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O dia em que Dom Eugênio falou pela primeira vez sobre o refúgio a exilados

Em entrevista histórica ao JB, em 2000, ele admitiu que apoiou refugiados das ditaduras do Cone Sul 

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Quando ainda estudava na Faculdade de Ciências Médicas da UEG (hoje UERJ) e militava no movimento estudantil, soube que Dom Eugênio interviera para informar à família de um preso político, até então desaparecido, que o rapaz estava em poder dos militares e sua localização. Na ocasião não soube o nome do preso, mas registrei o fato. Como ainda não era jornalista o assunto morreu em minha memória.

Em várias ocasiões, primeiro em O Globo e depois no JB, editei e titulei os artigos de D. Eugênio que saiam aos sábados nos dois jornais. Eram geralmente artigos fortemente institucionais e Dom Eugênio fez-me saber que gostava de meus títulos.

Em 2000, de volta ao JB, e ocupando a Diretoria da Redação, tive alguns contatos com o assessor de imprensa do Cardeal, Adionel Carlos. Lembrei-me do que ouvira na faculdade (já se haviam passado quase 30 anos) e perguntei-lhe a respeito. Ele confirmou, mas disse que o Cardeal não gostava de falar nesse assunto e que era quase impossível que me desse uma entrevista.

Insisti e pedi um encontro com Dom Eugênio e consegui convencê-lo a abrir a sua história. A matéria saiu publicada no JB em 25 de maio de 2000, um domingo, sob o título “Rua da Glória 446, a esperança” e contava com detalhes a ação do cardeal em favor dos perseguidos políticos do Brasil e do Cone Sul. A Arquidiocese, por seu intermédio, ajudou diretamente cerca de cinco mil perseguidos e presos políticos. Dom Eugênio chegou a ter  80 apartamentos alugados e locais da Igreja no Rio para esconder esses fugitivos antes de pô-los a salvo.

Questionado sobre a diferença que existia entre ele o Dom Paulo Evaristo Arns, D. Eugênio confidenciou que os dois trabalhavam de maneira complementar, Dom Paulo fazia o atacado em público e ele – através de seus contatos com os militares – o varejo, nos bastidores. Mas isso não impediu que o palácio São Joaquim fosse invadido por um policial argentino que se infiltrara com os refugiados.

A matéria gerou grande surpresa, pois Dom Eugênio era percebido pela opinião publica com um bispo conservador, alheio à política e, num certo sentido, afinado com os militares no poder, o que não era verdade e, como repórter, fico satisfeito de ter-lhe feito justiça.