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Em Santa Cruz, tosse, coceira e falta de ar por causa de usina

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 Estresse, tosse, coceira e falta de ar. Estas são algumas das queixas dos moradores de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, que compareceram, nesta terça-feira, a uma audiência pública na Assembleia Legislativa do estado (Alerj) para debater o impacto das atividades da usina da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) na região.

No encontro, ficou definido apenas que o Instituto Estadual de Ambiente (Inea) e a CSA deverão enviar à Alerj um documento com as respostas aos questionamentos feitos pela população. A deputada estadual Lucinha (PSDB), presidente da Comissão Especial criada para debater a questão, pediu ainda a realização de uma nova audiência, com a presença do secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc. A data ainda não foi marcada.

Segundo os moradores, as atividades da usina têm provocado uma série de transtornos. Além dos danos à saúde, alguns dizem estar sendo prejudicados financeiramente. A empresa, por sua vez, admite que há situações a serem corrigidas, mas afirma possuir um laudo atestando que as partículas provenientes da usina não são prejudiciais à saúde.

Moradores reclamam

Presente à reunião, a copeira Vera Lúcia Sabino, 55 anos, disse que sua vida se transformou em um “verdadeiro horror”. Ela conta que, após o início das operações da companhia no bairro, passou a sofrer de problemas respiratórios.

“Preciso beber água a todo o momento. Sinto o meu nariz e garganta bastante ressecados, fora a coceira. As crianças também estão sofrendo muito. O meu bisneto já ficou doente e outros pequenos também. Além disso, temos que limpar a casa o tempo inteiro por causa da sujeira. Não dá pra continuar assim”, queixou-se.

O engenheiro e produtor rural Otávio Miyata acusa a CSA de ter desviado o curso do Canal São Fernando para desaguar no Rio Guandu, o que estaria causando enchentes constantes e afetando a produção agrícola local. Segundo ele, cerca de 20 famílias de agricultores estariam sendo prejudicadas.

“As plantações foram comprometidas. O aipim é uma cultura bastante sensível à água. A umidade diminui a sua qualidade e, muitas vezes, chega a apodrecê-lo. Nós temos um sistema automático de drenagem e o seu acionamento passou a ser cada vez mais constante. A maioria, porém, não tem o equipamento e está passando por dificuldades”, disse

Diretor admite "incômodo"

O diretor de sustentabilidade da CSA, Luiz Cláudio Castro, afirma que todas as discussões com os órgãos ambientais estão sendo realizadas. Segundo ele, a empresa monitora a saúde da população que vive próximo à usina e realiza debates para que a questão seja discutida da maneira mais transparente possível. Sobre as queixas, ele preferiu minimizar.

“Não negamos o incômodo. Estamos no processo de instalação de um grande complexo e, nesta fase, ajustes são necessários. O desvio no canal foi feito pela prefeitura, ainda na década de 90, mas não representa risco. Os alagamentos são favorecidos pelo relevo da região e pela falta de limpeza nos rios. Atuaremos junto à Rio-Águas para resolver”, disse Castro, que afirmou estar absolutamente tranquilo quanto à saúde dos moradores.

“Temos uma análise química que comprova que o particulado é tão inócuo quanto a poeira caseira. Pode causar alergias, mas não é nada sério. De todo modo, estamos trabalhando desde o ano passado para minimizar os transtornos. As nossas emissões já estão dentro do padrão e serão reduzidas completamente", garantiu Castro, sem dar prazos.

Pesquisadores: normas são pouco rígidas

O padrão nacional, porém, é contestado por especialistas. O relatório da Escola Nacional de Saúde Publica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre a situação alega que “os valores atuais para os gases poluidores e material particulado (MP) definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS ) estão bem abaixo dos atuais valores brasileiros”.

O documento informa ainda que houve aumento no número de atendimentos hospitalares à população que vive no entorno da fábrica e sugere que estas pessoas sejam acompanhadas por pelo menos 20 anos a partir do fim`da exposição à fuligem. Foram registrados casos de pacientes com sintomas respiratórios, como falta de ar, tosse e sinusite, coceiras e transtornos psicológicos, causados pela alteração da rotina. 

Segundo Alexandre Pessoa Dias, engenheiro ambiental da Fiocruz, as crianças e os idosos são os mais suscetíveis às doenças. “As partículas causam uma série de efeitos graves à saúde. Contêm componentes altamente alergizantes, que podem causar problemas dermatológicos e oftalmológicos severos”, afirmou.

Marcelo Firpo Porto, também pesquisador da Fiocruz, acrescenta que a exposição às substâncias aumenta a chance de desenvolvimento de câncer.

“Além dos compostos orgânicos, há emissão de benzeno, que é extremamente cancerígeno. É inadmissível que um país como o Brasil ainda obrigue os seus cidadãos a viverem sob tais condições”, lamentou.

O caso

Em agosto e dezembro de 2010, emissões das chamadas “nuvens de prata” - fuligem metálica nociva à saúde - provenientes da usina foram registradas em Santa Cruz. A empresa foi multada em R$ 3,6 milhões e obrigada a investir na construção de unidades de saúde na região.

No último dia 10, o secretário estadual do Meio Ambiente do Rio, Carlos Minc, anunciou que a companhia deveria interromper as obras de ampliação do complexo até que os problemas fossem resolvidos. Ele ainda informou que a CSA poderia ter sua licença cassada se não cumprisse as exigências, que incluem a construção de uma cobertura para um poço de emergência.

Dez dias depois, porém, o Inea autorizou o prosseguimento das obras. Segundo o órgão, a permissão foi concedida após a CSA ter se comprometido a instalar um equipamento para queimar os poluentes emitidos e um sistema de monitoramento da qualidade do ar.