viatura. São eles o subtenente Adir Serrano Machado, subtenente Rodney Miguel Archanjo, e sargento Alex Sandro da Silva Alves. O comunicado confirma que no caminho para o Hospital Carlos Chagas, o porta-malas se abriu "e parte do corpo da moradora foi arrastado, causando mais ferimentos à vítima". 

Segundo a nota, uma perícia foi feita na viatura pelo Centro de Criminalística da PM e o caso está sendo investigado pela 29ª DP (Madureira) e pela 2ª DPJM. "O comando da Polícia Militar esclarece que este tipo de conduta não condiz com um dos principais valores da corporação, que é a preservação da vida e dignidade humana", afirma o texto.