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Secretário admite aumento de 30% nos casos de tuberculose no Rio 

A incidência da doença na Rocinha reflete o aumento de casos na capital do estado

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Em pleno século XXI, há um aumento da ordem de 30% no número dos casos de tuberculose na cidade do Rio de Janeiro, como admitiu o próprio secretário municipal de Saúde e Defesa Civil, Hans Dohmann. A secretaria, contudo, evita dar números de atendimentos e tenta omitir o problema apresentando os registros da taxa de cura que obtém. Ela apresenta queda: foi de 72,10% em 2010; caiu para 71,90% em 2011; e este ano, segundo dados do secretário Dohmann, anda pela faixa dos 53,70%. Ou seja, a cura diminuiu em quase 20 pontos percentuais. Mas o secretário diz, otimistamente, que chegará aos índices de 2011.

O problema, segundo lembra a vereadora Andrea Gouvêa Vieira, que questionou Dohmann em audiência pública na Câmara dos Vereadores, no dia 22 de outubro, exacerba-se na Rocinha por conta das péssimas condições de vida dos moradores. “Na Rocinha, há o foco principal da doença e no Caju, o segundo maior foco. O perigo da tuberculose e o fato de todos ali estarem em risco é muito pouco percebido na Rocinha. Há falta de ventilação, muita umidade, péssimas condições sanitárias, enfim, qualidades propícias para a disseminação da tuberculose”, explica Andrea, atualmente licenciada do PSDB e em final de mandato.

>> Epidemia de tuberculose no bairro da Rocinha preocupa as autoridades  

Ela ainda critica as autoridades municipais por esconderem o assunto: “Gastou-se um dinheirão para propagandear as clínicas da família e não se gastou um tostão para mostrar à população a gravidade da tuberculose, como se tratar, onde procurar ajuda, entre outras orientações. É preciso divulgar esses números para a população, porque um aumento de 30% é muita coisa”, alerta a vereadora.

A secretaria Municipal de Saúde admite que a Rocinha ainda possui umas das maiores incidências de tuberculose no município, mas diz que ela está em terceiro lugar depois dos bairros Bangu (primeiro colocado) e Campo Grande (em segundo lugar). Até 2010, a favela liderava o índice de infestação não apenas no estado, mas em todo o país, atingindo a marca de 300 casos de tuberculose para cada 100 mil habitantes.

Um óbito na favela

Apesar de as autoridades dizerem que a Rocinha vem apresentando queda do número de doentes, conforme o Jornal do Brasil adiantou na semana passada, é na favela que o Ministério da Saúde espalhou outdoors e cartazes alertando à população: “Tuberculose: Tosse por mais de três semanas é sinal de alerta. Procure uma unidade de saúde".

A secretaria admite que ali ocorreu uma morte, sem fornecer detalhes. Segundo informou a colunista Anna Ramalho, trata-se de uma menina de 14 anos, filha do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, que se encontra preso.

A assessoria da secretaria informa também que, de janeiro a junho deste ano, nas três unidades municipais de saúde da Rocinha, CMS Albert Sabin, Clínica da Família Maria do Socorro Sousa e Silva e Clínica da Família Rinaldo De Lamare, registraram-se 160 casos de tuberculose, dos quais 93 foram considerados curados, 48 permanecem em tratamento nestas unidades e outros 19 estão sendo atendidos em outros locais. De acordo com os dados oficiais, em 2010 o total de casos no bairro foi de 355 e, em 2011, de 261. 

Aumento dos casos

Na audiência, segundo explicou Andrea, Dohmann “comemorou” o índice de cura, dizendo que ele chegará a 75% este ano e mantendo uma meta de 82% para 2013. “É importante as pessoas terem ciência de que a incidência nos últimos quatro anos na cidade caiu de 97,5 em cada 100 mil pessoas para 73,9 nas mesmas 100 mil pessoas. Uma redução de 24% em função da prevenção. Agora se faz o diagnóstico. Nós já devemos fechar esse ano com uma taxa de cura acima dos anos anteriores. A previsão é de que seja perto dos 75%. Por isso, mantemos a previsão de 82 para o ano que vem”, frisou o secretário na audiência pública.

Mas, quando Andrea questionou-o diretamente se havia ou não aumentado o número de doentes na cidade, a resposta foi direta: “Aumentou em 30%”. Replicando a informação a vereadora agradeceu a franqueza do secretário: “Aumentou em 30%. Obrigada”.

Pouca informação

Apesar dos avisos espalhados pelas ruas e vielas da maior favela da Zona Sul do Rio – 69 mil habitantes distribuídos em 25 mil domicílios, pelos dados do censo de 2010 do IBGE, ou cerca de 180 mil pessoas, segundo as associações de moradores - depara-se facilmente com quem confessa sequer saber da existência da doença na região.

“Nunca ouvi falar nisso aqui na Rocinha não. Moro na altura do número 407, da Estrada da Gávea, mas o que acontece é que o bairro é muito grande. Pode ser que aqui não tenha, mas que em outra área exista. Não dá para saber”, contou o morador, que preferiu não se identificar. 

Outros, porém, admitem até conhecer quem sofreu com o problema. Há mais de 30 anos na comunidade, o casal Antônio Carlos e Leuda Carlos tem parentes que foram acometidos pela doença. “Nossa sobrinha, de 35 anos, teve tuberculose há uns dois anos. Ela quase morreu. Descobriu muito tarde e já estava com água no pulmão, que tiveram de furar para retirar. Ela foi encaminhada pela clínica de saúde da Rocinha imediatamente para a Santa Casa, no Castelo, onde ficou internada por 15 dias”.

Eles não escondem que a questão é conhecida na região: “Essa é uma situação terrível aqui no bairro. Qualquer pessoa que você parar aqui na Rocinha tem, já deve ter tido tuberculose ou, pelo menos, conhece alguém que teve ou tem”, afirmaram.

Maria, que preferiu omitir o sobrenome, contou que foi UPA do bairro na sexta-feira passada (9) e, ao se queixar de coceira na garganta e tosse, que ela acredita ser apenas uma alergia, foi orientada ao fazer o exame de escarro. “Eu fui à UPA na sexta-feira, não tinha médico e nem vaga para marcar consulta. Fui atendida pela enfermeira da unidade que mal me ouviu e já me pediu que fizesse o exame de escarro. Não confio em enfermeira. Como eu ia fazer exame de escarro, se nem secreção eu tenho. Ela disse que aqui (Rocinha) está tendo muito casos de tuberculose e que era bom que eu fizesse o exame, mas não fiz e nem vou fazer”, explicou.