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Caos no trânsito: engarrafamentos continuam nos dois próximos anos

Especialistas afirmam que carioca terá que se adaptar aos congestionamentos e sair mais cedo

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As previsões dos especialistas em Transportes não são nada otimistas para a população do Rio de Janeiro, que enfrentou dois dias seguidos de longos engarrafamentos nas vias do Centro da cidade, após as mudanças feitas pela prefeitura como parte do projeto Porto Maravilha, na Zona Portuária. Passageiros e motoristas são unânimes na opinião de que as intervenções são confusas e estão causando transtornos irreparáveis à rotina dos cariocas. 

O vereador Reimont Otoni (PT-RJ), que participou da sessão de aprovação do Orçamento Municipal de 2014, a verba total destinada à Cet-Rio para esse ano é de R$ 229 milhões. No ano passado, a prefeitura gastou R$ 20 milhões com o programa de Tráfego Inteligente, que engloba o conjunto de mudanças que começou a ser implantado no último domingo. Já para 2014, a Cet-Rio solicitou um investimento de R$ 90 milhões para o mesmo projeto, o que representa um aumento de 350%. Segundo o vereador, o conteúdo do programa prevê a aplicação da verba em equipamentos próprios para um sistema inteligente de trânsito. Quase R$ 68 milhões desse montante já foi empenhado em janeiro e fevereiro. As empresas que participaram do processo de licitação são públicas, porém integram no plano as suas subsidiárias. A Porto Novo é uma dessas concessionárias, com patrimônio público-privado. "E é justamente nesse ponto [das subsidiárias] que falta transparência orçamentária", destaca Reimont.

Além do programa Tráfego Inteligente, foi aprovado na Câmara no final do ano passado outro projeto de Requalificação Urbana da Avenida Rio Branco, que prevê a transformação da via numa espécie de 'boulevard', com áreas de lazer para pedestres e acesso por Veículo leve sobre trilhos (VLT). Para realizar esse projeto a prefeitura vai receber mais R$ 80 milhões por quatro anos. Dez milhões já liberados para 2014. 

O Jornal do Brasil entrou em contato com a Secretaria de Transporte e solicitou o nome do profissional que assinou o projeto de mudança no trânsito, assim como a especificação dos investimentos feitos em torno dele e a quantidade de trabalhadores contratados para a sua implantação. Até o fechamento dessa matéria nenhum retorno foi dado. 

Especialistas traçam um cenário pessimista

O especialista em Transportes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Alexandre Roujas, acredita que o colapso no trânsito foi provocado por um cronograma inadequado da prefeitura, que realizou as mudanças nas vias principais antes do término das obras previstas em função da demolição do Elevado da Perimetral, principalmente a construção do conjunto de Túnel das Vias Expressas. Segundo ele, derrubar a perimetral apenas "porque era feia" foi o maior absurdo cometido pelo poder público. "Ficamos sem alternativa de acesso para o Centro, porque as vias disponíveis não possuem capacidade para suportar o trânsito da perimetral, que tinha quatro faixas largas. A Via Binário é estreita e tem apenas três faixas. Os engarramentos são inevitáveis", analisou ele.

Roujas prevê um quadro crítico para a cidade nos próximos dois anos. Segundo ele, o sistema de transporte público está operando na capacidade máxima, não há possibilidade da Supervia e a Concessionária Metrô Rio diminuir o tempo de circulação dos trens, porque as composições precisam manter uma distância segura entre elas, e as barcas estão transportando um número máximo de passageiros. "Ou seja, não existe um caminho viável no momento. A população terá que se adaptar a essa nova realidade", esclareceu o especialista. Uma saída apontada por Roujas está fora da competência do governo. "As empresas podem tornar mais flexível o horário dos funcionários, para tentar desafogar os horários críticos com reflexo no trânsito. E o setor de transporte público precisa se reorganizar para atender à nova demanda de usuários e também melhorar a qualidade do serviço, especialmente a SuperVia", avaliou Roujas.

O ex-diretor de Trânsito do antigo estado da Guanabara e ex-presidente da CET-Rio, Celso Franco, também fez fortes críticas ao novo esquema de trânsito. Para ele, colocar mão dupla na Avenida Rio Branco, que há 50 anos tem apenas um sentido liberado para os carros, é um dos pontos mais "absurdos" do projeto da prefeitura, da forma que foi executado. Franco diz que o ideal é avaliar a capacidade de tráfego de ônibus na avenida, que atualmente recebe um fluxo de coletivo muito acima da sua capacidade. Outro problema que ele considera grave diz respeito aos pontos de táxi ao longo da Rio Branco. "A distância de embarque e desembarque que a prefeitura permite agora é de mais de um quilômetro, prejudica demais o passageiro. É outro absurdo", afirmou Franco. O especialista também citou os casos das ambulâncias. "você já pensou como fica hoje a circulação de uma ambulância pelas vias da cidade, com o trânsito todo parado. Isso é muito grave, muito grave", destacou.

Assim como Alexandre Roujas, Franco também considerou "imprudente" a implantação do novo sistema de trânsito antes do término das obras ligadas à demolição da Perimetral. "Causa estranheza essa medida do governo, no mínimo", afirma ele. Celso Franco alertou para os perigos que a mudança pode oferecer para os pedestres e motoristas. "Quem está acostumado a transitar pela Avenida Rio Branco, por exemplo, e está muito acostumado com os veículos vindo de uma só direção, por um pequeno descuido pode ser atropelado. A avenida precisa de sinalização no chão para chamar a atenção do pedestre", ressaltou ele. Nesta terça-feira (18/2), as maiores queixas que se ouvia no Centro da cidade diz respeito a falta de placas informativas na região.

Entidades de classe tentam amenizar os efeitos "do caos"

O jurista Armando da Silva Souza, da Comissão Especial de Legislação de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), disse que não há legislação que proteja o trabalhador do provável atraso ocasionado pelo trânsito caótico da cidade. "Mas o transtorno que tem ocorrido nos dois últimos dias é notório e público. Então, o empregador deve levar esse fato em conta antes de causar qualquer dano ao empregado", disse ele. Silva Souza não vê motivos, nesse momento de mudança, para os patrões demitirem, pois os funcionários estão chegando aos seus destinos com atraso não por vontade própria, mas por um estado crítico instalado na cidade. 

"A imprensa esta noticiando e cabe a ele[empregado] reunir as matérias publicados sobre o assunto e provar que o atraso não foi por sua culpa. Agora na próxima semana, o trabalhador terá que se adaptar à nova realidade do Rio de Janeiro e sair mais cedo de casa para evitar os atrasos. Por enquanto, as pessoas ainda estão se adaptando, procurando os pontos de ônibus e cronometrando o tempo dos engarrafamentos. É hora do bom senso prevalecer entre as partes; empregador, não tomando posturas rígidas, e empregado, que não deve aproveitar a situação para atrasar desnecessariamente", disse o jurista.  

O vice-presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, Raimundo Ferreira Filho, adotou uma campanha de conscientização da categoria e dos patrões para enfrentar a nova realidade no trânsito da cidade. A entidade está distribuindo panfletos nos centro comerciais, pedindo maior paciência dos empregadores, já que o tempo de deslocamento dos trabalhadores aumentou em três ou quatro horas. 

"Estamos fazendo esse trabalho de conscientização há dois meses, desde que tomamos conhecimento das mudanças nas vias do Centro. A gente já previa o caos e os atrasos. Estamos reforçando a mensagem com as empresas concentradas no Mercado do Saara, que consideramos a área mais prejudicada com as mudanças. Estamos pedindo paciência dos empregadores nestes primeiros dias, até o trabalhador se adaptar, para evitar os descontos no salário", contou o Ferreira Filho.