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'Barebacker' diz que continua a se relacionar com quem o contaminou

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Vagner Fernandes, Jornal do Brasil

RIO - Geógrafo e cientista social, com duas pós-graduações, R.H., 31 anos, descobriu o prazer por meio do barebacking há quatro anos. Desde então, participa com freqüência de festas em que homens praticam sexo com homens sem preservativo.

Ele conta que contraiu o vírus HIV em uma dessas reuniões, explica por que faz sexo inseguro e ressalta que não se sente culpado por onerar os cofres públicos em decorrência da irresponsabilidade da prática.

Que motivos o levaram ao barebacking?

Primeiro por ser um fetiche. Segundo, e mais importante, porque é muito melhor, mais prazeroso. O sexo sem camisinha é mais gostoso.

Mas o que você tem contra ao uso do preservativo?

A camisinha é uma m..., interromper a relação para colocar a camisinha é uma m... Ela aperta, não é confortável, deixa o p... feio. Eu não gosto.

Como fica sua família nessa situação?

Meus pais sabem que sou gay, mas não soropositivo. Pretendo ocultar ao máximo. Sou temporão. Eles têm idade avançada. Meu pai é médico. Sou de uma família de médicos.

Você tem, então, todos os recursos informativos que poderiam levá-lo a evitar a prática do bareback?

Sim. E a grande maioria dos barebackers é bem formada e informada. Militei em ONG gay e distribuía preservativos. Houve uma situação interessante numa dessas ações. Fui entregar uma camisinha e a pessoa me respondeu: Não uso . Minha libido se alterou na hora. As pessoas estão cansando de usar o preservativo. E não são necessariamente barebackers. No Rio, sobretudo, está assim.

Há uso de drogas nessas festas?

Poppers (uma espécie de lança-perfume), pó (cocaína), bala (ecstasy) e todas as drogas envolvidas no sexo levam a uma sensação de liberdade. Então, quem usa não vai lançar mão de camisinha, que limita o prazer delas.

Você só pratica sexo com soropositivos? Ou também com HIV negativos?

Isso nunca foi uma preocupação para mim. Sou positivo há cinco meses. Nos últimos três anos, praticava sexo inseguro com mais freqüência. Acho até que demorou muito. Paguei para ver e não me arrependo. Comecei a buscar mais e mais, consciente dos riscos. Até mesmo perder o namorado.

Você tinha namorado e continuava no bare? Ele sabia?

Não, embora desconfiasse. Mas a gente fazia sexo com preservativo. Quando descobri, contei para ele. Terminamos a relação. Ele sabia que eu transava com outros e aceitava. Mas desconhecia de que forma isso se dava. O conceito de fidelidade para nós estava relacionado a outro nível de confiança que não exclusivamente o sexual.

O barebacking não pode ser uma fantasia apenas, algo isolado?

Não, quem pratica quer mais e mais. Não há médico, jornalista, antropólogo, líder religioso que consiga me convencer do contrário. Isso é um risco. Mas é assim que funciona. E ponto.

Você busca o prazer acima de qualquer coisa...

O sexo é prioridade. Não digo que está acima de qualquer coisa, mas não sei o que poderia estar.

Você teme a morte?

Tenho mais medo de outras coisas. Da solidão, das pessoas se afastarem de mim por causa da doença. Meu namorado ma abandonou por causa disso. Fiquei mal, eu o amava.

Mas você procurou isso, não?

Sim. Pensei em parar. Mas o bare é mais forte do que eu.

Se encontrar um parceiro que lhe peça uma relação sem camisinha, como reagirá?

Vou revelar que sou soropositivo. Se ele continuar desejando... Isso nunca aconteceu. Hoje em dia prefiro os positivos.

O sucesso do programa de combate à Aids no Brasil influencia?

Claro. Há alguns anos se morria em pouco tempo. Hoje não.

Não é um egoísmo irresponsável? Você não pensa que será um ônus para o governo?

Fico mais preocupado com as pessoas que gostam de mim e que não desejariam ver meu sofrimento. Com relação aos gastos do governo, nunca passou pela minha cabeça. Ele ajuda mais a uma mulher cujo marido transou com uma prostituta ou com outro homem e acabou contaminando-a. Há uma série de direitos constitucionais que me são vetados porque sou gay. Não estou nem aí para o fato de ser um ônus para o governo.

Quanto à pessoa que o infectou, você contou para ela? Continua a encontrá-la?

Sim. Transei com ele nesse fim de semana. E sem camisinha.

Qual a sua expectativa em relação ao futuro?

Espero durar mais um pouco, não adoecer enquanto meus pais estiverem vivos. Espero encontrar alguém para amar, porque deixei de acreditar nessa possibilidade desde o término do meu namoro. Só chorei por causa da descoberta depois que revelei a ele e o namoro acabou.

Você desejava ser infectado?

Nunca pensei dessa forma. Sempre fiz exames regularmente. Mas, como demorou muito, achei que poderia acontecer algum dia. Hoje me sinto, de certa forma, aliviado. Agora, quando quero, fico 48 horas transando e pronto. Meus últimos fins de semana têm sido frenéticos.

Você não acha que isso poderia passar com tempo, que seria algo da idade?

Pelo que vejo, não. E, cada vez mais, observo jovens de 18, 20 anos fazendo isso. E com drogas na cabeça. Como disse, já usei, e ainda uso eventualmente, algumas coisas, como pó, bala, GHB (o ecstasy líquido), poppers, key (Special K, produzido a partir de um anestésico veterinário para animais de grande porte).

Há um que nunca usei: o crystal meth (derivado da heroína). Mas por falta de oportunidade. No Rio, o pó é muito usado. Há pessoas que não usam nada no bare, mas a maioria não dispensa.

O poppers, por exemplo, dão um tesão absurdo. Todo mundo gosta por causa disso. É a droga gay. E mesmo quem não faz barebacking quando usa a droga acaba transando sem preservativo, porque ficam loucos. Foge ao controle.