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População de rua participa de ação da Defensoria e cobra direitos básicos

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Oriundos de diversas regiões do país, com vínculos familiares completamente destruídos, sem profissão e tampouco documentos. Um grande grupo de moradores de rua tomou conta de parte da Praça Floriano, na Cinelândia, no Centro do Rio, na noite da última quarta-feira (19). O motivo da reunião não era a distribuição de sopa, que costumeiramente aglomera a população de rua por aquelas bandas, mas sim a busca por assessoria jurídica da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

As demandas dos moradores de rua eram das mais variadas: desde a busca para obter documentos gratuitamente até a procura por endereços de fornecimento de remédios, atendimento médico e encaminhamento para abrigos da Prefeitura. Grande parte dos moradores não tem sequer registro de nascimento, o documento mais trivial, que serve para comprovar a existência de qualquer pessoa. 

A poucos dias de completar 37 anos, o vendedor de balas Sebastião Luiz da Silva deixou a Cinelândia feliz da vida. Conseguiu levar um ofício de busca cartorária (documento que servirá para a emissão do registro de nascimento). Apesar de desconhecer o nome do documento, sabia que levava debaixo do braço a oportunidade de arranjar um emprego de carteira assinada. Seu sonho da vida inteira.

"Com esse papel eu vou poder tirar o meu registro (de nascimento) e depois minha identidade e CPF. Já tenho um emprego engatilhado, só não tinha documentos. Sempre vendi bala, porque nunca consegui um emprego de carteira assinada. Mas, agora, um novo caminho se abre. Vou ser contratado como trocador de ônibus e trabalhar para conseguir a minha casa própria", comemorou o morador de rua, que divide uma marquise com outros oito colegas em Marechal Hermes, no subúrbio do Rio, desde que é criança. 

Sebastião vive na rua desde os 9 anos, come e toma banho todos os dias nas dependências de uma obra social daquela região. A saída de casa deu-se depois de diversos conflitos familiares provocados pelo alcoolismo e agressão dos pais. "Cansei de apanhar. Preferi a rua", diz.   

Nascida em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Nelci Pereira, 51 anos, transformou uma esquina da Avenida Paulo de Frontin, no Rio Comprido, em seu lar nos últimos cinco anos. Seu comparecimento no plantão da Defensoria deu-se por um motivo muito específico: 

"Quero uma casa para morar, oras!", disparou para um dos defensores. "Já tenho todos os meus documentos, me inscrevi no Minha casa, Minha Vida faz tempo. Nestes sorteios da Prefeitura meu nome nunca aparece. Vocês não podem fazer nada?", questionou a desempregada, aconselhada a ir para um abrigo da Prefeitura. 

"Tô fora de maus tratos de abrigos", respondeu ela, que carrega três malas com tudo o que possui. "Vivo na rua porque perdi o emprego, não tenho como mais como pagar aluguel. Ninguém quer dar emprego para uma cinquentona". 

Mãe de seis filhos e aguardando o nascimento de um casal gêmeos, Jaqueline Moreira Duarte, 31 anos, vive na rua desde que nasceu. Filha de um casal de sem-teto, ela também busca trabalho formal. "Assim que eu tiver os meus filhos, vou procurar emprego. Para isso preciso da carteira de trabalho", diz a vendedora de balas do calçadão de Campo Grande (Zona Oeste do Rio), cheia de cicatrizes no rosto, que ela não revela como foram provocadas. 

"Querer ter uma casa acho que é pedir demais. Não sei se um dia eu vou conseguir. Só quero um emprego para ganhar melhor. Eu e o meu marido vendemos balas e está brabo. Não dá nem para comer. A gente ganha só R$ 20 por dia - R$ 10 meu e R$ 10 dele", diz a mulher que tem pavor de fotografias e e sustenta seis filhos com menos de R$ 600 mensais.

Membro do Movimento Nacional da População de Rua e ex-morador de rua, Maciel Souza dos Santos, 47 anos, acompanha alguns conhecidos que precisam emitir documentos e faz um alerta:

"Tem um problema grave aqui. Uma coisa me parece muito errada. Há moradores de rua que perdem parte dos seus pertences, incluindo documentos, quando estão fugindo do Choque de Ordem. Aliás, essa história de choque de ordem é o maior absurdo que já se viu. Quando pegam o mendigo numa ação dessas, não perguntam se o camarada sente fome ou quer tomar um banho. O primeiro passo é levar para a delegacia e verificar se o cara deve alguma coisa à Justiça", acusa. "Ninguém quer resolver o problema da pobreza neste país não", critica o nordestino.