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Crítica teatro: Criados em Cativeiro, por Ana Lúcia Vieira de Andrade

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Nicky Silver tornou-se um nome conhecido no eixo Rio de Janeiro-São Paulo a partir do sucesso de Pterodátilos, montagem dirigida por Felipe Hirsch em 2010 para os palcos cariocas, com Marco Nanini e Mariana Lima.  Suas primeiras peças foram encenadas em espaços alternativos, conhecidos em Nova York como off-off-Broadway, bem de acordo com o que convinha a um jovem autor cuja obra voltava-se para a sátira feroz às instituições norte-americanas, principalmente à família, e ao chamado american way of life.  Retratando a vida na América contemporânea a partir da perspectiva de um homossexual reticente ao materialismo, cujo isolamento e marginalidade acabavam por produzir imagens demolidoras da cultura e das relações pessoais nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, Nicky Silver encontrou sua voz particular e, principalmente, uma maneira cínica, mas bem humorada, de descrever a dor de existir.  Com o  êxito de seus primeiros textos, o jovem dramaturgo passou a ser encenado em palcos de maior visibilidade, tendo recebido em 1994 e 1995 indicação para o prêmio do The Drama Desk Awards por Pterodátilos e Criados em Cativeiro.

Um dos temas mais comuns da obra de Silver é o do filho gay pródigo, que retorna ao lar para vê-lo despedaçar-se.  Alguém que desafia os estereótipos culturais, em geral marcados pelos padrões da homofobia, para descobrir a própria humanidade ainda pungente.

Em Criados em Cativeiro, por exemplo, Frederico, homossexual que há muito não mantinha qualquer contato com familiares, encontra a irmã gêmea no enterro da mãe.  Esse encontro detonará lembranças, e o afastamento ao qual ambos estavam condenados tem a possibilidade de ser revertido.  Explorando as dificuldades das relações fraternais, essa comédia de costumes grotesca trabalha em grande parte sobre monólogos (ditos como apartes, para o público), na tentativa de exprimir o afastamento e a desistência na busca de comunicação com o mundo, marca da trajetória das personagens.  Sobretudo, exprime-se a falta de ligação emocional do tipo narcisista contemporâneo com o contexto que o cerca: “eu não tenho nenhum sentimento verdadeiro por ninguém, nem por mim”, afirma Frederico, que apesar de não identificar-se com um projeto positivo de futuro, acabará encontrando, ao final, certo tipo de redenção.

A montagem em cartaz no OI FUTURO do Flamengo realiza uma boa transposição do original de Silver.  Os atores recriam com bastante competência os medos e as frustrações de suas personagens, demonstrando compreensão plena e abrangente dos temas ali tratados, principalmente ao equilibrar com domínio pouco comum a tensão entre  frieza e angústia, que marca a forma pela qual aquelas personalidades se expressam.  Christiana Guinle e Alcemar Vieira tiram bom proveito das oportunidades mais amplas que seus papéis lhes proporcionam.  A direção de Jefferson Miranda é segura; porém, talvez tivesse alcançado resultado ainda melhor caso houvesse optado por maior concisão, pois o espetáculo como um todo sofre com algumas redundâncias.  Cenários, figurinos e maquiagem buscam trabalhar no contraponto de linguagens, dentro de uma proposta que mescla elementos realistas, expressionistas e abstratos, seguindo a linha definida pelo material dramatúrgico.  O saldo final  é positivo e inesperadamente otimista.

Cotação: ** (BOM).