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DPU diz que HGB precisa de 14 médicos para voltar a transplantar rins e fígado

Ministério da Saúde será alvo de processo por suspender transplante de rins e fígado 

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Depois de vistoriar o prédio principal do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) na manhã desta quarta-feira (6), o defensor público da União, Daniel Macedo, informou que a unidade precisa de 14 médicos - entre cirurgiões e anestesistas - para que transplantes de rins e fígado sejam retomados na unidade. O hospital é responsável por 70% dos transplantes de todo o estado. Só  no ano passado foram realizados 200 transplantes - a maior parte dos pacientes atendidos foram os doentes renais crônicos.

As instalações do prédio principal, onde localiza-se o setor de transplante de rins  e de fígado, foi classificada pelo defensor público como "de primeiro mundo". Ainda de acordo com informações de Macedo, até dezembro a unidade contava com 16 médicos atuando em transplantes. No início deste ano, no entanto, restaram apenas dois. A decisão dos médicos foi por interromper o transplante enquanto o Ministério da Saúde não disponibilizasse médicos para suprir o quadro. 

>> Transplantes são suspensos e homem perde rim depois de atraso no atendimento no HGB

"O hospital foi paralisado de forma grotesca, o que jamais poderia ter acontecido tamanha a relevância do serviço prestado no HGB. O que se faz no HGB hoje é uma carnificina, um homicídio. Outras unidades que também realizam transplantes vão ficar sobrecaregadas", disparou o defensor.

O Hospital Geral de Bonsucesso é o único em todo o estado que realiza transplante de rins e de fígado em crianças. A unidade conta com cerca de 1 mil dos 1600 pacientes que estão na fila por um transplante em todo o estado, incluindo adultos e crianças. 

O grupo de 14 médicos que deixou a unidade  - incluindo dois coordenadores de transplante- vai trabalhar no Centro de Transplante do governo do estado, cuja inauguração está prevista para o dia 18 deste mês no Hospital São Francisco de Assis, na Tijuca.

O defensor público classificou ainda como "omissão" do Ministério da Saúde a não reposição de médicos que pediram demissão ou se aposentaram nos últimos anos. "A estrutura física não é desculpa. Ou o Ministério da Saúde contrata mais médicos ou faz novo concurso público", afirmou o defensor.

Depois da vistoria, Macedo decidiu ajuizar o Ministério da Saúde. Certo de que a DPU deve enfrentar uma batalha judicial para garantir o atendimento de pelo menos 1 mil doentes crônicos, ele acredita que liminares durante o trâmite do processo podem garantir o transplante dos pacientes na rede privada pagos pelo Sistema Único de Saúde.

"Enquanto a ação é ajuizada, o SUS pode ser obrigado por liminares a pagar o tratamento dos pacientes na rede privada. O que não pode é a população ficar sem transplante e sem atendimento", destacou o defensor.

Uma manifestação foi feita na entrada do hospital na manhã desta quarta-feira (6) pedindo a volta dos transplantes. Conforme o Jornal do Brasil noticiou na última terça-feira (5) pacientes sofrem com a falta de profissionais na unidade e os transplantes foram cancelados desde dezembro. 

A suspensão atingiu diretamente 18 dos 1600 pacientes que aguardam na fila por um novo órgão. O pequeno grupo - menos de 1% dos necessitados - vivia a expectativa da cirurgia no início de 2013 o que o livraria das  sessões de hemodiálise. Nada foi comunicado a estes pacientes pela administração do hospital. A informação corre apenas pelos corredores do HGB. 

O auxiliar de produção Reginaldo Silva Corrêa, 30 anos, teve um rim completamente comprometido depois da demora no atendimento no Hospital de Bonsucesso. Ele foi submetido a uma cirurgia para a retirada de cálculos renais no final de 2011. Depois disso, já no início do ano passado, teve um catéter instalado em seu corpo - responsável por ligar o rim à bexiga.

De acordo com nefrologistas, o tempo máximo que um paciente deve ficar com um catéter deste tipo é de três meses. No entanto, com a greve na unidade no ano passado, Reginaldo teve sua cirurgia desmarcada duas vezes. Há um mês, quando retornou à unidade de saúde, descobriu que seu rim esquerdo não funciona mais. Ele credita aos problemas do hospital o prejuízo da sua saúde:

"Quando o médico me disse que o meu rim esquerdo não funcionava mais, fiquei desesperado. Porque eu estava fazendo tratamento para a retirada dos cálculos renais. Eu jamais poderia estar um ano com um catéter, sem atendimento. Os problemas do hospital prejudicam ainda mais a saúde dos pacientes. Se eu tivesse sido atendido mais rapidamente poderia ter me livrado destes problemas de rins. O hospital precisa de mais médicos o quanto antes", pede o paciente.

Transplante é adiado pela terceira vez

O cortador de couro Luiz Fernando Santos, 52 anos, teve seu transplante de rins adiado pela terceira vez. Depois de dois anos de diálise, a descoberta de um doador compatível era para ser um acontecimento alegre, não fosse a falta de médicos da unidade que impede o transplante. A primeira cirurgia foi marcada para o início de dezembro do ano passado. Para a surpresa do paciente, ela acabou adiada por duas vezes por falta de profissionais. A maior carência, segundo funcionários da unidade, é por anestesistas e cirurgiões vasculares. 

"Eu já tenho um doador de rim e não aguento mais esperar a data de uma nova cirurgia. Já desmarcaram comigo três vezes. Eu tenho direito de ter uma vida normal. A diálise é angustiante, não aguento mais. A cada sessão, me sinto pior. Não tenho disposição para nada e sinto um forte enjôo e cansaço. Quero uma vida nova o quanto antes. Para isso, preciso ser transplantado", reclama o morador de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Ele aguarda a quarta marcação de sua cirurgia.

Rede pública não acompanha captação

Em 2012 o Hospital de Bonsucesso realizou 133 transplantes de rim e 68 de fígado. Devido ao crescimento na captação de órgãos no estado do Rio de Janeiro, mais 70 rins doados no estado foram repassados para outros estados do país, beneficiando pacientes inscritos no Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde.

Enquanto a doação de órgãos cresce no Rio - saltou de quatro para 15 doadores por milhão de habitantes - a rede pública parece andar na contramão do avanço. Os 3,8 milhões repassados anualmente pelo Ministério à unidade de saúde parecem insuficientes para atender às necessidades. Hoje o Rio de Janeiro tem uma necessidade de 1600 transplantes. A maior parte trata-se de casos de doentes renais - 1100. 

Como aponta o vice-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Lucio Pacheco, o orçamento limitado do HGB e a falta de médicos impossibilitam as cirurgias. Pacheco é ex-coordenador do Transplante de Fígado do hospital federal. 

"Muitos médicos se aposentam e não são repostos pelo Ministério da Saúde. Além disso, os salários fora da rede pública são muito convidativos. Os profissionais encontram empregos onde conseguem ganhar o dobro do salário oferecido pelo Ministério", explica Pacheco. "Também há grande déficit de anestesistas. Não havia estrutura no HGB para continuar os transplantes. O que aconteceu foi que chegamos no nosso limite. Por isso, acabou. Chegamos no limite do amadorismo. O Rio precisa de uma política de transplantes mais eficiente, como já acontece em Porto Alegre e São Paulo".

Conforme revela o médico, o principal entrave para a realização de transplantes é que há um impedimento legal para pagar por fora a um profissional cuja especialidade esteja em falta na unidade de saúde.

"É ilegal que o hospital custeie a contratação de profissionais que esteja em falta para compor a equipe e evitar que a cirurgia seja desmarcada. Já tivemos problemas com o Ministério Público por conta disso e não há o que fazer. A lei existe para ser cumprida. O atual modelo de gestão deste e de outros hospitais é engessado". 

A solução, para o ex-coordenador de transplante de fígado do HGB, é seguir o modelo já adotado pela Santa Casa de Porto Alegre e pelo Hospital do Rim e Hipertensão - o maior centro de transplantes do mundo. Os dois maiores pólos de transplantes do Brasil trabalham com Organizações Sociais (OSs), o que permite o pagamento dos profissionais por produtividade. Isto é, por cirurgia realizada.