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'NYT': Escândalos no Brasil trazem temor de retorno à desordem

Dilma é alvo de manobras de segmentos da elite política que miram seu impeachment, diz jornal

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O jornal americano The New York Times publicou nesta quarta-feira (12/08) um artigo do correspondente Simon Romero em que faz uma análise da atual situação política brasileira.

"A presidente está lutando contra apelos por seu impeachment. O presidente da Câmara dos Deputados enfrenta acusações de que embolsou propina de US$ 5 milhões. O antigo tesoureiro do PT, o partido do governo, está na cadeia.

Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais importante líder político do Brasil nas últimas décadas, está sob suspeita, em uma investigação sobre imputações de tráfico de influência.

Uma abrangente cruzada contra a corrupção no Brasil vem envolvendo uma figura política atrás da outra, causando perturbação em um momento em que o clima nacional está se amargurando e a economia cambaleia por conta de uma dolorosa desaceleração.

Grandes segmentos da elite política estão manobrando contra a presidente Dilma Rousseff, uma rebelião liderada por algumas figuras que estão envolvidas em escândalos de corrupção e usam a situação para desviar a atenção de seus problemas junto à Justiça. Para muitos brasileiros, a sensação cada vez mais forte de incerteza política está entre as piores desde que a democracia foi restabelecida, nos anos 80, depois de uma longa ditadura militar.

"Já vi o Brasil paralisado e assustado em muitas crises, mas nunca vi uma situação tão desesperançada quanto a atual", disse Paulo Cunha, presidente da Ultra, uma distribuidora de combustíveis e fabricante de produtos químicos que é um dos maiores conglomerados brasileiros, a jornalistas esta semana.

Entre os aspectos mais perturbadores do impasse, disse Cunha, está "a completa ausência de líderes". Esse tipo de desordem era supostamente coisa do passado no Brasil, uma democracia que reduziu a pobreza e reforçou consideravelmente seu perfil mundial na década passada.

Mas um colossal escândalo de corrupção está virando o sistema político de cabeça para baixo, engolfando políticos, líderes empresariais e uma vasta rede de outros envolvidos, com centro na Petrobras, a estatal de petróleo. Estima-se que US$ 3 bilhões em propinas tenham sido pagos, em um esquema labiríntico, a executivos da Petrobras, que enriqueceram e compartilharam de seus ganhos indevidos com figuras políticas, de acordo com depoimentos dos envolvidos na conspiração.

Empresas pagavam propinas a fim de conquistar contratos lucrativos com a petroleira. Ainda que Rousseff não tenha sido acusada, as propinas floresceram quando ela era presidente do conselho da Petrobras, e persistiram durante os anos iniciais de sua presidência, o que a expõe a acusações de ter sido, no mínimo, negligente na fiscalização da companhia e de seus tentáculos no governo.

Enquanto continuam as revelações de corrupção, o país mostra sinais profundos de choque e indignação, e algumas das figuras políticas acusadas de impropriedades tentam usar os transtornos em seu favor.

"Esperar 'grandeza' dos anões políticos que dominam a cena brasileira é esperar o impossível", disse Clóvis Rossi, colunista da Folha de S. Paulo.

Protestos de rua contra Dilma estão sendo organizados para o domingo, em um eco das manifestações generalizadas contra a corrupção e os gastos perdulários do governo que abalaram o país antes da Copa do Mundo de 2014.

"O país é terrível com Dilma, mas ficaria muito pior sem ela", disse Ronaldo Doria, 53, professor de matemática.

"A solução não é desordenar a democracia", acrescentou Doria, argumentando que alguns críticos desconsideram o longo esforço necessário para permitir que a liberdade de expressão florescesse no Brasil. "Pelo menos aqueles que criticam Dilma podem fazê-lo sem medo de prisão".

ENCURRALADA

A presidente conquistou seu segundo mandato menos de um ano atrás, mas está enfrentando uma severa redução de seus poderes.

Alguns dos homens mais poderosos do Brasil a estão encurralando, deixando a coalizão do governo e reduzindo consideravelmente sua capacidade de aprovar projetos de lei, enquanto seu vice-presidente, uma figura sombria que já foi comparado a "um mordomo de filme de terror", sinaliza que sua hora de liderar pode estar chegando.

Os adversários de Dilma incluem figuras maculadas pelo escândalo da Petrobras, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara que recentemente se afastou da coalizão governista, e Fernando Collor de Mello, ex-presidente que renunciou em 1992 sob suspeita de corrupção e mais tarde retomou sua carreira política e chegou ao Senado.

Legisladores da oposição estão tentando iniciar um processo de impeachment contra dILMA. A presidente parece ter conseguido uma pausa esta semana quando Renan Calheiros, também investigado pelo escândalo na Petrobras e presidente do Senado, expressou oposição ao impeachment. Mas ao fazê-lo, Calheiros conseguiu ampliar seu poder de negociação, e Dilma falou positivamente sobre as propostas dele para recuperar a economia.

Apenas meses depois de sua reeleição, Dilma viu seu índice de aprovação cair a menos de 10% em 2015, o mais baixo de qualquer presidente brasileiro em décadas, em meio a uma crise econômica que deve resultar em contração de mais de 2% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.

Mas uma economia em declínio não representa delito passível de impeachment, e não emergiram testemunhos sugerindo que ela tenha recebido quaisquer propinas, o que complica os esforços para sua derrubada. Os tribunais estão examinando acusações de que a campanha de Dilma recebeu doações ilegais, e o possível uso indevido de fundos de bancos estatais pelo governo a fim de cobrir deficit orçamentários.

De qualquer forma, muitos eleitores a consideram responsável pela incapacidade de conter a corrupção em seu governo, e por políticas que são vistas como responsáveis por um agravamento da crise econômica. Uma campanha de reeleição bem sucedida mas venenosa, no ano passado, durante a qual Dilma contestou a gravidade dos problemas econômicos do país e rejeitou as propostas de seu principal adversário para corrigi-los, pode ser em parte culpada pela situação.

Ainda assim, alguns observadores afirmam que a perturbação política é um sinal de que as instituições democráticas do país estão se fortalecendo, especialmente em um sistema por muito tempo definido pela impunidade de que desfrutavam as figuras poderosas.

Antigos executivos da Petrobras foram presos. O bilionário presidente-executivo da empreiteira Odebrecht está na cadeia enquanto investigadores examinam o papel de sua empresa no escândalo das propinas. O almirante que comandava o programa nuclear secreto brasileiro, uma das mais poderosas figuras militares do país, também foi preso, com a expansão do escândalo ao setor de energia nuclear.

As detenções de pessoas tão influentes refletem uma expressão crucial de independência pelo Poder Judiciário, conquistada pelo Ministério Público, um órgão independente de promotoria.

DEMOCRACIA FRÁGIL

Dilma se recusou a interferir no trabalho dos promotores, e enfatizou que ninguém deve se considerar acima da lei. Ela apoia a renovação do mandato de Rodrigo Janot, o promotor público que comanda a investigação sobre a Petrobras. Isso a colocou em rota de colisão com Cunha, o presidente da Câmara que vem se tornando o mais notório inimigo da presidente, e alega estar sendo investigado indevidamente.

Analistas políticos afirmam que, caso Rousseff seja derrubada por seus oponentes sem que haja provas explícitas de delito de sua parte, a democracia brasileira pode ser mais frágil do que se imaginava, o que conduz a comparações com uma era que muitos brasileiros imaginavam ter superado.

Quarenta e sete por cento dos brasileiros acreditam que a crise política seja a pior que o país já enfrentou, de acordo com pesquisa de opinião pública do instituto Data Popular este mês. Nas ruas, muitas das pessoas que acompanham a intriga expressam repulsa tanto por Rousseff quanto por seus oponentes.

"O problema é que não vejo quem possa tomar o lugar dela, porque todas as opções são patéticas", disse Gabriela Souza, 30, vendedora de cosméticos. "Sinto-me angustiada porque não há como sair dessa".

A avaliação de algumas pessoas da elite brasileira parece quase igualmente sombria.

"Precisamos consertar o avião em voo", disse Luiz Carlos Trabuco, presidente-executivo do Bradesco, um dos maiores bancos do país, em uma entrevista na televisão. "Não podemos esperar pelo pouso".