ASSINE
search button

'Financial Times': Infra-estrutura do Brasil está encalhada

Artigo foi escrito pelo ex-editor do FT para América Latina

Compartilhar

Artigo escrito por Richard Lapper, ex-editor do Financial Times para América Latina, se encontra na publicação especial desta quinta-feira (21), na qual o diário britânico dedica um caderno para tratar da crise economica e política do Brasil.

"Os cientistas preparam o primeiro trem de bala brasileiro", prometeu uma manchete do jornal comercial da Gazeta Mercantil em agosto de 1998. Quase 20 anos depois, os brasileiros ainda aguardam sua conexão de alta velocidade.

A versão mais recente do projeto - uma linha de 518 km entre o Rio de Janeiro e São Paulo - foi silenciosamente arquivada na sequência de inúmeros financiamentos e obstáculos regulatórios. Enquanto a burocracia ferroviária brasileira vem se desintegrando, a China está a todo vapor. Milhares de quilômetros de novas linhas de alta velocidade abriram desde 2007 e os modernos e brilhantes trilhos de balas brancas ligam até capitais provinciais remotos com Xangai e Pequim, fazendo horas de folga.

A comparação ilustra um problema brasileiro mais amplo do que a infra-estrutura. Os políticos sabem que o país precisa de um melhor transporte e outras infra-estruturas, sejam eles da esquerda, como a ex-presidente Dilma Rousseff, ou da direita, como seu sucessor, Michel Temer. Os formuladores de políticas estão convencidos de que o tipo certo de investimento irá melhorar a produtividade subjacente e integrar as regiões fronteiriças no norte e oeste.

Há um consenso crescente, também, que comprometer o capital para esses grandes projetos pode reduzir a dependência da economia brasileira no consumo que tem sido uma característica tão forte do seu desenvolvimento nos últimos dez anos. O problema é que, por todos os tipos de razões, o Brasil - ao contrário da China e de muitos outros países emergentes - foi ineficaz ao colocar esses planos em prática.

O impulso mais recente à infra-estrutura chegou a parar em 2015 quando a Odebrecht e outras grandes empresas de construção brasileiras foram atraídas para as investigações de corrupção da lava Jato. Antes disso - no âmbito do chamado programa de crescimento acelerado (PAC) - alguns avanços foram feitos. A transmissão de eletricidade foi melhorada significativamente, muitas estradas foram construídas e alguns dos maiores aeroportos do país foram modernizados, por exemplo. O Brasil também fez progressos na construção de casas para grupos de baixa renda.

Mas a infra-estrutura brasileira continua a ser muito inferior à de qualquer dos países contra os quais ele concorre nos principais mercados de exportação. Desde 2007, quando o PAC começou, o Brasil escorregou uma tabela da Liga do Fórum Econômico Mundial que mede a qualidade da infra-estrutura, com sua própria pontuação aprimorada ainda comparando mal em comparação com seus rivais comerciais mais importantes.

As conclusões de um relatório do Fundo Monetário Internacional concluídas em 2015 foram críticas: "O estoque de infra-estrutura do Brasil e sua qualidade são baixos em relação aos países comparadores. Os rankings do Brasil foram baixos na última década e geralmente pioraram nos últimos cinco anos".

Muitos projetos ficaram atolados na burocracia do país. O financiamento, muitas vezes, tem sido uma dificuldade, em parte porque os recentes governos de esquerda impuseram condições pouco realistas aos desenvolvedores privados. A legislação laboral restritiva também retarda as coisas. As ofertas chinesas para construir linhas ferroviárias com o trabalho chinês importado - uma abordagem que funcionou em lugares como Angola - foram rejeitadas.

Sob sua atual administração mais favorável às empresas, o Brasil está adotando uma abordagem mais pragmática para persuadir os negócios a participar. As taxas de retorno foram definidas em níveis mais realistas. Em março, quatro aeroportos provinciais foram privatizados com sucesso em uma operação que surpreendeu muitos céticos.

No entanto, com muitas empresas de construção locais ainda impedidas de participar por causa da sonda de corrupção, muito dependerá do capital estrangeiro. O governo se encolhe com a resiliência dos fluxos de investimento estrangeiro direto, mas para os projetos de maior risco de transporte e energia, pode ser muito mais difícil atrair interesse.

Os financiamentos subsidiados do banco nacional de desenvolvimento (BNDES) que, uma vez adotados pacotes financeiros, não estão disponíveis já que o governo busca reduzir um déficit fiscal para atingir 8% do PIB. A Lava Jato destacou um crescente risco regulatório.

Mais amplamente, embora Temer pareça ter sobrevivido às acusações de corrupção, há uma incerteza considerável sobre o resultado das eleições presidenciais do próximo ano. Alguns investidores temem que o Brasil possa entrar em uma era radical para esquerda ou direita.

Como diz um especialista em infra-estrutura local: "Neste ponto, conseguir que as pessoas aceitem que o Brasil é um projeto de longo prazo é como empurrar uma ervilha até uma colina".

>> Financial Times