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Há 10 meses, juíza não se manifesta sobre falhas do acolhimento compulsório

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Há dez meses a Defensoria Pública do Rio de Janeiro propôs uma ação civil pública na qual contesta a legalidade da internação compulsória de crianças e jovens dependentes químicos e pede que o tratamento dos mesmos seja feito na rede pública de saúde, sem o repasse para ONGs credenciadas pela Prefeitura. Em todo este tempo, porém, a juíza titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Ivone Caetano, não tomou uma decisão sobre o assunto. O processo tramita lentamente na Vara, sem qualquer sentença. 

A demora transformou a magistrada em alvo de críticas não apenas da Defensoria Pública, mas também de membros da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Em relatório elaborado em conjunto por integrantes dos conselhos de Psicologia e Assistência Social do Rio de Janeiro, além de membros da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, constatou-se irregularidades no tratamento das crianças que estão compulsoriamente em abrigos. Entre as violações destacadas está a mesma prescrição médica para todos os internos, nem sempre feito por um médico responsável. A medida contraria a legislação, já que uma enfermeira voluntária é quem se encarregava da medicação.

Em outubro do ano passado, o Jornal do Brasil flagrou diversas irregularidades em dois abrigos -  a Casa Ser Criança e o abrigo Bezerra de Menezes, ambos administrados pela ONG Tesloo, em Pedra de Guaratiba (Zona Oeste do Rio de Janeiro). Além de rachaduras e infiltrações, a reportagem do JB localizou diversos remédios controlados vencidos há mais de 1 ano sendo ministrados (como na foto ao lado).

Autora da ação civil pública encaminhada à 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, a defensora Eufrásia de Souza pede a criação de novos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD). Hoje, no Estado do  Rio só há três unidades deste tipo as quais, teoricamente, atendem a toda a Região Metropolitana.

"O tratamento para usuários de drogas deve ser individual. Não dá para termos uma mesma receita para todas as crianças que estão em abrigos. A questão da droga é uma questão de saúde. Estamos pedindo avaliação médica antes da internação destas crianças e jovens. Só não dá para entender porque a juíza Ivone Caetano demora tanto para nos responder", criticou a defensora. "Por que não tratar estas crianças em unidades de saúde? Levar crianças dependentes químicas para abrigos que não estão capacitados para realizar atendimentos médicos não está correto. É absurdo", completou.  

Titular da 12ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Rio de Janeiro, a promotora Clissanger Ferreira Gonçalves defende que o processo de acolhimento compulsório ainda está em fase de estruturação.

"Desde o início dos anos 2000, o MP vem brigando para que hajam unidades para tratamento específico de crianças e adolescentes usuárias de drogas. Só em 2004 conseguiu-se a implantação destes abrigos. Reconhecemos que há falhas e estamos acompanhando. A medida está em fase de estruturação", ponderou. "Agora é a hora de corrigir absurdos, reconhecemos. Antes do acolhimento compulsório não havia nenhuma estrutura para o acolhimento e tratamento dos menores usuários", apontou Clissanger.

Questionada sobre a demora em responder à ação civil pública, a juíza Ivone Caetano disse desconhecer as denúncias da Defensoria. O que intriga é o fato dos problemas estarem listados na ação, que segundo mo próprio site do Tribunal de Justiça está "concconsta em seu gabinete.

"Já estou cansada deste assunto. Quando essas crianças estão na sargeta ninguém pergunta se tem médico para atendê-las ou se a comida e as acomodações são boas ou ruins. É melhor estar num abrigo desses do que na rua", limitou-se. 

Ao ser lembrada das acusações de  violações dos direitos humanos que ocorrem nos abrigos, a magistrada rebateu fazendo uma comparação com o que ocorre nas ruas, considerando que "qualquer coisa é melhor":

"Já estive em muitas cracolândias e nestes lugares é que há violações dos direitos das crianças e dos jovens. Qualquer coisa é melhor do que permitir que alguém viva num reduto de drogadição", disse. 

Entenda o caso

Em 2004, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi condenada a oferecer no prazo de até 30 dias "serviço de saúde especializado, em regime de internação, com o mínimo de 18 leitos, para desintoxicação e/ou tratamento de crianças e adolescentes dependentes de entorpecentes ou drogas afins dotando o referido serviço de equipamentos e profissionais capacitados".

>> Leia o acórdão da decisão judicial

A determinação foi motivada por ação civil pública do Ministério Público do Rio de Janeiro em 2002. Desde então, a Secretaria Municipal de Assistência Social realiza operações de acolhimento de crianças e adolescentes usuárias de crack.

Segundo estimativa da Secretaria, há cerca de 600 crianças usuárias de crack nas ruas do Rio. Outras 170 seguem em cinco abrigos da cidade.