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Rio enfrenta caos no transporte público, dizem especialistas

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Após o descarrilamento de um trem da concessionária SuperVia, na manhã desta segunda-feira (10), que deixou sete passageiros feridos, os transportes públicos da cidade voltaram a apresentar falhas na manhã desta terça (11). Na estação Central do Brasil, a concessionária detectou problemas em duas composições, o que causou reflexos em todo o ramal Saracuruna, com atrasos de aproximadamente uma hora. Já nas barcas, na estação Charitas, na região metropolitana do Rio, dois catamarãs foram retirados de circulação após sugarem lixo da Baía de Guanabara.

Em contrapartida, a Agetransp (agência reguladora) divulgou diversas notas em seu site, informando que já foram abertos boletins de ocorrência para apurar a causa de tais acidentes. A questão é saber se a agência irá, de fato, levar esses processos adiante ou se eles serão deixados de lado, como os outros 150 que desde 2009 não foram concluídos.

Procurada pelo Jornal do Brasil, a Agetransp afirmou que, desde que o novo conselho diretor foi empossado, no dia 2 de janeiro de 2014, “medidas vêm sendo adotadas para dar maior celeridade e eficiência aos procedimentos”. Entre eles, “a criação de um grupo de trabalho (força-tarefa) para sanear todos os processos pendentes de julgamento”, como diz a nota.

Contudo, vale ressaltar, que os cinco novos membros do conselho diretório da agência foram indicados pelo governador Sérgio Cabral, como confirma o texto. Entre eles está Cesar Mastrangelo, atual conselheiro presidente do órgão e antigo vice-presidente de Relações Institucionais do Metrô Rio. Outro nomeado foi Arthur Vieira Bastos, chefe de gabinete do secretário estadual da Casa Civil, Régis Fichtner e primeiro-tesoureiro do PMDB no Rio. Atribuições que indicam que ele teve contato direto com as grandes construtoras e empresas que financiaram campanhas eleitorais do governador, e que também fazem as grandes obras no setor de transporte.

Analisando a situação, podemos dizer que o presidente do conselho da Agetransp está “fiscalizando o seu antigo trabalho”, enquanto o órgão, de uma forma geral, fiscaliza os transportes públicos de seus companheiros políticos, visto que estão todos “juntos e misturados” no setor de transportes e endossados pelo governador.

Ainda de acordo com um levantamento da Agetransp, desse total de processos, cerca de 60% referem-se ao transporte ferroviário, 25% ao aquaviário e 15% ao metroviário. A ouvidoria da Agetransp informou também que recebe, em média, 500 reclamações mensais. Cerca de 40% são sobre trens, 30% sobre barcas e 20% sobre o metrô.

Para Alexandre Rojas, engenheiro de Transportes Urbanos e Mobilidade da Uerj, o ator que mais influiu na precariedade do transporte foi o estado. “Desde os anos 90, quando houve uma má privatização do setor, o estado não investe no transporte, chegando a essa situação de caos que vivenciamos hoje”, disse. Sobre os trens estarem no topo das reclamações dos passageiros, o especialista explica que este não é um problema atual.

“O problema nos trens está ai há muitos anos, desde a privatização mal feita em vista da ganância do estado que quase levou a concessionária à falência. Com o apoio da Odebrecht, o estado começou a ter uma nova postura de recuperação da rede, que ficou 80 anos sem investimento pesado. Os trens são grandes transportes da Baixada para o Centro da cidade, mas só vão conseguir atender, minimamente, a sua demanda daqui a 6 ou 8 meses, quando chegarem e forem instalados os novos trens”, garantiu Rojas.

Sobre as constantes intervenções no trânsito do Rio, o engenheiro de transportes afirmou que faltou planejamento do estado, pois cabia a ele investir em transporte público, visto que os automóveis teriam uma circulação limitada. “Os transportes no Rio de Janeiro já estavam quase à beira do colapso antes das obras da Copa e das Olimpíadas. Quando começaram a fazer as intervenções, o estado estava ciente da encrenca que iria ocorrer e não tomou as providências necessárias. E quando tomaram, já não havia muito a ser feito, pois  o setor já estava à beira do colapso. Não basta aumentar a frota de ônibus, até porque o engarrafamento não permite tal feito, é necessário aumentar os trens, as barcas e os metrôs, mas isso só deve ocorrer, de forma efetiva, daqui a 1, 2 ou 3 anos”, afirmou o especialista.

A respeito do conselho diretor da agência reguladora ser indicado pelo governador e atribuir “ações entre amigos”, Alexandre Rojas se mostrou contrário a tais atitudes. “A Agetransp não cumpriu o seu papel de agir de forma autônoma em defesa do povo. A expectativa era que ela não fosse um órgão, nem de governo e nem de partido, mas um órgão do povo”, exclamou.

Já para a professora da Escola Politécnica da UFRJ e engenheira de Transportes, Eva Vider, afirma que o maior problema no setor é a falta de integração entre os meios. “A maior deficiência, do ponto de vista da mobilidade urbana do Rio de Janeiro, é a ausência de uma rede metropolitana integrada de transportes. Nós temos algumas integrações ali e aqui, em alguns modos de transporte, mas integrações essas que não são operacionais, uma vez que a quantidade de meios de transportes não atende a demanda da cidade. O sistema tem que passar por uma revisão desse conceito de rede”, disse.

Para Vider, outro ponto ainda não mencionado em consequência das obras de intervenção na cidade, é o aumento do tempo na passagem tarifária, ou seja, o aumento no prazo do bilhete único para pagar uma única condução entre as baldeações. “O governo, por sua vez, está muito preocupado em pedir que a população não saia de casa, devido ao caos no trânsito, por conta das obras. Em vez disso, ele [governo] deveria se preocupar em aumentar o tempo da passagem tarifária, pois têm pessoas que estão demorando mais de uma hora entre uma baldeação e outra e perdendo o desconto de uma passagem no bilhete único. O correto seria transferir automaticamente essa uma hora a mais no trânsito direto para o bilhete único”, explicou a especialista.

A engenheira de transportes alerta que a cidade está enfrentando intervenções que deveriam ter sido feitas há décadas atrás, e que por falta de investimento do governo, estão sendo feitas todas ao mesmo tempo, por conta dos grandes eventos esportivos sediados. “Não há cidade que consiga suportar as interrupções nas vias e a falta de planejamento para fazer tais intervenções. Já que a cidade não está suportando a circulação de automóveis, por conta das obras, era necessário investir em transporte público, mas isso não ocorreu”, afirmou.