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O novo gigante dos sete mares

Recém-chegado ao Rio, o Atlântico, o porta-helicópteros da Marinha, comporta números oceânicos

José Peres -
O convés do navio de 203m
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Há uma cidade ancorada na Ilha das Cobras, no Arsenal de Marinha, desde 25 de agosto. Trata-se do porta-helicópteros de múltiplo emprego PHM A-140 Atlântico, navio gigante de 203 metros de comprimento — tamanho correspondente a dois campos de futebol —, com altura do passadiço equivalente a um prédio de 14 andares e capacidade para operar simultaneamente até sete helicópteros. A embarcação foi adquirida do Reino Unido, em dezembro do ano passado, pela Diretoria de Material da Marinha do Brasil, por 84,6 milhões de libras, cerca de R$ 450 milhões no câmbio atual, que serão quitados em parcelas. Até o fim do ano, o Atlântico será deslocado para um píer no Rio de Janeiro, onde será aberto à visitação.

Macaque in the trees
O convés do navio de 203m (Foto: José Peres)

Em junho, para facilitar a participação da Rainha Elizabeth — até então madrinha de honra da embarcação, que se chamava Lady’s Sponcer — na cerimônia de passagem da posse do navio para o Brasil, os ingleses chegaram a rebaixar portas estanque da embarcação, que limitam os espaços internos com vedação absoluta, para evitar que sua majestade tivesse de levantar os joelhos.

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Márcia Freitas, a única mulher na tripulação: dentista, capitã de corveta e chefe do departamento de saúde do navio (Foto: José Peres)

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O comandante Giovani Corrêa (Foto: José Peres)

Cada um dos quatro geradores do navio, com potência de 2.000 kW, tem capacidade para iluminar uma cidade pequena. Esses números superlativos são extensivos à capacidade da embarcação, que dispõe de 1.100 camas superpostas em três níveis nas cabines, para acomodar a tripulação de 432 pessoas, cuja capacidade pode ser ampliada para outros 400 e mais 800 fuzileiros navais, chegando a 1.632 pessoas. Um radar de busca combinada 997-3D Artisan abrange um raio de até 250 km, e dois motores de propulsão, com potência de 9.500 Hp, que contribuem para o estável deslocamento das quase 22 toneladas do navio, ampliado pela presença de dois estabilizadores laterais usados para as operações aéreas. Além da tripulação e dos helicópteros — provenientes da força aérea naval, localizada em São Pedro da Aldeia, na Região dos lagos —, que pousam no convoo [convés de voo] revestido de tinta especial para permitir atrito e evitar derrapagens, o Atlântico transporta um milhão e meio de litros de diesel marinho e outro milhão e meio de litros de combustível aéreo, tudo isso, a uma velocidade média de 16 nós por hora, que correspondem a 30 km horários.

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A cabine da embarcação (Foto: José Peres)

Quem enumera todos esses atributos com um largo sorriso é o comandante Giovani Corrêa, visivelmente feliz com a milionária aquisição. “A Marinha brasileira é a grande protagonista da monitoração de segurança do Atlântico Sul”, ufana-se, lembrando a importância econômica representada pelas garantias proporcionadas ao pré-sal e à exportação de produtos para a Europa, África e Ásia. Em tempos de paz, o Atlântico pode ser aproveitado em ações humanitárias e no socorro às populações vítimas de desastres naturais, embora o navio esteja pronto para o combate. E se alguém duvida deste protagonismo, basta comparar as 200 milhas brasileiras a regiões como o Golfo da Guiné, na costa africana, e o Chipre, no Mediterrâneo, infestados de piratas. Para a autodefesa, o navio é equipado com quatro canhões de 30 milímetros e navega escoltado por corvetas. Embora disponha de um sistema eletrônico com GPS, o método prioritário de navegação ainda é a velha carta náutica de papel. E o que mais destoa no passadiço é o tamanho mínimo do leme, que não tem mais do que um palmo masculino, ínfimo, se comparado aos velhos e tradicionais timões.

Cozinheiros maravilhosos

Não fosse pela necessidade de alimentação da tripulação, o Atlântico teria autonomia de 20 mil km. “Ele vai e volta à Inglaterra sem ter de abastecer”, sublinha o comandante, capitão de mar e guerra que — a não ser pelos dois filhos e pela mulher, que permanecem em terra — não vê a hora de zarpar pelos sete mares. A autonomia, entretanto, cai a 60 dias, tempo que o estoque de alimentos é capaz de resistir em quatro containers frigoríficos. A alimentação de todos os navios da Marinha é provida por licitação, a um custo de R$ 9 por pessoa pelas três refeições diárias. O cardápio inclui feijão, arroz, verduras e legumes, carne, frango e peixe, sob um rígido controle de qualidade. “O cardápio é muito simples. Temos três cozinheiros maravilhosos e a comida é gostosa, a tripulação sempre elogia”, informa o comandante. O café da manhã é servido das 7h às 8h, o almoço de 12h às 13h e o jantar das 18h às 19h. “Quando a cozinha capricha mais, sai um pudim de laranja, limão ou chocolate”, acrescenta Corrêa.

O suboficial Evandro Canto Melo é o responsável pela cozinha. “Nossas refeições são preparadas a base de cebola, alho e pimenta do reino. Como tempero diferenciado, usamos ervas finas: tomilho fresco, alecrim fresco e outras ervas que realçam mais o sabor dos alimentos. Os pratos que fazem mais sucesso são: feijoada, rabada, bife com batatas fritas e dobradinha”, diz o cozinheiro, que tem 23 anos e meio de Marinha.

Conforme o comandante, antes de passar ao Brasil, a Marinha inglesa gastou 71 milhões de libras reformando o navio entre 2013 e 2014. A embarcação foi construída entre 1995 e 1998 por uma parceria entre os estaleiros Kvaerner Govan Limited (KGL), em Govan, na Escócia, e Vickers Shipbuilding and Engineering Limited (VS SEL), em Barrow-in-Furness, na Inglaterra, e entrou em operação em 1998. Antes de passar à Marinha brasileira, o Atlântico passou dois meses em manutenção e revisão na Inglaterra, quando ganhou a cor cinza, enquanto as primeiras equipes de 300 tripulantes passavam por um treinamento com os sistemas de bordo, extensivo desde a chegada ao Rio de Janeiro aos demais 132.

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Uma mulher entre 432 homens

Entre os 432 tripulantes do Atlântico reina, absoluta, uma única mulher. Ela se chama Márcia Freitas, tem 44 anos, é divorciada, sem filhos, oficial dentista, capitão de corveta e chefia o Departamento de Saúde do navio. “Para mim, é muito confortável e natural ser a única mulher a bordo. Sou muito respeitada e confiante no meu trabalho”, diz ela, que não abre mão de usar blush, um discreto batom, himmel e esmalte claro nas unhas. “Tento tornar o ambiente o mais neutro possível. Sou voluntária e recebo tanta cobrança como qualquer oficial”, completa.
O departamento é equipado para fazer cirurgias de pequeno porte, como uma apendicite, por exemplo, e divide-se entre a sala de trauma, para triagem, outro espaço para atendimentos mais graves, com centro cirúrgico e CTI com dois leitos. E há ainda uma enfermaria com oito leitos para pacientes de baixa complexidade, além de um consultório para atendimentos gerais onde trabalha um clínico geral.
“O atendimento é pequeno quando o navio está atracado, mas em missões externas a tripulação quase triplica, então passamos a contar também com mais especialistas, como um cirurgião geral, anestesista e mais enfermeiros”, explica Márcia. A equipe ampliada faz então um controle de danos, para avaliar se o paciente pode ser atendido a bordo ou se tem de ser encaminhado para o hospital mais próximo, em terra.

José Peres - Márcia Freitas, a única mulher na tripulação: dentista, capitã de corveta e chefe do departamento de saúde do navio
José Peres - O comandante Giovani Corrêa
José Peres - A cabine da embarcação