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Após vazamento de áudio, ministro Romero Jucá pede licença do cargo

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O ministro do Planejamento, Romero Jucá, anunciou, no fim da tarde desta segunda-feira (23), que pedirá licença do cargo a partir desta terça-feira (24) enquanto o Ministério Público Federal (MPF) analisa uma representação que será apresentada pelo próprio Jucá para esclarecer o teor da gravação de conversa entre ele e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Enquanto estiver de licença, o secretário executivo do Ministério do Planejamento, Diogo Oliveira, assumirá o ministério.

Ao anunciar que pedirá licença do cargo, Romero Jucá garantiu que o presidente interino Michel Temer deu a ele um voto de confiança, mas que ele preferiu pedir licença. "Estou tranquilo, e reafirmo tudo o que disse. Vamos fazer um enfrentamento no comando do PMDB. Estou consciente de que não cometi nenhuma irregularidade, eu apoio Lava Jato", afirmou.

Enquanto fazia o anúncio, Romero Jucá ouvia gritos de "golpista!" de manifestantes no Congresso. Visivelmente irritado, Jucá afirmou: "Sou presidente nacional do PMDB, sou um dos construtores desse novo governo, e não quero de forma nenhuma deixar que qualquer manipulação mal-intencionada possa comprometer o governo. Se o Ministério Público se manifestar dizendo que não há crime, que é o que eu espero, caberá ao presidente Michel Temer me reconduzir ou não."

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Em editorial publicado às 16 horas desta segunda-feira, o JB já analisa as consequências políticas do vazamento do áudio.

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Mais cedo, o JB lembrava que em episódio semelhante, o então ministro Henrique Hargreaves pediu demissão do governo Itamar Franco.

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Gravação

Em gravação divulgada pela Folha de S. Paulo nesta segunda-feira, Romero Jucá aparece em conversa com o ex-presidente da Transpetro, em março deste ano, sugerindo que seria preciso "estancar a sangria", numa referência à Lava Jato.

Os diálogos entre Jucá e Machado, gravados de forma oculta, aconteceram semanas antes da votação na Câmara que desencadeou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. São 1h15min de conversas, em poder da Procuradoria-Geral da República.

Em uma parte da conversa, Machado diz: "Tem que ter impeachment". O agora ministro responde: "Tem que ter impeachment. Não tem saída".

Machado teria procurado líderes do PMDB para tentar evitar que apurações contra ele fossem enviadas de Brasília, no Supremo Tribunal Federal (STF), para a vara do juiz Sergio Moro, em Curitiba (PR), diz o jornal paulista. Para o ex-presidente da Transpetro, indicado para o cargo pelo PMDB, isto incentivaria uma delação para incriminar peemedebistas.

"O Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho. [...] Ele acha que eu sou o caixa de vocês", diz Machado a Jucá. "Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu 'desça'? Se eu 'descer'...".

"Então eu estou preocupado com o quê? Comigo e com vocês. A gente tem que encontrar uma saída", diz Machado. Para ele, as delações não deixariam "pedra sobre pedra". 

Jucá, então, concorda que o caso de Machado "não pode ficar na mão desse [Moro]", e que seria necessária uma resposta política para evitar isto. "Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", diz Jucá. 

Machado respondeu que era necessária "uma coisa política e rápida", e Jucá orientou Machado a se reunir com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Questionado por Machado se seria melhor uma reunião conjunta, Jucá diz que não, pois a ideia poderia ser mal interpretada. 

"Não é um desastre porque não tem nada a ver. Mas é um desgaste, porque você, pô, vai ficar exposto de uma forma sem necessidade", diz o atual ministro sobre a possibilidade de envio do processo de Machado a Sérgio Moro, a quem se referiu como "uma 'Torre de Londres'" -- castelo da Inglaterra em que ocorreram torturas e execuções no século 15.

Jucá acrescentou que um eventual governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional "com o Supremo, com tudo", quando Machado diz: "aí parava tudo". "É. Delimitava onde está, pronto", respondeu Jucá, que relatou manter conversas com "ministros do Supremo", sem citar nomes. Para Jucá, eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim das pressões da imprensa e de outros setores pela continuidade das investigações da Lava Jato.

Jucá afirmou que tem "poucos caras ali [no STF]" ao quais não tem acesso, e que um deles seria o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no tribunal, "um cara fechado".

O agora ministro do Planejamento foi um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff. O advogado do ministro do Planejamento, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que seu cliente "jamais pensaria em fazer qualquer interferência" na Lava Jato e que as conversas não contêm ilegalidades.

Machado presidiu a Transpetro, subsidiária da Petrobras, por mais de dez anos (2003-2014), indicado "pelo PMDB nacional". No STF, é alvo de inquérito ao lado de Renan Calheiros. De acordo com dois delatores, Machado é relacionado a um esquema de pagamentos que teria Renan "remotamente, como destinatário". 

Paulo Roberto Costa disse que recebeu R$ 500 mil das mãos de Machado, como contrapartida à obtenção da obra de Angra 3. Jucá diz que os repasses foram legais.

Jucá é alvo de um inquérito no STF derivado da Lava Jato por suposto recebimento de propina. O dono da UTC, Ricardo Pessoa, afirmou em delação que o peemedebista o procurou para ajudar na campanha de seu filho, candidato a vice-governador de Roraima.

Confira trechos dos diálogos, divulgados pela Folha de S. Paulo:

SÉRGIO MACHADO - Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.

ROMERO JUCÁ - Eu ontem fui muito claro. [...] Eu só acho o seguinte: com Dilma não dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?

MACHADO - Agora, ele acordou a militância do PT.

JUCÁ - Sim.

MACHADO - Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar merda.

JUCÁ - Eu acho que...

MACHADO - Tem que ter um impeachment.

JUCÁ - Tem que ter impeachment. Não tem saída.

MACHADO - E quem segurar, segura.

JUCÁ - Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela frente.

MACHADO - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.

JUCÁ - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.

MACHADO - Odebrecht vai fazer.

JUCÁ - Seletiva, mas vai fazer.

MACHADO - Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.

[...]

JUCÁ - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.

[...]

MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.

MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.

[...]

MACHADO - O Renan [Calheiros] é totalmente 'voador'. Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não compreendeu isso não.

JUCÁ - Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.

*

MACHADO - A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...

JUCÁ - Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...

MACHADO - Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.

JUCÁ - Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].

MACHADO - Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?

JUCÁ - Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.

[...]

MACHADO - O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.

JUCÁ - Todos, porra. E vão pegando e vão...

MACHADO - [Sussurrando] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.

JUCÁ - Não, veja, eu estou a disposição, você sabe disso. Veja a hora que você quer falar.

MACHADO - Porque se a gente não tiver saída... Porque não tem muito tempo.

JUCÁ - Não, o tempo é emergencial.

MACHADO - É emergencial, então preciso ter uma conversa emergencial com vocês.

JUCÁ - Vá atrás. Eu acho que a gente não pode juntar todo mundo para conversar, viu? [...] Eu acho que você deve procurar o [ex-senador do PMDB José] Sarney, deve falar com o Renan, depois que você falar com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou e o que eles ponderaram pra gente conversar.

MACHADO - Acha que não pode ter reunião a três?

JUCÁ - Não pode. Isso de ficar juntando para combinar coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é... Depois a gente conversa os três sem você.

MACHADO - Eu acho o seguinte: se não houver uma solução a curto prazo, o nosso risco é grande.

*

MACHADO - É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra nenhuma...

JUCÁ - Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não.

MACHADO - O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB...

JUCÁ - É, a gente viveu tudo.

*

JUCÁ - [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.

MACHADO - Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava jato]

JUCÁ - Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento...

MACHADO -...E burro [...] Tem que ter uma paz, um...

JUCÁ - Eu acho que tem que ter um pacto.

[...]

MACHADO - Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém.

JUCÁ - Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara... Burocrata da... Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. 

>> Veja a reportagem na íntegra