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Atlas da Violência: 30 de cada 100 mil são mortos no Brasil

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Pela primeira vez na história o Brasil ultrapassou a marca de 30 assassinatos para cada 100 mil habitantes. É o que mostra o Atlas da Violência 2018, estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em dados do Ministério da Saúde. Em 2016, foram registrados no país 62.517 homicídios, o que equivale a 30,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, um número 30 vezes maior que o da Europa, por exemplo. Antes, a maior taxa havia sido registrada em 2014, com 29,8 assassinatos por 100 mil habitantes.

Nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam a vida - pouco mais do que a população de Niterói, cidade vizinha do Rio de Janeiro -, vítimas de violência no Brasil, o equivalente a 153 mortes por dia. “O Brasil está entre os 14 países mais violentos do mundo. Seria o mesmo que dizer que cai um Boieng 737 lotado todos os dias no país”, exemplificou o coordenador do Ipea, Daniel Cerqueira.

O perfil da vítima de homicídio no país é majoritariamente jovem, homem, negro e de baixa escolaridade. A taxa de jovens por 100 mil habitantes é de 65,5, com 33.590 assassinados em 2016, aumento de 7,4% em relação a 2015. Como retrato da desigualdade racial no país, o estudo mostra que, por ano, 71,5% das pessoas assassinadas são negras. No total, 324.967 mil jovens, entre 15 e 29 anos, foram vítimas de homicídio em 10 anos, ou seja, uma média de 90 jovens assassinatos por dia. “Mais da metade (56,5%) da mortalidade de jovens até os 19 anos é consequência de homicídio”, diz Cerqueira. “Isso tem um custo imensurável do ponto de vista humano - há um buraco imenso nas famílias que perdem seus meninos - e do ponto de vista econômico representa uma perda de 2,3% do PIB a cada ano, o que gira em torno de R$ 240 bi”.

Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi 2,5 superior à de não negros (40,2% contra 16,0%). A desigualdade se confirma ainda mais quando analisada em dez anos. De 2006 a 2016, enquanto a taxa de homicídio de negros cresceu 23,1%, a taxa entre não negros teve redução de 6,8%. Outro dado relevante é o número de mortes provocadas por armas de fogo: em 2016, esse número correspondeu a 71,1%. “Cerca de 70% desses jovens (entre 15 e 29 anos) não têm nem o ensino fundamental completo, e são moradores das periferias das grandes cidades”, diz Cerqueira.

Sem dados confiáveis da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a África, é possível dizer que a América lidera as taxas de mortes violentas, enquanto a Europa segue o caminho oposto. Entre os 14 países mais violentos em 2012, de acordo com a OMS, 13 pertencem à América – e o Brasil é um deles. “Competimos na América do Sul com a Venezuela. El Salvador e Honduras, na América Central, lideram o ranking”, destaca Cerqueira.

No Brasil, a taxa mais alta é de Sergipe, com 64,7 mortes por 100 mil habitantes. Em Alagoas, a taxa é de 54,2 e no Rio Grande do Norte, de 53,4. No extremo inverso da tabela, São Paulo tem a menor taxa, de 10,9, e é seguido por Santa Catarina, com 14,2, e pelo Piauí, com 21,8.

Nos últimos dez anos, o estado que teve o maior crescimento de homicídios foi o Rio Grande do Norte (alta de 256,9%) e o que mais caiu foi São Paulo (- 46,7%). Apenas sete das 27 unidades da Federação conseguiram reduzir o índice: São Paulo, Espírito Santo (-37,2%), Rio de Janeiro (-23,4%), Mato Grosso do Sul (15,8%), Pernambuco (10,2%), Paraná (8,1%) e Distrito Federal (7,8%). Dos sete estados que tiveram crescimento superior a 80% ao longo dos 10 anos, cinco são nordestinos. Desses, três tiveram altas acima de 100%: Tocantins (119%), Maranhão (121%), Sergipe (121,1%).

PCC influencia em estatísticas de São Paulo

O caso de São Paulo ganhou destaque no relatório. O estado tem a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes, e a maior queda. Segundo o estudo, São Paulo segue em uma trajetória “consistente de diminuição de taxas de homicídios iniciada em 2000”, mas as razões para a queda ainda não são inteiramente compreendidas pela academia.

O estudo elenca uma série de fatores para os números do estado, entre eles a mais “peculiar”, segundo Cerqueira: “hipótese do monopólio do PCC, quando o tribunal da facção criminosa passa a controlar o uso da violência letal, o que teria diminuído homicídios em algumas comunidades”. “O fator mais polêmico é a influência da ação do PCC, que apesar de não ser majoritária, tem impacto. A organização passa a regular conflitos nas periferias das cidades”, disse Cerqueira. São Paulo também entra na lista de exemplos sobre dados de homicídios causados por armas de fogo (redução de 52,8%). “Os estados onde se observou maior crescimento da violência letal na última década são aqueles em que houve, concomitantemente, maior crescimento da vitimização por arma de fogo”, diz o estudo.

De 1980 até 2016, quase um milhão de brasileiros perdeu a vida por este meio. Segundo o Atlas da Violência, são vítimas de uma questão “central” do país. “Uma verdadeira corrida armamentista que vinha acontecendo desde meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento”, ainda de acordo com o estudo. “A população não tem mais confiança no estado. Ela se tranca em condomínios e compra arma para se defender, o que agrava ainda mais o problema”, afirma Cerqueira.

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Mulheres e crianças como alvos

Se os jovens estão entre as maiores vítimas do país, as crianças são as maiores vítimas de estupro. O estudo revela que 50,9% dos casos registrados em 2016 foram cometidos contra menores de 13 anos de idade. A maioria dos autores era conhecido da vítima (30,13%) e a casa, a cena do crime (78,6%). Pais e padrastos são 12% dos casos. 

Os dados de violência contra a mulher não aliviam. As polícias brasileiras recolheram um total de 49.497 registros de estupros em 2016. É mais do que o dobro dos casos atendidos no Sistema Único de Saúde (22.918) no mesmo período. 

O estudo ressalta que não é possível identificar com precisão as vítimas de feminicídio. O número teve um acréscimo de 15,3%, um total de 4.645 mortes em 2016. O estado com a maior taxa é Roraima, onde há 10 mortes por 100 mil mulheres. 

O racismo também reflete nas estatísticas contra a mulher. A taxa de homicídios de negras é 71% maior do que a de não-negras - um aumento de 15,4% contra queda de 8%, em dez anos.