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Em 2000, dom Eugenio saiu da Cúria no mesmo Fusca que o trouxe ao Rio em 71

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A foto de dom Eugenio saindo de seu fusquinha azul de 1969, na Praia de Ipanema, publicada pelo Jornal do Brasil em 8 de novembro de 2000, logo após aposentar-se como arcebispo do Rio e se tornar cardeal emérito, revela toda a humildade do cardeal nascido em Natal (RN). Em entrevista aos repórteres Fritz Utzeri e Leneide Duarte, dom Eugenio confessou a paixão pelo carro.

"Esse carro me dá saudade da Bahia, quiseram muito que eu vendesse, mas resisti, dizendo que precisava ter um carro de reserva. Eu usei muito esse carro, a ponto de alguns amigos levarem-no para uma garagem para que eu não o usasse"

>> Corpo de Dom Eugenio é sepultado nesta tarde

O carro que veio da Bahia, em 1971, foi vendido há quatro anos (2008) após muita insistência do irmão de dom Eugenio, dom Heitor de Araujo Sales, bispo em Natal.

Até vende-lo, era o próprio cardeal emérito quem fazia os - frequentes - consertos mecânicos no veículo pelo qual sempre dedicou muito carinho. O mesmo tratamento que dedicava ao povo, como lembrou a entrevista de 12 anos atrás.

Para o cardeal "era muito mais urgente e importante investir na causa humanitária do que construir uma igreja de pedra", como explicou, em outra reportagem de novembro de 2000, o jornalista Borges Neto, que no JB era encarregado de fazer a cobertura da Cúria Metropolitana. O texto sobre o aniversário de 80 anos de dom Eugenio Sales conta a história do cardeal que ficou órfão de pai aos 14 anos. Borges Neto lembra que o filho de dona Josefa de Araujo Sales decidiu começar os estudos eclesiásticos aos 17 anos, após o convívio com religiosos, que teve no colégio Marista.

De Natal, ele foi enviado para o Seminário da Prainha, em Fortaleza. Em seis anos, voltou à capital potiguar para ser sacerdote, com 23 anos. Foi lá que o seu trabalho social começou: onde dom Eugenio passava pelas ruas em estado de abandono para ajudar quem precisasse. 

A matéria apresenta um padre que desde o início falava que não veio "para ser servido, mas para servir". Desta forma, o cardeal lembra que sempre cuidou de seus pertences, como roupas e cama, e andava de ônibus para economizar. Daí surgiu a insígnia de dom Eugênio Sales o versículo de São Paulo "Impedam et superimpendar", - "Eu me darei todo e me darei ainda mais para a tua salvação" -, que esteve escrita em cada atitude do cardeal durante sua vida.

Para isso, procurava ouvir não apenas os católicos mas também especialistas de diversas áreas com intuito de aprender para liderar. Foi assim que ele fundou em 1948 o Serviço de Assistência Rural e Centros Sociais da Comunidade, como revelou Borges Neto. As instituições surgiriam para prestar não só assistência religiosa como também social. Depois disso, o trabalho de dom Eugênio deslanchou com a criação de um Centro de Treinamento de Líderes do Nordeste, escolas-ambulatório, creches, patronatos para menores carentes, a criação da Emissora de Educação Rural, criação e fortalecimento de sindicatos, entre outros. "Estava aí o embrião das Comunidades Eclesiásticas de Base, a respeito das quais, no entanto, o próprio dom Eugenio faria restrições mais tarde.

Conhecido entre os amigos por ser metódico, a matéria publicada há 12 anos pelo JB destaca este lado de dom Eugênio, que não tinha receio nem de mandar parar as obras de construção da Catedral de Natal. Como explicou o texto, "para o jovem prelado, era muito mais urgente e importante investir na causa humanitária do que construir uma igreja de pedra". O cardeal ressaltava, desde jovem, que era mais importante as obras de misericórdia. 

Ele inovou, tornando-se pioneiro, em diversas causas. Uma delas, narrou a reportagem, foi ser o primeiro religioso a confiar paróquias, onde não havia padre, aos cuidados de freiras.

O querer o bem ao próximo era tão grande quanto a evolução de sua carreira na Igreja Católica. Ainda com 34 anos, o padre foi nomeado bispo-auxiliar de Natal pelo papa Pio XII. Em 1969, dom Eugenio foi elevado ao cardilanato durante o pontificado do papa Paulo VI. Como cardeal participou de dois conclaves, ajudando na escolha dos papas João Paulo I e João Paulo II.

Um padre a frente do seu tempo, no ano de 2000, aos 80 anos, dom Eugenio Sales já entendia que a Igreja teria que enfrentar uma opinião pública contaminada por valores que ele condenava. Considerava que estavam dando mais ênfase aos "prazeres sexuais e financeiros". Para ele, isto "destrói os valores que constroem a felicidade do homem na Terra". Desde então já defendia o ensino religioso nas escolas e considerava a violência um "efeito de uma falta de princípios e valores."