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Entrevista com Guilherme Boulos: ‘Uma Disneylândia financeira’

Candidato do Psol à Presidência quer justiça tributária e crê no avanço da esquerda

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Filho de médico e professora de classe média, o paulista Guilherme Boulos, 36, é filósofo, professor, psicanalista e o candidato do Psol à Presidência da República. Começou na militância aos 15 anos. Mais tarde, foi morar na Ocupação Carlos Lamarca, do MTST, em Osasco, grande São Paulo, e segundo o próprio, encantou-se com a luta “legítima e autêntica” do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

Segundo Boulos, a plataforma de sua campanha é socialista e de enfrentamento à desigualdade social. Defende que os ricos paguem mais impostos do que os pobres e diz que a classe média é vítima do atual sistema tributário. “O Brasil é uma Disneylândia financeira, essa turma embolsa tudo”.

Você morou em um acampamento e se uniu ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Como isso aconteceu? 

O que motivou a minha militância foi o desejo de que todas as pessoas tenham os direitos e as oportunidades que eu tive. Em pleno século 21, alguém não ter uma casa é algo que deveria ser visto como grave no país todo, e não só para poucas pessoas. O problema não são as ocupações de terra, o problema é o que leva às ocupações.

E como evoluiu a decisão de se candidatar pelo Psol? 

Nos dois últimos anos, o cenário político do país se agravou muito, o golpe e agora um governo que impõe uma agenda de profundos retrocessos. Esse cenário forçou todos os movimentos sociais a não ficar apenas no seu quadrado. O MTST percebeu que era preciso ir um pouco além. Então, o movimento entendeu que era o momento de ir pra linha de frente e ajudamos a impulsionar a Frente Povo Sem Medo. Construímos a plataforma Vamos! e esse processo fortaleceu a aproximação com o PSOL e nos deu condições de gestar essa aliança. 

Você participou e liderou invasões, há muito preconceito com os trabalhadores sem-terra e os sem-teto. Como vencer isso? 

Nós temos 6,2 milhões de famílias sem-teto e mais 7 milhões de imóveis abandonados. Tem mais casa sem gente, do que gente sem casa. As pessoas precisam entender que quem vai a uma ocupação não vai porque quer. O que está em jogo para milhares de famílias nas periferias é escolher no final do mês entre pagar aluguel e comprar o leite da criança. Um dos nossos objetivos na campanha é mostrar isso e a melhor forma de quebrar preconceitos é humanizar, é mostrar que não são raivosos extremistas que querem botar fogo no país, mas pessoas que tiveram negado um direito básico e constitucional que é a moradia.

Você tem críticas ao  Minha Casa, Minha Vida. Qual sua proposta para resolver a questão da moradia? 

O mérito do programa foi ter uma quantidade expressiva de dinheiro público para moradia popular e com subsídio, porque ela não pode ser tratada na lógica de financiamento bancário. Praticamente 80% do déficit habitacional brasileiro são de famílias que ganham menos do que três salários mínimos. Mas o Minha Casa acabou por favorecer a lógica das construtoras, que decidem a localização, fazem o projeto e isso acaba agravando a lógica urbana de jogar sempre os mais pobres para as periferias. Por que não desapropriar imóveis ociosos e abandonados nas regiões centrais para construir moradia popular? Perto dos locais de emprego, perto onde há serviços públicos, saneamento, oferta de serviços sociais... Não se resolve moradia popular sem enfrentar a especulação imobiliária. 

Não basta construir casa... 

Você constrói casas, mas a cidade vai criando uma máquina de produzir sem-teto porque não consegue pagar [o aluguel]. Então tem que atacar na raiz e colocar o dedo na máxima de que as regiões mais centrais são para os mais ricos. 

Quem assumir o país terá uma tarefa nada fácil, há uma crise financeira... Você está apresentando como saída uma plataforma socialista? 

Sem dúvida, socialismo é ter a coragem de enfrentar o abismo da desigualdade social e levar isso até as últimas consequências. É preciso ter políticas, coragem e mobilização da sociedade. Nós defendemos uma profunda reforma tributária progressiva. 

Você está falando de tributação de lucros e dividendos, imposto sobre herança, grandes fortunas... 

O imposto sobre lucros e dividendos existe na maior parte do mundo, aqui existia até o governo Fernando Henrique. Há previsões econômicas de que a arrecadação pode ser de R$ 100 bilhões por ano. O Joesley Batista recebeu R$ 100 milhões de lucros e dividendos da Friboi e pagou R$ 300 mil de imposto, menos de 1%. É escandaloso! As faixas mais baixas do trabalhador da classe média pagam até 17%. Hoje, o pobre paga mais imposto do que o rico. O imposto sobre grandes fortunas é previsto na Constituição e está sem regulamentar, e a alíquota sobre herança é 8 %. Nos Estados Unidos, que não pode ser acusado de ser comunista, chega 40%. Não se trata de defender aumento de imposto, se trata de justiça tributária.

Como governar sem fugir da tão defenestrada política de coalizão?

A política como balcão de negócios está desmoralizada perante a sociedade e isso tem gerado desilusão nas pessoas, faz com que não acreditem mais em saídas políticas. Quem não entender isso, vai continuar confundindo política com politicagem. É preciso reconstruir a forma de fazer política no Brasil e isso implica em colocar o povo no tabuleiro. 

Você está falando de realizar plebiscitos, referendos... 

Existem experiências no mundo todo que mostram que isso pode dar certo. Por que não criar conselhos com professores e estudantes, com quem está na ponta, para ajudar a definir as políticas públicas de educação? Qual é o medo que se tem da vontade popular? Voto não pode ser terceirização e cheque em branco. 

E a eleição para o Congresso? 

Há espaço grande para que as bancadas de esquerda cresçam. Esse é o Congresso mais mal avaliado, de direita e fisiológico e, em sua maioria conservador. Que vai haver um grau de renovação, isso é praticamente certo. Mas temos que lutar para que seja uma renovação na forma de fazer política. O PSOL tem potencial para aumentar consideravelmente a sua bancada. Espero que as demais forças de esquerda se fortaleçam.

A reação nas ruas à execução de Marielle Franco foi impressionante, mas houve uso político, não? 

Quando o presidente Michel Temer vai à TV e diz que a execução da Marielle é motivo para reforçar a intervenção no Rio, contra a qual ela lutava, isso é uma apropriação cretina. Vamos exigir justiça, queremos saber quem matou e, sobretudo, quem mandou matar. E acima de tudo temos que lembrar o legado da Marielle, essa é a maior homenagem, porque as ideias são à prova de bala.