ASSINE
search button

Governo acena só com aluguel social para Aldeia Maracanã

Não foi oferecida alternativa aos índios na reunião desta terça com secretário de Assistência Social

Compartilhar

O semblante cabisbaixo dos índios da Aldeia Maracanã na Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, nesta terça-feira (15), transmitia o resultado da reunião com o secretário Zaqueu Teixeira. Eles foram chamados hoje para negociar uma alternativa em relação à demolição do antigo prédio do Museu do Índio e a realocação dos habitantes, mas não houve desfecho. Pelo contrário, apesar do diálogo, o secretário frisou que a negociação não será obstáculo para a derrubada do prédio, e que o governo não tem em mente um novo local para eles. 

"Vamos fazer uma proposta para que os índios avaliem. O governo não tem local em mente (para realocá-los). Faremos uma proposta o quanto antes que possa garantir que a cultura indígena seja preservada no estado do Rio", afirmou Zaque Teixeira. 

A Secretaria ofereceu o pagamento de aluguel social e, a pedido dos indígenas, apresentará uma proposta por escrito de um novo local em que possam ficar. A data, porém, não foi definida. Ao falar com jornalistas, Teixeira ainda aventou a possibilidade de se criar um centro de referência da cultura indígena.

"Temos proposta da Assistência Social que é de ter o aluguel social, um espaço de moradia depois, um depósito e transporte (para os objetos pessoais). Além disso, percebo a necessidade de algo que venha a atendê-los culturalmente. Acredito que com a proposta de um centro de referência indígena vamos conseguir atender ao desejo e à manutenção da cultura indígena, e garantir o caso da saída imediata", disse Teixeira.

Índios negam proposta de centro de referência

No entanto, esta proposta foi negada pelos índios. Segundo Araão Silveira, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Indígenas e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, "ele não disse isso":

"Pedimos essa proposta por escrito para ser discutida no coletivo. Na reunião, não foi colocado nenhum detalhe, não se definiu nada. Ele simplesmente disse que essa negociação não interrompe os atos de remoção do Estado, que já está sendo providenciada independente desta negociação".

De acordo com ele, o secretário deixou claro que a remoção é uma "decisão de governo". Frisou também que o oferecimento de aluguel social, entre outros, já um serviço automático prestado pelo Secretaria.

"Deboche" e limpeza étnica   

Nesta terça-feira, em entrevista a jornalistas, o governador Sérgio Cabral disse que se referir ao local como uma aldeia é "deboche". Interpelado sobre o assunto, Araão destacou que "quem disse isso também foi a Maria Helena Cisne, presidente do TRF2, na decisão que cassou as liminares que protegiam a Aldeia Maracanã. Disse que não pode ter indígena ali porque atrapalha o projeto econômico. Já dissemos no CNJ que isso é discriminação, limpeza étnica". 

"Pode aquela imoralidade do Maracanã com o pessoal do guardanapo, com o Cavendish, mas não pode o indígena ali. Existe uma articulação do poder econômico com os gestores públicos. Só estamos pedindo para vender artesanato em um processo econômico muito importante dessa população. Pela Constituição, é dever do governo defender a população", completou, referindo-se às imagens que flagraram o governador e diversos secretários com o ex-dono da Delta Construções em Paris.

Resoluções restritas

Presente no local como observador, o membro do Conselho de Ética da Presidência da República Antônio Modesto da Silveira, alertou para o excesso de restrições e privacidade nas decisões tomadas sobre o Museu do Índio. "Não fui mandando, mas é meu dever observar onde haja violação ética. Estou atento e muito preocupado porque está havendo resoluções muito fechadas, restritas, nas quais nem os advogados da Aldeia puderam entrar. Essa questão mexe não só com a ética, mas viola a lei, a Constituição", ponderou Modesto. 

Ele disse que somente quatro caciques, das 17 etnias da Aldeia, puderam entrar na reunião com o governo, e apenas um advogado dos índios pôde participar. Alertou, com isso, para a falta de transparência no processo:  

"Creio que se o estado tivesse tanta certeza do seu direito não precisaria fazer reunião com quatro indígenas das 17 etnias da Aldeia e somente um advogado. Estão conosco os representantes do próprio governo e da secretaria, mas não pudemos estar na reunião. Nem na coletiva de imprensa com o secretário. Aqui, está aberta a todos. Os caciques que estiveram lá, estiveram com 10 ou mais pessoas", destacou o membro da Comissão de Ética da Presidência.

Auxílio-oca

O defensor público federal Daniel Macedo classificou a proposta do governo como uma “imposição”. Ele disse que a Defensoria já interpôs um recurso para tentar cassar a decisão da presidente do TRF2 perante o plenário do Tribunal, que se reunirá para tentar decidir sobre assunto.

“Como vai se dar um "auxílio oca", um aluguel social para um índio que tem uma relação intrínseca com a terra? Isso não viável”, questionou Macedo. “A pergunta é: o que fazer com 23 famílias que estão ali? Vai oferecer um aluguel social, vai oferecer o programa Minha Casa, Minha Vida? Isso é incompatível com eles”.

Segundo ele, o episódio de sábado (12), quando o batalhão de Choque da PM ficou de prontidão no local por horas e teve de se retirar porque não tinha ordem judicial para retirar os indígenas, arranhou a imagem do governo e, por isso, a reunião desta terça-feira foi convocada. "

O defensor explicou que o governo precisa ajuizar uma ação própria de imissão de posse. Sem ela, não pode ingressar na posse e promover a demolição do prédio. "Isso significa que o estado tomou uma atitude arbitrária no último sábado. Não fosse a Defensoria Pública, o batalhão de choque entraria lá e haveria uma carnificina. Esta é a segunda vergonha que o governo do estado passa. A primeira foi afirmar que a FIFA era a favor da demolição, e a entidade se posicionou contra".