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Epidemia de tuberculose no bairro da Rocinha preocupa as autoridades  

Secretaria Municipal de Saúde informa que houve redução, mas minimiza surto da doença

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Quem transita pelas ruas e vielas da Rocinha, a maior favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, depara-se com enormes outdoors alertando: "Tuberculose: Tosse por mais de três semanas é sinal de alerta. Procure uma unidade de saúde".

Os cartazes, com a assinatura do Ministério da Saúde alertam para um problema que vem sendo tratado sem maiores alardes. Como informou a coluna de Anna Ramalho, no Jornal do Brasil, "a Rocinha está sofrendo um surto de tuberculose. Dias atrás, morreu uma menina de 14 anos, filha de uma das mulheres do bandido Nem".

As autoridades que o JB ouviu não negam o surto, mas escondem os dados. A Secretaria de Saúde, por exemplo, evita falar em quantos moradores da Rocinha foram atendidos nos últimos meses com a doença. Prefere, com razão, propagandear que nos últimos quatro anos a incidência de tuberculose no município caiu de 97,5 para 73,9 doentes por 100 mil pessoas infectadas, uma redução de 24%. A cidade, que ocupava o último lugar entre as capitais, avançou cinco posições no tratamento da tuberculose.

As autoridades afirmam ainda que atualmente a Rocinha é tida como referência da implantação da estratégia de tratamento contra a tuberculose adotada no município. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, a taxa de cura no bairro hoje é de 84%, resultado associado à ampliação da cobertura de Saúde da Família na região que, de acordo com a Secretaria, é de 100%. 

Acompanhamento de perto

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, todos os casos notificados são tratados por agentes de saúde que utilizam o modelo DOTS, sigla em inglês para Tratamento Diretamente Observado, no qual o profissional de saúde acompanha cada dose do medicamento que é tomada pelo paciente, evitando abandono da medicação quando os sintomas desaparecem.

Mas, nada se comenta sobre os outros 16% de infectados que, pelas estatísticas, não alcançaram a cura. Tampouco indicam em que proporção estão ocorrendo os casos de tuberculose dentro da Rocinha, uma comunidade que pelos dados do Censo de 2010 do IBGE abriga 69 mil habitantes distribuídos em 25 mil domicílios. Já os moradores falam em 180 mil pessoas aglomeradas naquelas ruas, becos e vielas.

Outdoors de campanha de prevenção contra a doença estão espalhados pela favela, demonstrando, pelo menos, uma preocupação que não se repete em outras áreas - nem mesmo comunidades carentes - da cidade.

Más condições ajudam à propagação

O que os órgãos oficiais de saúde reconhecem por suas assessorias é que as más condições de moradias da Rocinha – que ainda não receberam as transformações do Programa de Aceleração do Crescimento – afetam a saúde de quem mora no local, prejudicando a erradicação da tuberculose e colaborando com a disseminação das doenças respiratórias.  

Casas e porões sem janelas, com pouca iluminação, quase nenhuma ventilação e falta de saneamento básico são ambientes propícios para que o portador da doença a retransmita para outra pessoa. É o que acontece no bairro da Rocinha, local que, em 2010, liderava o estado na incidência da doença, chegando a atingir a marca de 300 casos de tuberculose para cada 100 mil habitantes.

O vice-presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), José Fernandes Pereira, conhecido como “Xavante”, diz que daria nota oito ao programa de atendimento da Clínica da Família do bairro, mas reconhece que ainda há indícios da doença. 

“Na área do valão e do lagão há muitos casos de tuberculose. Existem muitas casas sem nenhuma ventilação, umas emparedadas nas outras que, por serem ambientes fechados, colaboram com a transmissão da tuberculose. A condição das casas onde a população da Rocinha em geral mora é muito ruim. Muitos residem em porões e residências precárias, devido ao crescimento desordenado do bairro, o que não ajuda em nada no combate à doença”, contou Xavante.

Moradias do PAC para infectados

Um dos responsáveis pelo atendimento da Associação de Moradores e Amigos do Bairro Barcelos (AMABB), que preferiu não se identificar, contou que antes das obras do PAC de 2010 já havia o surto da doença: “Abriram uma rua onde tinha um beco que possuía várias casas coladas umas nas outras, sem janela nem nada. Lá era o local que tinha mais moradores com tuberculose, mas essa abertura, embora tenha organizado a região, ainda não foi o suficiente para resolver o problema da doença”, disse ele.

Em 21 de dezembro de 2010, 144 famílias receberam moradias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Comunidades. A distribuição das casas foi feita por sorteio, mas contemplou moradores de áreas de risco e da Rua 4, uma das principais entradas da comunidade, que segundo o representante da AMABB continha o maior índice de tuberculose no bairro. Com as obras, as antigas casas foram removidas e a rua passou de 60 centímetros de largura para até 12 metros, permitindo mais entrada de luz solar, circulação de ar, carros e pessoas que moram na área.

Ainda de acordo com o membro da associação “vários agentes de saúde da Rocinha vão de casa em casa fazer o cadastramento dos moradores do bairro e, por vezes, acabam identificando algum portador da doença, fazendo o encaminhamento para a clínica”, informou.

Xavante diz que o atendimento da Clínica da Família “tem lá as suas dificuldades”, mas que sua esperança está nas novas obras do PAC, para que favoreça outros moradores do local. “Eu espero que as obras do PAC colaborem mais ainda com a redução da transmissão da tuberculose. O atendimento da Clínica da Família tem lá as suas dificuldades, porque mesmo que se dediquem, não há como resolver um problema de muitos anos em pouco tempo”, finalizou. 

Questionado sobre a morte da menor de 14 anos por problemas com a doença, Xavante não confirmou o fato: "Eu desconheço essa informação”, respondeu.