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Comunidade Dona Marta debate uso das câmeras de segurança

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João Pequeno, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Ao contrário da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Dona Marta, primeira a ser inaugurada, em dezembro do ano passado, as nove câmeras instaladas pela Polícia Militar em setembro na comunidade de Botafogo, já causam reações adversas na Associação de Moradores e nas ONGs que atuam na favela. As queixas são de quebra de privacidade e motivaram a marcação de uma reunião para a próxima terça-feira, dia 13, quando o assunto será abordado. Alguns moradores reclamam de não terem sido consultados sobre o big brother da PM.

Alheia ao movimento das entidades, porém, a maioria dos moradores ouvidos na tarde desta terça-feira pelo Jornal do Brasil afirmou ter sentido pouca ou nenhuma diferença após a instalação das câmeras. Alguns nem mesmo sabiam de sua existência.

A própria ladeira onde fica a Associação de Moradores da Santa Marta não é enquadrada pelas câmeras em diversos pontos, como a Praça da União, com as escadas passando por um corredor estreito, escuro e apertado.

Ali, o comerciante José Ribeiro, de 68 anos, há 38 no morro, afirma que só ouviu falar das câmeras.

Nunca vi e, para mim, não muda nada, porque elas não filmam aqui.

Num bar ao lado, o entregador Alex de Jesus, de 20 anos, também afirma não se preocupar com sua privacidade.

O que eu não faria na frente da câmera, já faço em outro lugar, não no meio da rua.

Já o professor de box tailandês da associação de moradores, Alex Basílio, 25, acha que elas invadem a privacidade dos cerca de 10 mil moradores da favela mesmo nas ladeiras que vão da Rua Rua Marechal Francisco de Moura, no asfalto de Botafogo, ao alto do morro, onde fica a UPP.

A gente não fica à vontade de passar no caminho até altas horas sendo vigiados por um olhar eletrônico conta, na entrada da associação, onde está afixado o cartaz com o dizeres Big Brother Santa Marta a espiada que não vale um milhão . A gente não precisa de câmera, estamos seguros aqui, como estávamos mesmo na época do tráfico (antes da instalação da UPP). Isso é segregação com os moradores de comunidade.

Crítica à rotação

Integrante do grupo Eco, ONG fundada há 32 anos no local e uma das organizadoras da reunião de terça, Simone Lopes desconfia que as câmeras captem a vida das pessoas dentro das casas.

A geografia do Santa Marta favorece essa exibição, e as câmeras giram 360 graus. Além disso, a comunidade não foi consultada, o que é outro problema comentou, afirmando que os policiais da UPP foram chamados ao debate.

Diversos comerciantes e moradores ficaram surpresos, porém, diante de perguntas sobre as nove câmeras no morro.

Que câmera? vários responderam.

Polícia nega a quebra de privacidade e cita outras áreas

É a capitã Pricilla da UPP! grita um garoto de cerca de 10 anos, fingindo, de brincadeira, que vai botar ordem na pelada disputada pelos amigos na quadra de grama sintética ao lado da unidade policial.

Ele se refere à oficial Pricilla de Oliveira Azevedo, comandante da UPP, popularizada ao ponto de viajar a Copenhague, na Dinamarca, como representante da área de segurança do Rio de Janeiro na candidatura vitoriosa a sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Antes de deixar a UPP, nesta terça, ela negou que houvesse qualquer problema com as câmeras e ainda brincou servindo de carrinho humano para um menino de 4 anos da comunidade.

Segundo a Secretaria de Segurança do Estado, a instalação da câmeras segue a mesma lógica em toda a cidade.

Locais monitorados são sigilosos para evitar a ação de vândalos. É expressamente proibido focalizar, filmar, gravar ou sequer direcionar câmeras de segurança para ambiente privado. Todas, em toda a cidade, só atuam em áreas públicas. Para se ter uma idéia, se um crime for cometido dentro de uma residência, mesmo na janela, as câmeras da PM não estarão vigiando , diz a nota da secretaria.

Um policial conta que alguns usuários de drogas já foram flagrados pelas câmeras, mas nenhum traficante.

Agora, quem gosta, vai comprar na (Ladeira dos) Tabajaras (entre Botafogo e Copacabana) e traz pra fumar aqui. São levados para a 10ªDP (Botafogo), mas ainda não houve nada além disso afirma.

Se as crianças, naturalmente menos precavidas, fazem referências diretas à polícia, o mesmo é mais difícil por parte dos adultos da favela, quase sempre cautelosos, seja para falar bem ou mal.

A auxiliar de limpeza Catarina Barbosa, de 49 anos, diz que agora tá mais calmo , mas pondera que o morro sempre foi tranquilo .

Outra moradora diz que um policial da UPP a agrediu verbalmente porque ela reclamou dele ter chutado seu cachorro.

Um dos poucos a falar abertamente, o auxiliar de serviços gerais Bezerra Souza, 55 anos, não titubeia em dizer que o morro ficou muito melhor após a UPP.

Antes, dormia incomodado com o barulho dos tiros ou mesmo do movimento em si. Depois, nunca mais teve isso, é melhor.

Cheiro de esgoto e faltam de luz agridem

A UPP fica em cima, o valão passa por baixo. A favela Santa Marta segue com problemas para além da segurança, como a falta de iluminação em alguns pontos.

De que adiantam câmeras quando a rua está às escuras? pergunta o professor de música Pierre Ávila, de 46 anos.

Morador da Santa Marta há até quatro anos, ele se mudou para o asfalto de Botafogo, mas continua dando aulas no morro, através da ONG Atitude Social.

A maior queixa de Pierre é em relação à utilização de equipamentos como a quadra chamada de Arena, do lado esquerdo do morro, a despeito de diversos refletores, segundo ele, sempre apagados há cerca de cinco meses.

Além da falta de iluminação, a sobreposição de casas torna o morro muito escuro e fica difícil para os moradores, que deixam as luzes de suas casas acesas para quem chega do trabalho ter luz no caminho, já a partir das 17h30 conta Pierre

Aluno de Pierre, o estudante Ronaldo da Silva Martins, de 16 anos, mora em Itaboraí (Região Metropolitana), mas frequenta o morro onde o pai vive e onde ele aprende baixo, mas não joga mais futebol na Arena.

Antes, a quadra vivia cheia; depois que a luz falhou ninguém mais se arrisca conta.

De acordo com a Secretaria Municipal de Obras, um projeto de iluminação especial para o Santa Marta está em fase de licitação.

Na casa da doméstica Rosana Rosa, o problema é o fedor do valão que passa bem embaixo.

Quando chove, a água entra nas casas. A minha não chega a ser inundada, mas fica ruim de sair e o cheiro, todos os dias, é terrível.

Segundo a Empresa de Obras Públicas (Emop), responsável pelo saneamento do morro, já existe canalização de esgoto e os valões são ligações clandestinas, que devem ser fechadas com a remoção de 90 barracos em situação de risco do alto da favela para 64 novas casas.