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Bioterrorismo: lixo nas ruas ameaça saúde de todos

Coleta de lixo é uma das partes essenciais para garantia da saúde pública, lembram especialistas

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A intransigência do prefeito Eduardo Paes em não atender as reivindicações por melhores condições de trabalho e de vida dos garis coloca em risco a saúde de toda a população do Rio de Janeiro. O lixo que se acumula nas ruas da cidade desde o primeiro dia de carnaval pode se transformar num foco de diversas doenças, como a leptospirose, gastroenterites e a hepatite A, tanto para os mais vulneráveis, como moradores de rua e de locais com saneamento básico deficiente, como para os que usufruem dos mais altos padrões de vida. 

O médico infectologista Edimilson Migowski alerta para as doenças que podem ser transmitidas, com a decomposição do lixo e a possibilidade de chuvas e alagamentos. A coleta regular de lixo é um dos pilares da saúde pública, apesar de não estar vinculada à pasta de Saúde dos governos, comenta Migowski, que é chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da UFRJ. Água de qualidade, saneamento básico e coleta de lixo têm interface total e qualquer falha nesta cadeia afeta a saúde da população.

Apesar de serem mais vulneráveis a contaminações, explica, moradores de rua podem ter uma resistência maior a diversos tipos de doença. A água contaminada do lixo, no entanto, exemplifica, pode atingir a cisterna do prédio de uma rua privilegiada, e comprometer a saúde de todos os seus moradores.

"É um risco democrático, que acomete todo mundo. O lixo entupindo o bueiro, a água de enchente invadindo a cisterna de um prédio, mesmo que esteja em uma rua diferenciada, a enchente afeta toda a população. Pode transcender o fato de ter uma enchente em determinada região. Submete a população ao lixo e eventuais contaminantes. É uma situação de ameaça, um bioterrorismo", ironiza Migowski. 

Migowski destaca que, entre os efeitos da acúmulo do lixo, está a proliferação de roedores e insetos, como o mosquito da dengue. A chuva de março pode trazer ainda as temidas enchentes e, junto com elas, um elevado risco de leptospirose. Há ainda o risco de transmissão da Hepatite A, que pode atingir por exemplo os moradores de rua, que muitas vezes não têm a possibilidade de realizar uma higiene apropriada, e que, por sua vez, podem contaminar outras pessoas, iniciando uma "cascata de contaminação". Migowski aponta ainda para a possibilidade de Infecções intestinais, entre uma gama de outras infecções. 

Roberto Medronho, doutor em Saúde Pública e professor da UFRJ, alerta que a situação a que chegou o acúmulo de lixo é um "problema importante de saúde pública". Como se trata de lixo orgânico, com muito material de decomposição de alimento, pode haver contaminação por bactérias que podem provocar doenças como a gastroenterite, a diarreia, a leptospirose. Medronho também ressaltou o perigo de epidemia de dengue devido ao lixo não recolhido somado a pouca chuva intermediada com o calor. 

"Se o lixo continuar nas ruas, pode contribuir para riscos mais importantes", adverte Medronho. Ele acredita, todavia, que o perigo de contaminação por Hepatite A é menos provável, já que está vinculada à fezes humanas que contaminam alimentos ou leito de água, e descarta a possibilidade de proliferação de bactérias mais resistentes, por exemplo. 

Ricardo Igreja, também professor da UFRJ e doutor em Medicina pela mesma instituição, por sua vez, comenta que o perigo de infecção existe principalmente com o contato com a água contaminada, que pode gerar problemas gastrointestinais. Destacou ainda, como os outros, o perigo do acúmulo de animais como os ratos, que pode espalhar a leptospirose, e a possibilidade de acúmulo de água, que pode atrair mosquitos.

ENDEREÇOS PRIVILEGIADOS

O lixo começou a ser recolhido das ruas, mas com uma equipe reduzida e apenas em pontos específicos da cidade. Para alguns nobres endereços, no entanto, não houve acúmulo de lixo nas portas como alguns restaurantes de luxo da cidade. Os luxuosos estabelecimentos da Zona Sul não tiveram problemas. O mesmo não aconteceu no restante da cidade, onde montanhas de lixo continuam acumuladas, principalmente em frente a lanchonetes e restaurantes não tão caros, mas que atendem grande parte da população. A discrepância chama a atenção.

Com localização privilegiada, ao lado da casa do governador Sérgio Cabral, o restaurante Antiquarius não teve nenhum problema durante a greve. Não houve acúmulo de lixo na frente do estabelecimento ou em seus arredores. 

O Copacabana Palace, cartão postal de renome internacional, também não enfrentou dificuldades com o lixo. Na Marina da Glória, o quadro do restaurante Barracuda não foi diferente. Segundo o gerente, Julio Sousa, "a greve não nos afetou, nem nos arredores. Como ficamos dentro da Marina da Glória, a administração é responsável pela coleta".

Em Botafogo, o gerente da Churrascaria Fogo de Chão, Laudir José Tonieto, alega que "tudo está funcionando normal, sem problemas. Nem pelos arredores do restaurante tivemos reflexos. A greve não nos afetou". Comerciantes de Ipanema também não têm do que reclamar. 

O restaurante Gero, do grupo Fasano, não teve que mudar sua rotina por causa da greve e o subgerente do Porcão afirma "nós já temos uma empresa terceirizada que coleta o lixo do restaurante. Nos arredores também não tivemos problemas, os estabelecimentos vizinhos já colocaram seus lixos na rua, mas ainda não tivemos problemas e nem fomos afetados".

Situação calamitosa no Centro da cidade

A situação muda radicalmente para o carioca do Bairro de Fátima, Praça Tiradentes e Lapa, por exemplo. 

Fora dos endereços privilegiados da Zona Sul, os comerciantes são obrigados a conviver com o lixo em frente e nos arredores de seus estabelecimentos. 

É possível observar o lixo próximo aos pontos de ônibus, atrapalhando também quem passa pelo local. 

Para conter o acúmulo dos resíduos em frente aos restaurantes, alguns funcionários estão se encarregando de empurrar o lixo para a rua, um pouco distante dos estabelecimentos e mais próximo aos bueiros.