ASSINE
search button

Juarez Guimarães: "O papel de Lula será fundamental na campanha"

Compartilhar

 Para o cientista político Juarez Guimarães , professor da Universidade Federal de Minas Gerais, a incerteza que cerca a eleição presidencial deste ano tem sua principal causa no impasse vivido pela centro-direita,  que ele chama de coalizão golpista,  determinada a ganhar a eleição custe o que custar, embora não tenha, até agora, viabilizado nenhuma de suas candidaturas.  O recurso extremo poderia ser o adiamento do pleito.  Nesta entrevista ao JB ele avalia também que, mesmo preso, Lula será uma força relevante, mesmo preso: uma presença constante apesar da ausência.  Juarez Guimarães é autor de Democracia e marxismo: crítica à razão liberal (Xamã), A esperança crítica (Scriptum) e A esperança equilibrista: o governo Lula em tempos de transição (FPA), entre outros livros.  

Confira a entrevista:

Tereza Cruvinel: Como o senhor avalia o momento político dentro, dentro desta prolongada turbulência?

Juarez Guimarães: Continuamos no território da indeterminação. Todos os padrões políticos foram rompidos e a coalizão golpista controla todos os centros de poder  de Estado, vale dizer, o Congresso Nacional, o Poder Executivo, as cortes superiores do Poder Judiciário, os aparelhos de repressão, inclusive as Forças Armadas.  Mas esta coalizão não conseguiu até agora uma ruptura suficiente para legitimar seu projeto de implantar no Brasil um Estado neoliberal.  As incertezas que cercam a eleição presidencial se inserem neste impasse. 

O senhor diria então que ,com sua impopularidade, o governo Temer não consegue executar o programa para o qual foi levado ao cargo com o impeachment?

 Ele conseguiu executar parcialmente a agenda dos que fizeram o impeachment mas ela é de natureza violentamente antipopular, e por isso ele nunca aspirou à  popularidade.  Com as eleições, a coalizão conservadora pretende  ter um governo legitimado e menos impopular do que o de Temer mas o problema é que não têm um candidato viável, como as pesquisas têm mostrado.  Desde o início houve o pressuposto de que este governo, por suas características excepcionais, teria melhores condições de adotar medidas neoliberais impopulares, sem as mediações próprias da democracia, vale dizer, sem as devidas negociações com o parlamento ou  com as corporações. E,  principalmente,  com total inobservância do principio da soberania nacional.  Participei de um debate com alguns economistas desenvolvimentistas no inicio do golpe em que se discutia se a recessão seria em V ou U.  Ou seja, se a recessão seria profundo mas de curta duração, ou mais suave mas com recuperação mais lenta. Eu argumentava que não se tratava de uma coisa ou de outra  mas de um processo de destruição da economia nacional. E apontava quatro vetores que puxariam a economia permanentemente para baixo:  a retração do mercado interno, a redução dos investimentos públicos,  o crédito restrito, com juros altos para o consumidor,  e a ausência de alterações significativas no plano internacional.  Penso que estamos inseridos de fato num processo de destruição da democracia e da economia nacional.  Estamos sendo tragados para dentro do caos sistêmico, num processo de destruição sem criação.

De fato, após um ensaio tímido de recuperação, as projeções de crescimento já estão sendo revistas para baixo. Mas a quem interessa uma destruição da economia nacional?

Esta pergunta nós nos fazemos desde a instauração da conjuntura que levou ao impeachment, primeiro passo do golpe. Cabe aqui uma comparação com a coalizão que liderou o golpe de 1964. Ali havia  um projeto de Estado nacional subordinado  aos Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria, que até se diferenciava dos projetos da ditadura argentina e da ditadura chilena. Buscava-se estabelecer, através da doutrina da segurança nacional,  um Estado centralizador e forte, que produzisse uma modernização conservadora, com acumulação de capital para alguns setores da burguesia nacional e um ciclo de desenvolvimento assentado num tripé:  a grande empresa estatal, a grande empresa nacional e as multinacionais.  O agronegócio, que tem hoje um peso tão grande na economia brasileira, começou a ser fabricado pela ditadura militar, assim como o sistema financeiro nacional e as grandes empreiteiras.   Agora, não. Agora, este golpe não se produz no tempo do liberalismo democrático, keynesiano, mas no contexto do neoliberalismo.  Seu centro político...

Quem é o centro ou cérebro desta coalizão?

Acredito que instabilidade  decorre principalmente da desestabilização do partido que deveria ser o centro, que é o PSDB, mas este partido vive hoje sua maior crise. Era ele que fazia a mediação entre os interesses nacionais e os interesses internacionais. Mas partir de 2011 e 2012, o centro orgânico do PSDB deixou de ser a Avenida Paulista e transferiu-se para  Wall Street.  Se Aécio tivesse vencido a eleição de 2014, Armínio Fraga seria o ministro da Fazenda, não é mesmo?  E ele é muito mais um homem de Wall Street do que do capitalismo financeiro brasileiro, sediado na Avenida Paulista.  Aquela era uma campanha que tinha como lema vencer ou vencer. Eles não admitiam a possibilidade de derrota.  Tiveram que ganhar de outro modo,  com a desestabilização do governo Dilma.  Era preciso interromper, seja lá por que meios fosse,  o ciclo de governos petistas.  Com a crise do PSDB, a coalizão passou a se ancorar nas forças da retaguarda, ligadas ao Estado norte americano.     

Por motivos geopolíticos, a disputa comercial com a China, em sintonia com os que comandam a unificação do Estado na Europa, desestabilizaram o polo mais fraco dos Brics, que era o Brasil.  Há muitas evidencias circunstanciais disso, que ainda serão documentadas pelos historiadores. Como em relação a 1964, ainda levaremos algum tempo para saber tudo o que houve, mas não tantos anos como em relação ao golpe militar.  Agora não foi um envolvimento conspirativo  direto dos Estados Unidos. O que eles garantiram foi um apoio na retaguarda, não precisando se expor, tomar a frente.  O senador José Serra, um pensador estratégico do PSDB, foi para o Ministério das Relações Exteriores no  primeiro momento do governo Temer,  na suposição de que a Hillary e não o Trump  ganhasse a eleição americana. Eles trabalhavam com esta expectativa. Mas existe, sobretudo, o processo de pilhagem, porque é disso que se trata. Um patrimônio de centenas de bilhões de dólares que está sendo oferecido ao capital estrangeiro.  Trata-se de uma nova pilhagem colonial.

Como o senhor insere neste quadro a inabilitação e a prisão do ex-presidente Lula?

 Não está na imaginação dos atores do golpe  entrar numa eleição com alta imprevisibilidade,  para não ganhar.  Eles buscam um cenário de vitória garantida mas não estão conseguindo o candidato adequado.  Gosto muito de uma frase do cientista politico Adam Przeworski:   “amas a incerteza e serás um democrata”. Eles não são democratas, não admitem a incerteza.  Eles querem a certeza de que não haverá vitória de um candidato da esquerda.  Em 2014 eles apostavam na vitória. Agora, querem a vitória a qualquer preço.   Por isso, se for necessário vão adiar as eleições.

         A busca desta garantia de vitória exigia a remoção da candidatura do ex-presidente Lula e acho que tiveram de antecipar a prisão.  Diante da ameaça de inabilitação de Lula, o PT respondeu inteligentemente com o lançamento de sua candidatura e o plano de  levá-la até agosto, até o momento do registro, valendo-se de todas as brechas jurídicas.   Se esta estratégia fosse executada, em agosto Lula estaria no horário eleitoral, falando  no rádio e na televisão.  Por isso aceleraram o calendário no julgamento do recurso ao TRF-4 e anteciparam a  própria prisão,  antes mesmo do esgotamento dos recursos.

Mas a centro-direita tem outro obstáculo, que é o Bolsonaro. Como acha que este bloco vai lidar com a candidatura dele?

Bolsonaro faz parte deste processo destrutivo da esquerda, através das  dinâmicas promovidas pela coalizão neoliberal,  produzindo  áreas cinzentas de convergência com as forças fascistas.  Quando li, no Valor Econômico, uma matéria sobre o encontro de Bolsonaro com os banqueiros, achei que era erro de grafia. Bolsonaro “mitou”.  Pensei que quiseram escrever “micou”.  Mas de fato era “mitou”,  no sentido de que  foi recebido com o entusiasmo que provoca em seus seguidores.   O Bolsonaro já prestou um bom serviço à centro-direita mas acho que eles têm à mão recursos para destruir a candidatura dele na hora certa.  Se o Jornal Nacional fizer três edições com as denúncias já comprovadas que existem contra ele, quando pontos ele perderá?  Na recente pesquisa Datafolha ele se manteve em segundo lugar mas não cresceu.

Nesta altura, com os demais candidatos da centro-direita empacados, Geraldo Alckmin poderá ser o candidato de convergência?

Os elementos da  micropolítica apontam para uma convergência em torno da  candidatura do Alckmin mas ele não consegue corresponder, não decola, como se tem visto nas pesquisas. Eu aponto quatro elementos que fazem dele este candidato  de uma possível unidade:   Primeiro,  ele  conseguiu o apoio da maioria do PSDB. Segundo, conseguiu acomodar a divergência Dória como candidato ao governo do estado. Terceiro, Fernando Henrique deve ter indicado o coordenador de seu programa de governo, o Pérsio Arida, um quadro da Casa das Garças, este sim, um homem civilizado dos mercados. Conseguiu finalmente a blindagem contra a Lava Jato e até a proeza de convencer o senador Anastasia a ser candidato em Minas, que é um colégio eleitoral importante.

Mas agora Aécio Neves tornou-se réu ....

R – Eu já duvidava que o Anastasia  iria fazer campanha para o Alckmin para valer. Isso porque o Aécio já não perdoava o fato de ter sido  expulso, de maneira grotesca, da convenção do PSDB pelos tucanos de São Paulo. Um mineiro não esquece isso.  Agora, no momento de sua maior fragilidade, Alckmin pede para ele não ser candidato a nada. Por tudo isso acho difícil o Alckmin entrar em Minas.

         Existe uma tradição de sociologia eleitoral no Brasil de tratar as eleições a partir de regularidades sociológicas eleitorais.

o que e isso?

É você  identificar certas regularidades, que de fato existem, e fazer previsões a partir delas.  Mas a politica é o lugar da indeterminação.  Esta sociologia eleitoral pode ser perspicaz mas induz a muitos erros. E o erro maior é apostar na repetição dos fenômenos.  A eleição deste ano tem como característica principal a incerteza, a indeterminação. Ela está altamente judicializada,  está sob tutela militar,  sofre os efeitos da instabilidade do golpe.  Eu destaco, entre nossos cientistas políticos, três campos de visão sobre o processo em curso.

Quais são?

O professor  Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, formulou a tese de que haveria renovação no Congresso mas de que, na disputa pela Presidência, prevaleceria a máquina e o poder econômico, favorecendo a candidatura Alckmin. Em sua visão, a recuperação econômica produziria uma melhoria perceptível pela população, que também beneficiaria o candidato tucano, mas com ele guardando uma distância preventiva em relação ao Temer, para não se desgastar.

Já o Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, acha que a candidatura de Alckmin nasceu morta, só restando aos tucanos rezar. Que a polarização será entre Lula, ou o candidato que ele indicar, e  Bolsonaro. Ele captou com muita acuidade, desde abril de 2017, o movimento de recuperação de suas bases pelo PT e o crescimento da candidatura Lula.  Mas acho que ele erra ao subestimar a força do PSDB e superestimar as chances de Bolsonaro, apesar de acertar sobre a resiliência da influência do Lula, que será forte, mesmo estando ele preso.

E há uma terceira avaliação, que é a do professor Antonio Lavareda, um cientista politico muito experiente, já fez muitas campanhas. Na avaliação dele tudo ainda está indeterminado e vai depender muito da evolução do quadro econômico e de como isso vai influenciar a opinião das pessoas.

Eu, pessoalmente, não acredito em recuperação, por achar que estamos não apenas num quadro recessivo, mas de destruição da economia.  Cada uma destas três visões, a meu ver, traduz uma verdade parcial, de modo que a melhor perspectiva é a que integra todas elas num quarto ponto de vista: que não se deve desprezar as forças organizadas em torno de Alckmin, embora ele não venha conseguindo crescer nas pesquisas.  Por outro lado, concordo com Coimbra, sobre a força da resiliência de Lula. O Datafolha mostrou que a capacidade de transferência de votos dele é muito alta.   A indeterminação apontada por Lavareda é real mas decorre do fato de que a eleição, pela primeira vez depois de 1988, não ocorrerá em regime democrático pleno, mas num regime de tutela judicial, de intervenção judicial  e de tutela militar.

E nestas condições, a centro-esquerda tem chance?

O papel de Lula será fundamental na campanha.  Mesmo com a antecipação de sua prisão, seus adversários tardaram.  Ele já havia reconstituído suas bases eleitorais e estava em franco crescimento. Agora estamos naquela situação lacaniana em que a ausência será uma presença. Lula foi preso mas continua presente, falam dele o tempo todo.  E continuará presente, influenciando atores da esquerda e mesmo da direita. Terão todos que  se posicionar diante do fato de que o candidato favorito foi interditado por uma razão jurídica que se mostra cada vez mais ilegítima e mais escandalosamente fraudulenta.

Lula,  com esta onipresença na ausência, pode levar um candidato da esquerda ao segundo turno?

Isso será mais possível se houver unidade da esquerda, o que forçará inclusive o posicionamento do Ciro Gomes,  a menos que ele queira desaparecer. A polarização é tão forte que pode fazer desaparecer  aqueles que tentarem agir como se ela não existisse, buscando um lugar intermediário.  Isso não é da natureza do Ciro, que não é filho do PSD mineiro.  Ele é um cearense , que tem como marca mais interessante a autenticidade, além das suas ideias.  Se ele perder isso, não será mais nada.  Se fizer calculo politico sobre a prisão do maior líder popular brasileiro, perderá sua marca forte de homem veraz.

Mas por ora, ele tem oscilado...

Estas idas e vindas do Ciro sugerem que ele tenta penetrar em arraiais antilulistas e ao mesmo tempo desfrutar da proximidade com a esquerda.  Acho que há maus conselheiros sugerindo esta ambivalência.   Mangabeira Unger certamente não é um bom conselheiro. Agora Ciro está dizendo que pretende ir a Curitiba visitar Lula. Vamos ver se consegue.

E esta frente de esquerda, a seu ver tem futuro?

Neste momento eu vejo um PT menos hegemonista, um PSOL mais aberto ao diálogo, sem perder sua singularidade, e o PC do B muito atento à dimensão da soberania, como sempre foi. Vejo os movimentos sociais e as centrais sindicais com uma clara compreensão do momento, assim como os novos movimentos de mulheres e de negros. A intelectualidade está mobilizada e respondeu de forma importante, oferecendo os cursos sobre o golpe, reagindo à ameaça feita ao nosso colega Luiz Felipe Miguel, da UnB.  E vejo também o meio artístico e cultural muito atento,  de modo que até poderemos ter Chico e Caetano lado a lado. Todos estes sinais devem ser bem trabalhados pela esquerda, se ela quiser sobreviver, pois estamos diante de uma escalada montante de violência em que só a unidade pode potencializar a voz e a força da esquerda.