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Moradores de Santa Teresa homenageiam vítimas de acidente com bonde

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Centenas de pessoas foram às ruas de Santa Teresa, no Centro do Rio, neste domingo, para realizar  uma manifestação em solidariedade aos parentes e amigos das vítimas do acidente com os tradicionais bondes do bairro. No dia 27 de agosto, seis pessoas morreram e outras 57 ficaram feridas após um dos veículos descarrilar e tombar. 

O ato, organizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), em parceria com a Associação de Amigos e Moradores de Santa Teresa (Amast), começou por volta das 11h. Reunidos no Largo do Curvelo, músicos, políticos e representantes de diversas religiões transmitiram mensagens de conforto aos que perderam entes queridos na tragédia. 

"A vida é um bem precioso. Quando um indivíduo perde um parente ou um amigo, passa por um período de muita dor. É necessário acompanhamento para poder superar o trauma e seguir em frente. Mesmo que não conheçamos as vítimas, sabemos que a solidariedade é essencial", disse o professor e sacerdote budista Antônio Rocha, que, coincidentemente, reside no bairro há 40 anos. 

Também presente, o babalawo Ivanir dos Santos destacou a importância da união de religiões. "Que isso sirva como uma lição para a sociedade, que muitas vezes não aceita a existência de diferentes verdades. A pluralidade e a diversidade são essenciais para a convivência humana e para o pleno exercício da democracia. Isso é de Deus", afirmou. 

Após a cerimônia, o grupo seguiu em cortejo até o local onde ocorreu o acidente e depositou flores em homenagem aos mortos. A caminhada foi embalada por instrumentistas do bloco Céu na Terra e por outros artistas locais, que cantaram músicas populares como 'Canção da América' , 'Tristeza' e 'Bandeira Branca'. Os trilhos por onde circulam os bondes foram pintados com tinta vermelha para simbolizar o sangue das vítimas. 

O jornalista Ricardo Rubim, cunhado da professora Andreia de Jesus Resende, que, em 2009,  morreu atropelada por um ônibus após saltar de um bonde que havia perdido o freio, acompanhava toda a movimentação em silêncio. Consternado, ele falou sobre o ocorrido.

"Meu irmão tentou salvá-la, mas não conseguiu. Ele teve depressão e minha mãe ficou extremamente abalada. Pensávamos que ele poderia ter ido também. Ninguém se conformou. Como se não bastasse, outras seis vidas se perdem agora", contou.  

Objetivos

Coordenadora do protesto, a representante da Amast Nilce Azevedo afirmou que o objetivo da ação é manter a pressão sobre o Governo do Estado para que todas as reivindicações sejam atendidas. Ela explicou ainda que o evento foi marcado para o dia 11 de setembro, quando se completam dez anos dos atentados às torres do World Trade Center, em Nova York, devido ao caráter simbólico da data.

"É um momento de grande reflexão sobre o valor da vida, com ampla repercussão internacional. Queremos que o nosso bondinho, que tem a imagem amplamente utilizada na divulgação do Brasil no exterior, como nas campanhas para receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, receba a atenção que merece", disse.

Nilce falou ainda sobre as exigências dos moradores. As principais são o pagamento de indenizações às famílias das vítimas, a exoneração imediata do secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, e o prosseguimento do inquérito sobre sua possível responsabilidade criminal no episódio.

"Também queremos que a prefeitura disponibilize agentes da CET-RIO para controlar o trânsito. Sem os bondes, carros e motos estão correndo como alucinados pelo bairro, colocando, assim, a vida de pedestres em risco. Além disso, é preciso criar um esquema especial de ônibus, com preços mais baratos em determinados horários, para suprir a ausência dos bondes", cobrou.

O vereador Paulo Messina (PV), um dos responsáveis pela elaboração de um relatório que apontava a precariedade dos bondes de Santa Teresa, também defende punições severas a Lopes. Segundo ele, o documento, publicado no Diário Oficial da Câmara em fevereiro deste ano, alertava para a necessidade urgente de manutenção dos veículos. Faltariam peças nas oficinas e a situação dos trilhos e da rede elétrica seria deficitária.

"Os bondes antigos já deveriam ter sido reformados, mas foram transformados em VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), que não são capazes de atender às necessidades do bairro. Dos 14 que circulavam inicialmente, apenas quatro voltaram a funcionar. Com a escassez de transporte na região, os bondes passaram a operar superlotados", afirmou o vereador, que ainda apontou falhas no projeto dos VLTs.

"Foram projetados em uma pista plana, não podem circular em vias sinuosas. Além disso , a rede elétrica local não é capaz de suportar o funcionamento simultâneo de todos os VLTs. Ela simplesmente desarmaria", explicou.

Secretaria de Transportes pode ser multada por descaso

A Secretaria Estadual de Transportes pode sofrer multa de R$ 50 mil caso não comprove ao Ministério Público Estadual até segunda-feira que modernizou os 14 bondes de Santa Teresa. O Estado vai ter que provar que cumpriu decisão que ordena a reforma de 14 bondes, de duas estações, da fiação aérea que levava energia aos veículos e do gradil da Lapa. 

A decisão é uma liminar de 2009 da 3ª Vara de Fazenda Pública. Caso seja descumprida, o governo do Estado terá que pagar R$ 50 mil por dia. Na última segunda-feira (29), funcionários revelaram em depoimento na 7ª DP (Santa Teresa) que, dos cinco bondes que circulavam por Santa Teresa, apenas três estavam regulares.

O procurador-geral do Estado, Cláudio Lopes, informou que o secretário de Transportes, Júlio Lopes, será chamado para prestar depoimento. Ele pode ser indiciado por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, se for comprovado que tenha alguma responsabilidade pelo incidente.

Defensoria Pública oferece assistência

Em reunião com parentes das vítimas do acidente com o bonde de Santa Tereza e com representantes da Amast, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro se comprometeu a oferecer assistência jurídica aos afetados pela tragédia.  

Segundo o defensor Nilson Bruno Filho, os núcleos da Fazenda Pública e Defesa dos Direitos Humanos serão incumbidos de representá-los na defesa de seus interesses. Além dos pedidos de indenizações, a necessidade de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para o funcionamento dos bondes também foi debatida. 

Uma nova reunião para discutir o caso está marcada para a próxima segunda-feira.

Carlos Caroni - [email protected]