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Hospital Curupaiti sofre de abandono crônico

Destinado a portadores de hanseníase, falta água, luz e esgoto no instituto estadual em Jacarepaguá

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Entulho e lixo infestam os corredores. Banheiros sem portas, em péssimo estado de conservação e limpeza, são usados como copa por alguns moradores, que fazem suas refeições em bancadas cheias de poeira. A carência de infraestrutura e manutenção estão entre as principais reivindicações dos moradores, além do urgente tratamento do esgoto nas imediações do hospital.

Esta é a atual situação do Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária, mais conhecido como Hospital Curupaiti, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, destinado aos portadores de hanseníase. Graças a seu estado de isolamento, parcialmente rompido depois que os índios da Aldeia Maracanã se mudaram provisoriamente para lá na última sexta-feira (20), o estado de abandono a que foi relegado o hospital começou a saltar aos olhos.

Rita de Cássia Ferreira Barboza mora na comunidade há 39 anos. Chamada carinhosamente por todos de Mãe Rita, ela conta que teve de ir morar no Curupaiti “por obrigação do governo”. E por residir tanto tempo no local, onde trabalhou 15 anos no setor de fisioterapia, ela acompanhou a chegada e o adensamento populacional dos que ali estão. Eles são doentes já curados, familiares e ex-funcionários já aposentados que habitam os 10 pavilhões do hospital e chegam a cerca de 2,5 mil pessoas. Isto além de 700 pacientes tratados ambulatorialmente.

Os problemas não são poucos, como aponta Rita. Entre outros, falta d' água, de luz e de saneamento básico. Embora já tenham sido feitas algumas reformas, a situação ainda deixa muito a desejar. E em alguns casos, os moradores tiram dinheiro do próprio bolso para consertar quartos, banheiros, cozinhas e até comprar remédios.

Na manhã do último domingo (24), a equipe do Jornal do Brasil teve acesso ao Pavilhão Jesuíno de Alburquerque, considerado pelos moradores o que está em pior estado, com pessoas se alimentando nos banheiros. Rita diz que os funcionários do hospital alegam falta de verbas. "Com muita luta, conseguimos reformar o abrigo dos idosos. Precisamos também de ginecologistas", acrescenta. 

"Os problemas no primeiro andar, por exemplo, podem se refletir nos demais. Nem tudo é financeiro, há também questões emocionais. Acho que o serviço social poderia vir e falar com eles. Há pessoas que se afundam na bebida e nas drogas", denuncia. Segundo ela, as pessoas têm condições de se sustentar. A maioria recebe dinheiro do INPS e aposentadoria. "Às vezes a falta de aproximação do serviço social complica a situação", enfatiza Mãe Rita. 

Um dos poucos moradores com uma condição financeira melhor, Ronaldo, com aparentes 50 anos e também ex-paciente, vive em Curuipaiti desde 1996. Reclama da precariedade do serviço social e da falta de médicos para fazer cirurgias. "Sou portador de uma perna mecânica, diabético e hipertenso. Geralmente informam que não há os remédios que uso, portanto preciso comprar ou então receber doações", argumenta.  

“Já vencemos o preconceito e as dificuldades do dia a dia, mas e as que enfrentamos aqui? Mesmo se quiséssemos fazer uma reforma, não temos poder aquisitivo. Não temos condição de construir e reconstruir um pavilhão desse onde moramos. E ainda por cima fiquei isolada da minha filha, da minha família”, reclama Rita, emocionada.

Política de segregação social se encerrou em 1962

O local, adquirido pela União em abril de 1922, tem 130 mil m² e foi erguido como uma pequena comunidade, longe dos centros urbanos. Em 1923, vigorava o Regulamento Sanitário, que pregava como prevenção o isolamento dos doentes, em casa ou no hospital. Acreditava-se que assim o contágio seria evitado. Competia ao Estado dar recursos para a internação de pessoas. 

Porém, esta política era preconceituosa e, embora oferecesse tratamento, havia o estigma e o medo da população. A luta dos pacientes para reaver seu direito de cidadania e reintegração social começou nesta época e, em muitos casos, continua até hoje.

Oficialmente, estas medidas de segregação social foram suspensas com o decreto nº 968, de 7 de maio de 1962. Na prática, no entanto, só ocorreram em 1967. Em 1986, durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde, houve a Reforma Sanitária. Com ela as colônias se tornaram hospitais gerais e de dermatologia, como o de Curupaiti. 

Ajuda vem de esforços, doações e acordos

Segundo Artur Custódio, coordenador Nacional do Morhan (Movimento de reintegração das pessoas atingidas pela Hanseníase), há 33 antigas colônias no país e algumas estão em estado de abandono. “A maioria delas se manteve mesmo após a chegada da cura da doença, por volta dos anos 40. Deveria ter sido o fim dessa política de segregação compulsória, mas Getúlio Vargas tinha um monte de colônias para inaugurar e assim o fez, até por conta de pressão da sociedade e como campanha política”, ele explica.

Segundo Custódio, em 1953 houve uma recomendação mundial por parte da ILA (International Leprosy Association) para acabar com as colônias e com o isolamento. Naquele momento, porém, nenhum país seguiu a advertência. Na década de 70, a ONU aconselhou o uso de poliquimioterapia para tratar a doença e fez campanha para eliminar a expressão "lepra", substituída por hanseníase.

"A comissão de direitos humanos da ONU estabeleceu uma frente de trabalho, da qual o Morhan faz parte e visa proteger a população afetada pela doença. Com a cura, as pessoas começam a se tratar nos postos de saúde, e muitas dessas colônias foram abandonadas pelo estado. A proposta era fechar todas elas, mas aqui no Rio propusemos ao governador Sérgio Cabral criar um modelo a ser seguido em todos os estados. Ele pressupõe que os antigos pacientes e moradores permaneçam nos locais das antigas colônias", explica.

"A primeira proposta foi a questão das casas. São 300 em Curupaiti e muito mais que isso na colônia de Tavares de Macedo, em Itaboraí, onde a situação está bem pior. O Instituto de Terras e Cartografia do Rio (Iterj) entrou com a proposta para dar as casas aos que viviam nas colônias. Começamos uma série de ações para ajudar. Há três anos, em um show do cantor Ney Matogrosso - grande defensor da causa dos portadores de hanseníase -, o empresário Eike Batista resolveu nos ajudar e doou R$ 4 milhões e meio. Com essa verba, compramos um caminhão-consultório, reformamos um pavilhão em Itaboraí e outro em Curupaiti, este por R$ 700 mil reais", esclarece o coordenador.

Dívida social do estado

Custódio acredita que ações isoladas como essas não chegam a aparecer, sobretudo se as obras forem focadas em um único pavilhão. Para ele, o ideal era que as reformas pudessem acontecer ao mesmo tempo em todos os hospitais. 

Custódio comemorou a chegada dos índios a Curupaiti, que passarão a chamar a atenção de todos para o local. "O estado tem uma dívida social com essas os moradores das colônias. É ele quem dá a moradia, mas as pessoas pagam sua própria luz e água. Estamos tentando ver com a Light e a Cedae a questão de tarifa social. Há direitos e deveres para esses moradores e tudo deve ser respeitado", ele afirma.

Tanto Mãe Rita quanto Custódio comentam que há pontos positivos e negativos na administração de Curupaiti. Um exemplo disso é a construção de 40 casas pelo governo, que abrigarão as pessoas que moram nos porões dos pavilhões e as famílias que ainda dividem residências. Haverá também reformas na parte de fisioterapia, nas fachadas e telhados das moradias que já existem nas vilas. Rita informa que a fisioterapia, a alimentação, e algumas especialidades médicas também progrediram. 

Estado contesta argumentos de habitantes

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde rebate as reivindicações dos moradores, ao informar que " a unidade conta com uma equipe médica de 47 profissionais, que atendem diariamente cerca de 700 pacientes nos ambulatórios". Segundo eles, não há falta de medicamentos na unidade, e estes são distribuídos gratuitamente pela Farmácia Popular.

"Entre os serviços disponíveis no hospital estão cirurgia geral, de plástica reparadora,  urológica, vascular, de clínica médica, dermatologia, oftalmologia, ortopedia, psiquiatria, neurologia e radiologia. O Instituto dispõe também de fisioterapia, nutrição e psicologia. Os pacientes que necessitam de atendimento ginecológico são agendados pelo sistema de regulação para um dos ambulatórios da prefeitura, uma vez que, seguindo as atribuições do SUS, se trata de uma responsabilidade do município", informou a assessoria. 

Quanto ao saneamento básico , a resposta foi que obras se iniciaram em março de 2012 na área comunitária do hospital. A secretaria ainda relatou que os investimentos em infraestrutura e manutenção dos pavilhões também já tiveram início. As reformas seguem uma prioridade por locais que possuam assistência aos deficientes e idosos. Muitas das informações passadas pela secretaria, entretanto, não foram confirmadas na visita do JB ao Curupaiti.