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"Nós não existimos para ele", disse cacique, após Cabral anunciar museu do COB 

Antigo prédio do Museu do Índio será destinado à criação do museu do Comitê Olímpico Brasileiro

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Depois de desistir da demolição do antigo prédio do Museu do Índio, e propor à Aldeia Maracanã, alocada no prédio, a criação do Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou em entrevista nesta quarta-feira (20), que no imóvel será criado o museu do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). 

Além do novo museu do COB, a empresa que vencer a licitação do Maracanã, que de acordo com o Cabral será lançada em edital e publicada até a segunda-feira, 25, terá ainda a responsabilidade da criação de estacionamentos e de toda a área que envolve ainda o Parque Aquático Julio De Lamare e a pista de atletismo, Célio de Barros. 

Para o cacique da aldeia, Carlos Tukano, esta é mais uma promessa que não está sendo cumprida por Sérgio Cabral: “Eu não estou entendendo. Isso é uma surpresa pra mim. Estamos sem ação. Nós tentamos buscar um diálogo com ele, já que se prontificou a tombar o museu e, no meio da negociação, de um dia para o outro, ele muda de ideia e destina o prédio para o COB? Nós não existimos para ele. Ele está traindo as próprias palavras que disse para mim”, lamenta o cacique, que disse não ter tido nenhuma informação oficial do Governo sobre esta decisão.

“O Brasil e o mundo sabem o que ele [o governador Sérgio Cabral] fez no dia 12. Como não conseguiu nos tirar à força com camburões, está fazendo isso”, lamentou o cacique, se referindo à madrugada de 12 de janeiro, quando foram enviadas tropas de choque do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a polícia militar para invadir o local, mas não houve a invasão porque não tinham autorização judicial. Depois deste episódio, segundo o índio, o governador recuou, dizendo que iria reestruturar o antigo museu.

“Ele nos mandou uma carta com a proposta do centro indígena no mesmo dia em que nos deram dez dias para deixar o prédio, com prazo improrrogável. Nós não somos invasores. Este é o prédio que abriga a história. O governador continua negando o nosso direito de índio. Isto está nos decepcionando muito”, afirma Tukano. Na proposta enviada pelo Governo, o Centro de Referência deveria ter como finalidade, entre outras atribuições, a realização de estudos e pesquisas sobre culturas indígenas brasileiras, promoção da cultura do resgate e proteção ao ambiente e comercialização do artesanato e arte indígena.

Cacique diz que apelará para Dilma

“Só tenho uma coisa a dizer se ele não fizer o que se comprometeu, eu vou até a presidência da República. Falarei com a Dilma. Eu não vou aceitar isso fácil. Podemos até perder o prédio, mas antes eu falo com a presidente”, prometeu.

“Estamos lutando por 304 etnias e 830 mil povos, que representam milhões de pessoas. Quero conversar cara a cara com o governador e tentar entender a posição dele, pois se comprometeu com a população brasileira e indígena. Isto não é uma brincadeira. Não estou brigando nem criando polêmica, sei que ele é um pai de família, como nós somos, e um governador capaz, que já foi senador. Ele sabe do que se trata esse lugar. Estou muito triste”, queixou-se.

Palavras controversas

A assessoria do Comitê Olímpico Brasileiro afirmou que não pode confirmar oficialmente a declaração do governador Sérgio Cabral de que a ideia partiu de Nuzman, conforme alegou o governador, e que no prédio seria criado o museu do COB. Entretanto, Cabral anunciou e comemorou a criação do museu.

“O museu é uma decisão, a partir da sugestão do presidente Carlos Arthur Nuzman, que nós achamos excepcional. A concessionária vencedora do Maracanã se responsabilizará pelo restauro, recuperação e preparo do prédio e todo o conteúdo e toda a gestão ficará sob responsabilidade do Comitê Olímpico Brasileiro. É um sonho antigo. Que eu me lembre bem, antes de ganharmos os Jogos Olímpicos, o presidente Nuzman acalentava esse sonho de ter um museu olímpico. Se recuperarmos notas e matérias de jornais bem antes de 2009, já havia toda essa perspectiva de ter um museu olímpico no Rio de Janeiro. Após 2009, com 2016, é óbvio que tem tudo a ver, e é do lado Maracanã, então, é extraordinário”, disse Sérgio Cabral.

Para o defensor público federal Daniel Macedo, titular do 2º Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da DPU/RJ e responsável pelas ações relacionadas ao caso que tramitam na Justiça Federal, a ideia de transformar aquele prédio histórico em um Museu Olímpico vai de encontro ao que, desde o início, vem sendo pleiteado pela DPU e também pelas manifestações populares e instituições que apoiam a Aldeia Maracanã. Segundo Daniel, “esta é uma tentativa do Governo estadual de atrair simpatizantes ao seu projeto e, ao mesmo tempo, de desacreditar a luta dos índios da Aldeia Maracanã. O Brasil, além de sediar uma Olimpíada pela primeira vez, não tem um histórico robusto que legitime a criação de um museu de uma hora para outra. Se isso não é verdade, por que não criaram antes esse museu?”, questiona.

A Defensoria Publica da União informou que também não foi comunicada oficialmente sobre a pretensão do Governo do Estado do Rio de Janeiro. “O Governo do Rio sempre se mostrou contraditório no trato da questão. A princípio, queria demolir; depois, tombar o prédio pela importância histórica indígena; e agora quer transformá-lo em um museu com finalidade totalmente destoante da memória indígena”, comenta o defensor.

Ainda em outubro de 2012, Cabral foi oficialmente desmentido pela FIFA, quanto à afirmação de que a entidade tinha exigido a demolição do prédio. A versão de Cabral é contrária a um documento enviado pela FIFA à Defensoria Pública da União (DPU), obtido com exclusividade pelo Jornal do Brasil. No ofício, assinado por Fulvio Danilas, diretor do Escritório da FIFA no Brasil, a entidade desmente essa tese.

Meu Rio se prepara para novas ações

O coordenador de campanha do Meu Rio, Rafael Rezende, informou que a equipe do movimento tentou falar com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para tentar agilizar o tombamento do local. 

”Infelizmente é um processo muito burocrático. Nos explicaram que a ideia tem que passar pelo conselho e, além disso, só há quatro reuniões por ano a respeito. A solução que encontramos foi dar aos cariocas o telefone da presidência do COB, para todo mundo ligar para lá, e deixar um recado ao Carlos Nuzman: Ficamos feliz que ele tenha dado uma sugestão, mas pedimos que ele abra mão dela pra deixar que o governador ouça o que milhares de cariocas estão sugerindo há meses", contou Rafael.

De acordo com o defensor público Daniel Macedo “o tombamento é necessário para preservação dos fatos indígenas memoráveis que ocorreram naquele imóvel”.

“A construção de um museu olímpico vai na contramão da destinação natural que surgiria com o tombamento. Esse projeto repentino deixa claro o posicionamento do Governo de fulminar com tudo que aquele prédio representa. Qualquer tentativa de descaracterizar o patrimônio imaterial que se quer proteger será objeto de Ação Civil Pública”, concluiu Daniel.

A mobilização do Meu Rio em apoio à causa começou com uma petição endereçada à presidente Dilma, que recolheu quase 20 mil assinaturas.