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Especialistas acham casuísmo do STF debater obrigação de plebiscito para mudar sistema

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A decisão da ministra Cármen Lúcia de pautar para o dia 20 de junho o julgamento no Supremo Tribunal Federal da ação que questiona se o Congresso Nacional pode instituir o parlamentarismo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) é vista com restrições no mundo acadêmico e político. Trazer à tona um tema tão delicado, suscitado em 1997 pelo então deputado Jaques Wagner (PT-BA), não  é visto como solução adequada para sanar a instabilidade política vivida pelo país. A possibilidade de a Suprema Corte resolver que uma consulta popular sobre o assunto não é mais necessária traz apreensão à medida que pode ser um caminho sem volta. 

Até mesmo para quem é favorável ao parlamentarismo, como o cientista político André César, da CAC Consultoria Política e do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP), a iniciativa da presidente do STF é vista com desconfiança. “Colocar justamente neste momento em que o país está vivendo uma crise institucional tem um forte cheiro de casuísmo. Um evento desses só aumenta a incerteza e a desconfiança geral, se há esse movimento é porque tem algo por trás desse processo, algumas forças que estão trabalhando para encaminhar isso. Não faz muito sentido, de repente, puxar agora essa questão”, afirma. André acrescenta que o governo teria de suspender a intervenção federal no Rio de Janeiro para apreciar o tema, pois a Constituição Federal impede que sejam votadas propostas de emendas nesse período. “Isso seria um novo casuísmo”, acrescenta.

O professor de Direito Público da Universidade de Brasília (UNB), Marcelo Neves, também vê com estranheza o fato de o assunto ser levado à pauta. Ele lembra, por exemplo, que a ministra Carmen Lúcia deixou de pautar a Ação Direita de Constitucionalidade (ADC) sobre a prisão em 2ª instância, um tema considerado por ele, relevante e bastante demando. “Agora retira do baú essa ação de 1997, contribuindo para que se acentue a gravidade da presente crise. Parece-me que ela está pautada por injunções político-partidárias”, afirma. Neves também concorda que o país não tem condições de tratar do tema nesse momento. “O caráter casuístico fica evidenciado quando se considera a falta de candidato competitivo para a presidência nos partidos que se alinham predominantemente ao atual figurino governamental”, completa. 

Ele recorda que em 1961, sob pressão dos militares, o parlamentarismo foi implementado pelo Congresso para impedir a posse do presidente João Goulart, mas foi abolido por um plebiscito em 1963. “Tal parlamentarismo imposto de cima para baixo sem amplo debate nacional durou apenas 16 meses e, nesse curto período, teve três primeiros ministros, demonstrando um alto grau de instabilidade”, lembra. Para o professor, discutir uma PEC sobre o tema sem consulta popular não é possível porque a Constituição de 88 determinou, em suas disposições transitórias, que a opção por sistema de governo deve ser tomada diretamente pelo povo em plebiscito.

Em 1993, foi realizada a consulta popular e o apoio ao presidencialismo por parte da população foi de 82%. Marcelo Neves, que é contrário à adoção do parlamentarismo no Brasil, diz que a luta programática ocorre fundamentalmente na eleição para presidente da República e que o Congresso Nacional atual “está predominantemente vinculado a interesses particularistas instáveis”. “A aprovação de medidas destinadas a dar ao Congresso o poder de definir o chefe de governo tende a ser uma catástrofe, levando ainda mais à instabilidade de uma política afogada em lutas de interesse particularistas, sem horizonte programático nem ideológico”, completa.

O próprio autor da ação junto ao Supremo, Jaques Wagner se manifestou contrariamente ao julgamento sobre o assunto em sua conta no Twitter: “Meu mandado de segurança era, e ainda é, para garantir que apenas um plebiscito pode alterar o presidencialismo, aprovado pelo povo em 1993”, escreveu. Um dos maiores entusiastas do parlamentarismo, o ministro do STF, Gilmar Mendes, chegou a entregar, no ano passado, aos presidentes do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma proposta para implementação do parlamentarismo para ser o ponto de partida para discussão no Congresso. Isso ocorreu quando os parlamentares tentavam aprovar uma reforma política mais profunda, o que acabou não acontecendo. A sugestão do ministro se baseou na PEC apresentada pelo ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB-SP), em 2016, quando o tucano estava no Senado, mas com algumas alterações. O sistema proposto seria um semiparlamentarismo.

Para o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), autor da primeira proposta sobre o tema, em 1997, e que está pronta para ser votada pelo plenário da Câmara, a iniciativa da ministra Cármen Lúcia foi positiva para abrir o debate sobre o tema. “Debater é bom, você não ficar sempre buscando o salvador da pátria, o ser providencial. O sistema tem que funcionar”, diz. “Diversas crises seriam sanadas no país com a renúncia do primeiro-ministro. É uma vacina porque evita que o problema aconteça”, acrescenta. Ele considera ser dispensável a realização de um plebiscito para autorizar o Congresso a apreciar uma PEC porque, segundo ele, a Constituição permite. O deputado defende haver um exaustivo debate sobre o assunto e uma campanha nacional de conscientização da população se o país optar por implementar o parlamentarismo. Segundo ele, seria necessária uma transição para a adoção do sistema.