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Alta temporada expõe despreparo do Rio para receber turistas

Réveillon teve problemas de organização e segurança. Filas em pontos turísticos já são vistas

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Cada vez mais, os problemas de gestão do Rio de Janeiro ficam mais evidentes. A comemoração do Réveillon em Copacabana mostrou com nitidez a falta de infraestrutura para receber turistas. Despreparo de policiais e violência, filas quilométricas em pontos turísticos, falta de organização em grandes eventos e falhas na prestação de serviços expõem as fragilidades da cidade marcada pelas suas riquezas naturais. Com a proximidade da Copa do Mundo e Olimpíadas, a curiosidade dos estrangeiros aumenta, e a cidade fica ainda mais em evidência. Apesar disso, a Prefeitura do Rio ainda se mostra despreparada para receber turistas com a excelência necessária.

Durante a festa de virada do ano, um dos eventos mais tradicionais e visados do Brasil, os problemas de organização se repetiram, como em outros anos. Assaltos, furtos e arrastões foram a marca do Réveillon, e a ação dos policiais que faziam segurança na orla de Copacabana foi criticada. Além disso, os 300 banheiros químicos disponibilizados não foram suficientes para a multidão aglomerada na praia. O tempo médio de espera foi de 40 minutos. Para completar a série de inconvenientes, um tiroteio, que deixou 12 feridos, tornou ainda mais difícil a virada de ano de turistas e moradores da cidade. Os disparos aconteceram quando policiais tentaram evitar a agressão de um marido, Adilson Rufino da Silva, contra sua mulher, em Copacabana. 

Como se não bastassem os roubos e a infraestrutura precária durante a celebração, o atendimento nas delegacias do bairro foi mais um alvo das reclamações. Lotadas de vítimas de roubos e furtos, o atendimento nas delegacias era extremamente lento e os pertences recuperados não tinham nenhum tipo de organização ou controle. Vítimas reclamaram que apenas uma atendente prestava assistência aos que tentavam realizar as ocorrências. Turistas brasileiros e internacionais condenaram o serviço prestado. Foram 144 registros de roubos e furtos na noite de Réveillon, mas o real número dos crimes é ainda maior, já que grande parte das vítimas desiste de realizar as ocorrências.

>>Turistas reclamam de furtos e despreparo da PM em Réveillon do Rio

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De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio (SESEG), ainda houve 202 casos de lesão corporal dolosa, 25 tentativas de homicídio, 64 roubos de veículos e 25 furtos de veículos. Enquanto tudo isso aconteceu, o prefeito Eduardo Paes declarou que a noite de Ano Novo em Copacabana foi um completo sucesso e que o tiroteio foi um caso isolado de violência.

>>Réveillon: Polícia registra 144 roubos e furtos e 202 casos de lesão corporal

Durante a época mais receptiva do ano, a Prefeitura parece não se preparar para receber a enorme quantidade de pessoas que chegam à cidade. Os principais pontos turísticos, como o Corcovado e o Pão de Açúcar, já estão com filas quilométricas. Nesta quinta-feira (2), no monumento do Cristo Redentor, o trem de acesso interrompeu a venda de bilhetes por volta das 13h, o que gerou uma longa fila de espera por vans e táxis. No bondinho, na Praia Vermelha, os turistas que ainda estão na cidade aproveitaram o dia de sol para conhecer o passeio. A fila de espera chegou até a Avenida Pasteur, na Urca. Muitos não conseguiram ingressos para realizar a visita aos dois pontos turísticos ou desistiram, e o clima entre os turistas era de frustração. 

Todas essas falhas de organização que os turistas encontram quando visitam a cidade têm reflexos no desempenho do turismo na cidade. De acordo com divulgação da Associação Brasileira de Indústria de Hotéis (ABIH), houve redução na ocupação de quartos de hotéis no Rio em relação ao Ano Novo do ano passado. Segundo a associação, a média de ocupação chegou a 86,15%, seis pontos percentuais a menos que no mesmo período de 2012, quando a média de ocupação chegou a 92,32%.

>> Cai ocupação de hotéis do Rio em relação ao Réveillon anterior

Em todos os bairros, os hotéis apresentaram queda de reservas. Leme e Copacabana, na zona sul, foram os que tiveram a maior taxa de ocupação, com 94,24%. No ano anterior a taxa beirou os 100%. Ipanema e Leblon apresentaram a segunda maior taxa, 91,69%, enquanto 2012 registrou 92,94%. O centro teve a maior queda: a taxa de ocupação passou de 93,6% no réveillon de 2012 para 82,9%.

O presidente da ABIH, Alfredo Lopes, aponta que os problemas estruturais e de serviço no Rio contribuem para que a cidade não aproveite todo o seu potencial turístico, ficando atrás de diversas cidades ao redor do mundo. Segundo ele, as lacunas que precisam ser preenchidas são inúmeras e afirma que falta iniciativa do governo e da Prefeitura em promover campanhas de divulgação da cidade.

“Acho que realmente tem muita coisa problemática, uma lista de coisas, que podemos ficar falando aqui para sempre. O Rio tem, sim, uma falta de estrutura absurda. O turista chega ao nosso aeroporto internacional, e é pior que rodoviária de quinta. Vai mostrar a cara para o mundo com estrutura portuária defasada, por exemplo. Na África do Sul, os aeroportos funcionavam perfeitamente. São problemas vistos logo na entrada. Falta mesmo uma ação do governo, porque a iniciativa privada não tem capacidade de divulgar. É preciso investimento e campanha”, exige Alfredo.

O jornal espanhol El País fez reportagem neste mês apontando o despreparo da cidade carioca no setor turístico. A publicação comenta o "fenômeno paradoxal" que os turistas encontram ao conhecer a cidade: o principal destino do Brasil, da América Latina e do hemisfério Sul "não está devidamente preparado para receber turistas". Em reportagem intitulada Rio: ame ou deixe, o jornal aponta que o Rio provoca “reações extremas”, já que possui sofisticação natural, mas sofre com a ineficiência dos serviços. 

Segundo a matéria, o Rio tem "sorte" de ser um dos locais mais belos do planeta, característica que sustenta seu sucesso no segmento de turismo. Se dependesses da organização e estrutura, a cidade "provavelmente não estaria no ranking dos locais mais visitados do mundo". A gritante desigualdade social também é citada, já que apenas atravessando o túnel Rebouças, há a oportunidade de verificar as diferenças entre a zona norte e a zona sul.

>>'El País' critica serviços e diz que Rio não está preparado para turistas

Apesar de reconhecer que as deficiências da cidade contribuem de forma negativa na performance turística do Rio, Alfredo Lopes minimiza a adversidade apontada no levantamento da ABIH. O presidente da associação afirma que é necessário repensar a divulgação do Rio no exterior, especialmente em países asiáticos e africanos, responsáveis por uma parcela muito pequena dos turistas na cidade.

 “Esse número não indica que tivemos uma redução de turistas, mas sim redução de ocupação. Isso porque o aumento da oferta de estadia foi muito grande: crescimento de hotéis, imóveis por temporada, hostels, albergues, inclusive dentro de comunidades pacificadas. O mercado nacional foi responsável por essa ocupação, com 72%. Turistas internacionais foram 28% do total, e é aí que a cidade precisa crescer. Fora que a gente têm os turistas de países como a China, que a gente não vê muito. É preciso aumentar a nossa divulgação nesses países, colocando o produto na prateleira”, finaliza.

*Do programa de estágio do Jornal do Brasil