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Revolução silenciosa: Percentual de negros com diploma cresceu quase quatro vezes desde 2000

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A chance de ter um diploma de graduação aumentou quase quatro vezes para a população negra nas últimas décadas no Brasil. Depois de mais de 15 anos desde as primeiras experiências de ações afirmativas no ensino superior, o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017. 

Apesar do crescimento, os negros ainda não alcançaram o índice de brancos diplomados. Entre a população branca, a proporção atual é de 22% graduados, o que representa pouco mais do que o dobro dos brancos diplomados no ano 2000, quando o índice era de 9,3%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O Censo do Ensino Superior elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também evidencia o aumento de matrículas de estudantes negros em cursos de graduação. Em 2011, do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos pretos ou pardos. Em 2016, ano do último censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30%.

“A política de cotas foi a grande revolução silenciosa implementada no Brasil e que beneficia toda a sociedade. Em 17 anos, quadruplicou o ingresso de negros na universidade, país nenhum no mundo fez isso com o povo negro. Esse processo sinaliza que há mudanças reais para a comunidade negra”, comemorou frei David Santos, diretor da Educafro – organização que promove a inclusão de negros e pobres nas universidades por meio de bolsas de estudo.

O professor Nelson Inocêncio, que integra o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (UnB), pioneira na adoção das cotas raciais, também destaca o crescimento, mas pondera que é preciso pensar outras políticas para garantir uma aproximação real entre o nível de educação de negros e brancos.

“Antes de falar em igualdade racial, temos que pensar em equidade racial, que exige políticas diferenciadas. Se a política de cotas não for suficiente, ainda que diminua o abismo entre brancos e negros, a gente vai ter que ter outras políticas. Não é possível que esse país continue, depois de 130 anos de abolição da escravatura, com essa imensa lacuna entre negros e brancos”, destacou Inocêncio.

Cotas x meritocracia 

Há 15 anos, o conceito de ações para inclusão de negros na educação superior motivou intenso debate. Em junho de 2003, decisão tomada pela UnB de adotar o sistema de cotas raciais abriu caminho para uma mudança no paradigma de acesso à universidade, antes fortemente baseado na meritocracia. 

O Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial aprovado pelo Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB previa que 20% das vagas do vestibular seriam reservadas para estudantes negros, de cor preta ou parda. A política foi adotada a partir do vestibular de 2004, em todos os cursos da universidade.

À época relatora do projeto, a professora do Departamento de Comunicação da UnB Dione Moura conta que a implantação do sistema se deu em meio a muitas resistências e sob críticas de que a política poderia criar um conflito racial inexistente no país ou diminuir a qualidade da universidade.

Um dos principais desafios, segundo a professora, foi convencer os veículos de imprensa, a sociedade e a própria academia de que era necessária uma política pública específica para negros e não para a população pobre de forma geral. Mesmo diante dos números de desigualdade racial na educação e no mercado de trabalho, questionamentos e dúvidas emergiram, principalmente com relação à forma de identificação dos negros. 

Outras resistências foram quebradas, como a ideia de que o negro de alta renda não deveria ser beneficiado, de que os cotistas abandonariam a graduação ou que teriam desempenho inferior aos de alunos não cotistas. “Já se verifica que esses estudantes são tão capazes quanto os demais ou ainda têm um desenvolvimento muito melhor. Nesse sentido, não há dúvida da capacidade dos cotistas, porque eles já demonstraram isso e pesquisas também têm revelado”, destacou o professor Manoel Neres, coordenador do Centro de Convivência Negra da UnB.

“O resultado social negou os preconceitos. A UnB abriu portas para que outras universidades se abrissem ao jovem negro e o jovem indígena e que depois o próprio governo federal abrisse uma política nacional para discutir as cotas no sistema público universitário”, completou Dione Moura. (Com Agência Brasil)

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Conferência vai debater políticas de enfrentamento ao racismo

Centenas de especialistas, pesquisadores negros e negras, representantes da sociedade civil e do governo vão se reunir esta semana na 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) para discutir formas de enfrentamento ao racismo no Brasil. No bojo das atividades da Década Internacional do Afrodescendente (2015-2024), a conferência deste ano destacará os temas reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade de direitos. 

A programação começa nesta segunda-feira (28), às 8h30, no Centro Internacional de Convenções do Brasil. Na abertura, haverá uma palestra com o representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Niky Fabiancic, e a relatora-geral da Conferência Mundial contra o Racismo sediada em 2001, na África do Sul, Edna Rolland. 

Ainda integram a programação painéis temáticos e discussões em grupos de trabalho sobre diversos temas, como acesso à justiça, sistema prisional, saúde, direito à moradia, questões de gênero e religiões tradicionais de matriz africana. 

A baixa representatividade negra em cargos públicos e nos partidos políticos também deve mobilizar parte dos debates no evento. São esperados este ano mais de mil delegados envolvidos com a temática racial, além de representações de países da América do Sul. 

A Conapir é promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e organizada pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR). Segundo o Secretário da Seppir, Juvenal Araújo, o evento está mantido mesmo com os desdobramentos da greve geral dos caminhoneiros. 

“Nos reunimos na sexta-feira (26), foi feita toda uma avaliação e está tudo pronto para a conferência. Mesmo com esse problema no país, a conferência está confirmadíssima e vários [representantes dos] estados já estão se deslocando para Brasília”, frisou Araújo. 

A expectativa do secretário é que a conferência reafirme os direitos e as políticas conquistadas pela população negra. Ele acredita que a regularização das terras quilombolas e o assassinato de jovens negros estarão entre os temas mais discutidos durante o evento. 

“A conferência vai refletir muitos eixos, desenvolvimento, reconhecimento, justiça e igualdade de direitos. Esse ano é simbólico porque completa 130 anos da abolição da escravatura. Então, eu creio que as discussões realmente serão muito baseadas no aferimento das políticas implantadas. Eu creio que o foco da regularização fundiária dos povos e das comunidades tradicionais, principalmente, os quilombolas e o genocídio da juventude negra devem ser os temais mais debatidos”, afirma Araújo.