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Um museu engessado pela burocracia

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Ex-diretor do Museu Nacional, integrante da unidade há 50 anos e vice-presidente da Sociedade dos Amigos do Museu, o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte relembra que nas últimas cinco décadas foram inúmeros os esforços de diferentes dirigentes da unidade para retirar as coleções do Palácio da Quinta da Boa Vista, incendiado no último domingo.
Nos últimos anos, conforme conta, a busca era pela construção de prédios anexos, que não puderam ser erguidos nas redondezas, em terrenos tombados, por divergências com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Diante do impasse, o próprio instituto indicou um espaço de 49 mil metros quadrados, não-tombado, entre os bairros de São Cristóvão e Maracanã. A dificuldade, então, passou a ser a cessão desse terreno pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). O processo tramita em Brasília.
“Desde os anos 1960, já estava na pauta dos diretores do museu a obtenção de espaços de expansão externos ao Palácio, porque já se sabia que havia uma saturação da ocupação pelas diferentes atividades praticadas ali. Uma delas é a incompatibilidade de ciência ativa, viva, sobretudo das ciências naturais, que exigem laboratórios e instrumentos técnicos complexos. O Palácio era incompatível com a guarda de coleções científicas, muitas das quais eram conservadas em meios inflamáveis, como álcool e formol. Isso não podia ser feito ali. Mas não tivemos como retirar”, explica.
Ainda na década de 1950, o Museu Nacional ganhou seu primeiro anexo, contíguo ao palácio. Por ser subterrâneo, poupou tudo que estava em sua dependência, na ocasião do incêndio. Já nos anos 80, foi construído um segundo anexo, destinado à biblioteca do Horto. A partir daí, houve sucessivas tentativas de obtenção de outros espaços externos, inclusive com pedidos feitos à Petrobras, umas das empresas que, segundo os professores, mais contribuiu com a instituição através da Lei Rouanet. As investidas para obtenção de um novo prédio, no entanto, não tiveram sucesso.
Já em 2013, ano de constituição de uma comissão preparatória dos 200 anos do Museu, os integrantes da Sociedade dos Amigos do Museu Nacional bateram na porta dos parlamentares fluminenses no Congresso Nacional. A intenção era atrair investimentos não só via emendas individuais, como por uma robusta emenda da bancada do Rio de Janeiro na Câmara.
“Fomos à Brasília e conseguimos emenda da bancada do Rio. Foram aprovados R$ 20 milhões para serem liberados em 2014. Só que não recebemos um tostão, porque a emenda foi contingenciada. Se esse montante tivesse chegado naquele momento, o Museu não teria queimado”, acredita Luiz Fernando.
A ausência de recursos fez com que fosse iniciada uma negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através de sua linha de apoio cultural. A negociação de R$ 21 milhões, envolvendo três projetos, foi, finalmente, aprovada este ano. Mas não se viu a cor do dinheiro.
“O Banco se deu conta de que seria inconveniente liberar recursos no período eleitoral, porque há uma legislação que impede isso. Um contrato foi assinado no dia 6 de junho, data de aniversário do museu. Mas a liberação de recursos foi postergada para o fim do período eleitoral. E aí sobreveio o desastre”, explica.
Os recursos, segundo consta em documento, serviriam para a restauração das três salas históricas (Sala do Trono, dos Embaixadores, e o aposento do imperador, no terceiro andar, nunca aberto ao público). As três dependências foram completamente destruídas pelo fogo. Uma outra fatia do valor serviria para a restauração do Jardim das Princesas (Jardim privado da família imperial, à esquerda sul do Palácio).
Seria construído também um sistema de prevenção de incêndio e pânico, inexistente. E a biblioteca do Horto, no prédio vizinho, seria reformada. Lá, os espaços abertos das varandas seriam fechados, melhorando sua ocupação:
“Abrigaria uma série de serviços e atividades que desceriam do palácio e teríamos a construção de um prédio de contêineres, para garantir a retirada de coleções de meio líquido. Afinal, não adiantava fazer um sistema de prevenção de incêndio com líquido inflamável lá dentro”.
Todos os recursos seriam aplicados pela Sociedade dos Amigos do Museu – uma fundação de apoio à instituição.
Enquanto o Museu esperava pelos recursos do BNDES, seu diretor, Alexander Kellner, pleiteava junto à União a liberação de uma área de 49 mil metros quadrados, entre São Cristóvão e Maracanã, para construção de um prédio capaz de abrigar as coleções. “Com o incêndio, essa se tornou a principal bandeira da atual administração”, diz o professor.
“Toda essa destruição foi resultada do jeitinho encontrado até hoje. Chega de jeitinho! O Brasil tem que começar a ser profissional. Desde o início da minha gestão, sempre fui transparente e disse quais eram as principais dificuldades. Quando o museu completou 200 anos, nenhum ministro veio até aqui. Foram convidados, mas não vieram”, criticou. “Exigimos, não é de hoje, um terreno da União para a construção de um outro prédio; e verba para cercar este terreno”, disse.
A Secretaria de Patrimônio da União, responsável pela área, informou que a destinação do terreno depende de processo que tramita em Brasília. A área consta em portaria como destinada a interesses sociais e serviria, inicialmente, para assentar moradores desalojados do Horto, no Jardim Botânico.
“O processo está com a Advocacia Geral da União. Esta semana, a Secretaria de Patrimônio da União teve uma reunião com o Ministério da Cultura, do Planejamento e o BNDES. A intenção é encontrar uma outra área que possa ser aproveitada para os moradores do Horto. Assim, o terreno seria cedido ao Museu, mas é preciso esperar”, afirmou Leonardo Morais, superintendente de Patrimônio da União no Rio de Janeiro.