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Caixa dois: proposta é hipócrita e cínica, diz Dalmo Dallari

Jurista lembra que prática já é crime. Tipificação agora poderia beneficiar quem já fez seu uso

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A comissão especial da Câmara, que analisa medidas de combate à corrupção, se reuniu a portas fechadas na manhã desta terça-feira (1), com a intenção de discutir a tipificação do crime de caixa dois, prevista no parecer do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS). A proposta defende uma punição a políticos que recebem doações de campanha por caixa dois.

No entanto, o artigo 350 do Código Eleitoral já prevê punição por falsidade na prestação de contas, com pena de até cinco anos de prisão. Além disso, os críticos da proposta afirmam que a intenção dela é beneficiar aqueles que já se utilizaram do caixa dois no passado, anistiando crimes anteriores.

O jurista Dalmo Dallari aponta que realmente não é necessária uma nova lei. “Depende do conjunto das circunstâncias, mas de qualquer maneira é uma falsidade. Caixa dois é enquadrável no artigo 350 sem a necessidade de uma nova lei.” Ele também afirmou que bastaria que a lei já existente fosse cumprida.

Para o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, João Feres Júnior, a discussão ganha força por ser uma continuação dos eventos pós-impeachment. “O caixa dois foi usado como um dos argumentos que justificaram a derrubada da presidente. Agora, com o PT destruído, em manobra hipócrita, os grandes partidos procuram anistiar a mesma atividade de caixa dois praticada por outras siglas”, afirmou.

Feres aponta que chamar de “crime de caixa dois” é um eufemismo para prática de corrupção. “Acho que isso é um tipo de corrupção muito séria. O José Serra (PSDB), por exemplo, recebeu R$ 23 milhões via caixa dois na campanha à Presidência da República em 2010. Não temos nem como saber se esse dinheiro vai, no mínimo, realmente ser encaminhado para a campanha de um candidato.”

O professor conclui afirmando que a possibilidade do projeto passar é grande. “Eles têm a possibilidade de passar tudo o que podem. Interessa a tantos partidos grandes que é fácil conseguir uma votação a favor.”

Dalmo Dallari concorda e ressalta que “só o ato de haver essa proposta já é algo negativo. É um fator a mais para pressionar o eleitor brasileiro a escolher melhor seus representantes”. Para ele, nosso sistema político abre espaço para esse tipo de medida. “Também podemos apresentar que é um argumento a mais para fortalecer uma discussão séria sobre a reforma política. O eleitor deve acompanhar e se aproximar da política.” Dallari complementa: “Eu diria que a proposta não é apenas hipócrita, é cínica. Obviamente contra o interesse público.”

Manobras

A reunião desta terça-feira aconteceu um dia após o prefeito eleito de Porto Alegre (RS), Nelson Marchezan Jr. (PSDB) ter afirmado em entrevista ao UOL, que esta foi a eleição “com o maior volume de caixa dois na história das campanhas no Brasil”. O prefeito eleito fez essa declaração criticando a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais. Como justificativa, ele afirmou que “senão você acaba tendo de concorrer com corruptos que fazem caixa dois”.

O redator da proposta, Onyx Lorenzoni afirmou que “caixa dois vai passar a ser crime no Brasil, não vai precisar fazer ginástica para enquadrar o crime”, disse. “Ninguém aqui está querendo fragilizar coisa nenhuma”, contou o deputado em entrevista ao G1, ao fim da reunião desta terça.

A história continua. A declaração de Marchezan veio dias depois da tentativa fracassada da Câmara dos Deputados de ter tentado aprovar a mesma proposta na madrugada do dia 19 de outubro. Parlamentares de partidos da oposição, como Rede e Psol, reagiram e evitaram a aprovação da medida. Vale lembrar que, como divulgou a revista Veja na edição desta semana, novos acordos de delação premiada envolvendo cerca de 70 executivos da Odebrecht devem ser divulgados nos próximos dias.

O argumento usado pelos defensores da manobra, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), é de criminalizar o caixa dois, ponto que também estaria no texto da proposta. Em entrevista à Globo News, o deputado afirmou que é preciso “dar um corte e dizer que daqui para a frente está criminalizado”.

No entanto, o caixa dois eleitoral já é considerado crime eleitoral, tipificado como falsidade ideológica no artigo 350 do Código Eleitoral por “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”.

* do projeto de estágio do JB