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Diretor do Museu da República sai em defesa do Instituto Brasileiro de Museus

Divulgação -
Museólogo Mário Chagas
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O museólogo Mário Chagas, carioca de 62 anos, se considera um dos pais do processo coletivo que deu origem ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), criado pela lei 11.906/09, durante a gestão do ministro da Cultura Gilberto Gil, na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como os cerca de 400 funcionários que trabalham na autarquia responsável pela política nacional de museus, é difícil para Chagas compreender a criação da Agência Brasileira de Museus, pela medida provisória nº 850, de cima para baixo, a apenas três meses do fim de um dos governos mais impopulares dos últimos tempos. Com formação em Museologia, mestrado em Memória e doutorado em Ciências Sociais, o atual diretor do Museu da República, professor de Museologia da Unirio e presidente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (Minom), não sabe se houve consultas ao Ibram sobre a criação da Abram nem sobre a extinção do primeiro. Sua única certeza é a de que a maior diferença entre a troca do “I” pelo “A” está no tempo e na gestação de cada um dos órgãos governamentais: “O Ibram nasceu de um projeto coletivo, amplamente discutido com a sociedade brasileira”.

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Museólogo Mário Chagas (Foto: Divulgação)

Em que circunstâncias foi criado o Ibram?

Ele nasceu de uma demanda antiga, que já existia desde 1980, por um órgão que reunisse os museus federais. Durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura foi possível atender aquela demanda represada. O resultado foi um trabalho coletivo, amplamente debatido, com mobilização estudantil, dos professores e técnicos, que até hoje sensibiliza as pessoas. Eu me considero um dos pais dessa paternidade e maternidade coletiva. Não fosse o corpo e a voz de Gil, porém, não teríamos conseguido. Foi, portanto, uma instituição criada com muita mobilização na defesa do patrimônio cultural brasileiro, que envolveu ainda a participação de Portugal, Espanha e França, muitas pessoas se manifestaram a favor. O impacto foi tão grande que o Ibram serviu de referência para outros países, a exemplo do programa Íbero-América, que envolve a península ibérica e outros 24 países, inclusive da América Latina. Até hoje o Brasil é uma forte referência por conta do trabalho com nossos museus, principalmente para a Argentina e o Chile.

Qual o trabalho desenvolvido pelo Ibram?

No passado havia o Fundo Nacional Pró-Memória, que se fundiu ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). Em 2003, eu trabalhava no Iphan, e o ministro Gil criou o Departamento de Museus, no Iphan. Havia um esforço para criar um órgão na estrutura central que agregasse e fizesse interlocução com os 30 museus federais ligados ao Iphan. Foi quando teve início a construção da Política Nacional de Museus, a PNM, como era carinhosamente chamada pelos estudantes. Essa política não se voltou apenas aos 30 museus federais, fomentou a modernização e criação de novos museus, criou prêmios para estimular a mídia, como o Prêmio Mário Pedrosa, e outros prêmios para a Educação. A partir dessa política, foi criado o programa Pontos de Memória, que trabalha com comunidades populares e com a valorização da memória, que permitiu a criação do Museu de Favela, no Cantagalo, Pavão e Pavãozinho, na Zona Sul, que ainda funciona. Foram centenas de pontos de memória espalhados pela cidade. Semana passada, nos dias 7, 8 e 9 de setembro, aconteceu a Teia de Memórias da Região Sudeste, um encontro de todos os pontos de memória e de pessoas que trabalham com comunidades e obras sociais. Tudo isso no escopo da politica nacional de museus. Foram feitos editais variados, além de outro importante programa de educação museal, com a valorização e com orientações gerais para trabalho educativo desenvolvido nos museus, para que fossem executadas práticas educativas, até hoje com muito vigor. Os Pontos de Memória e a Educação Museal foram programas marcantes. A criação do Ibram, que é uma costela do Iphan, foi aprovada por lei. 

De que forma o instituto é complementar ao que faz o Iphan?

O Iphan cuida de todo patrimônio cultural de referência nacional material ou imaterial, cuida do tombamento e da proteção dos acervos materiais, desde a arquitetura até os bens imateriais. Temos cidades inteiras tombadas, como Paraty e Ouro Preto. Já o Ibram é um olhar especial para o que chamamos de processos museais, focado nos museus.

Que tipo de responsabilidade poderia ser atribuída ao Ibram em relação ao incêndio do Museu Nacional?

Estão no escopo de atenção do Ibram todos os museus do país, públicos ou privados. O Museu Nacional está no campo de interesse do Ibram, ainda que seja ligado a uma universidade. Ele tem tanta atenção para o caso do Museu Nacional que antes do incêndio foi realizado o seminário sobre os 200 anos da instituição, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), do qual participei, de 1º a 5 de agosto. Foi organizado pelo Ibram em parceria com o Museu Nacional. Se alguém dissesse que o Museu Nacional deveria ser transferido para o Ibram, eu diria que não, salvo se houvesse um profundo debate nacional. A universidade tem autonomia para tocar o museu como deve ser feito.

Como classicaria a importância do Museu Nacional para o país?

O Museu Nacional é o mais antigo do Brasil em pleno funcionamento. Todos têm alguma memória ligada a ele. Foi o primeiro museu que visitei na vida, com a escola. Ele continua a merecer todo o nosso carinho, mas há que se respeitar os que tocam o museu, que tiveram a vida dedicada a isso. O novo diretor, Alexander Kellner, vinha se esmerando numa direção, buscando soluções, se valendo desses 200 anos para valorizar a instituição. Sua ação é concreta, usava os 200 anos como estratégia. Acabou marcado pelo incêndio.

O que achou sobre a sugestão de transformar os museus em Organizações Sociais (OSs)?

Sobre esse debate que surgiu depois do incêndio, acho completamente apressado. Não sou contra ou favor. Acho, porém, que tudo o que é feito sem uma maior reflexão maior tende a dar errado. Vale lembrar que o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que também foi incendiado, era uma OS.

O que poderia impedir o Ibram de captar recursos da iniciativa privada?

A história do Ibram é recente. Ele faz 10 anos em 2019, ainda precisa ser aprimorado. Se pegarmos o histórico do Ibram, podemos constatar que foram feitas grandes parcerias desde que ele foi criado, com a Petrobras, a Eletrobras, a Caixa Econômica, o BNDES, tudo em variados editais. Existem saídas. Os caminhos já haviam sido criados. Poderia se abrir outros caminhos, com ajustes. Não estamos satisfeitos com o Ibram, queríamos aprimorá-lo. Que se ajuste, se corrija. Se a cada crise se destrói uma instituição e cria-se outra, não chegaremos a lugar nenhum. O Iphan, por exemplo, é de 1937, boa parte de seu sucesso está baseado em sua longevidade, no acúmulo de experiência. É isso que desejamos para o Ibram, que se transforme em uma instituição longeva.

Para o senhor, o que justicaria a criação da Abram, se todos os funcionários do Ibram serão reaproveitados no novo órgão, como anunciou o ministro da Cultura?

Na minha avaliação, como diz o Gil, o Ibram é a roda, não há justificativa para substituí-lo por outro órgão. Sua criação foi profundamente meditada, ele passou por seis anos de gestação, não nasceu de uma hora para outra, sua atuação abrange instituições públicas e particulares, possui uma amplíssima participação. Tem legitimidade e respaldo, não vejo justificativa para ser extinto. O que se precisa é de uma ampliação orçamentária, é necessário melhorar as condições orçamentárias da cultura no Brasil, que não chega a 1% do PIB.

Quais seriam as diferenças entre o Ibram e a Abram?

A principal diferença é que o Ibram nasceu de projeto coletivo, amplamente discutido com a sociedade brasileira. Essa é a diferença.

Houve alguma consulta à equipe do Ibram sobre a criação da Abram?

Eu não sei, mas imagino que não.

Quantos funcionários o Ibram têm atualmente?

São cerca de 400 pessoas. Se olharmos para o Louvre, em Paris, só o museu tem 1.500 funcionários. Se considerarmos a escala nacional, com a dimensão do país, é pouquíssima gente com a responsabilidade de cuidar do patrimônio cultural em território tão extenso como o do Brasil.