ASSINE
search button

Ex-ministro de FHC critica prisões 'sem pena' de Moro

José Carlos Dias alerta para as longas prisões preventivas que vêm sendo decretadas

Compartilhar

O site Brasil 247 publica, neste domingo, um artigo do ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Dias, onde o advogado avalia que o Brasil corre o risco de enfrentar o "caos da insegurança jurídica", em razão do excesso de prisões preventivas, decretadas antes mesmo que os alvos sejam condenados ou denunciados à Justiça.

"O justo clamor por moralização e combate à corrupção faz, por vezes, soar um ruído perigoso de aplauso às prisões sem pena. O anseio punitivo pode estimular excessos por parte daqueles aos quais é atribuída a tarefa de decidir com equilíbrio", diz ele. 

Confira abaixo:

Prisão sem pena

Por José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça

Do Judiciário se espera que o devido processo legal seja sacralizado de forma serena, sem dar-se a fazer parceria com julgamentos midiáticos

Ser livre é tão importante quanto viver. Só se justifica viver quando é possível ser livre. Mas há casos em que se justifica a perda da liberdade. E é atribuído a outro ser humano o direito de subtrair a liberdade de alguém. A esse ser humano chamamos juiz, pessoa que deve ter serenidade, coragem e respeito aos direitos esculpidos na Constituição e na consciência de cada um.

A Constituição Federal estabelece a igualdade perante a lei, a inviolabilidade do direito à vida e à liberdade e proclama que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória, admitindo-se privação da liberdade somente quando respeitado o devido processo legal.

É imperioso que se atente para a importante tarefa que a Polícia Federal vem desenvolvendo no combate à corrupção desenfreada, com a participação indispensável do Ministério Público, que tem de se manter independente da vontade dos que estão a exercer o Poder Executivo. Do Judiciário se espera que o devido processo legal seja sacralizado de forma serena e enérgica, sem dar-se a fazer parceria com julgamentos midiáticos.

A fonte maior da justiça há de ser o Supremo Tribunal Federal, mas de cada juiz com responsabilidade de presidir um processo criminal se espera que garanta o direito de defesa. Além disso, espera-se que garanta que o cerceamento da liberdade antes do julgamento final somente se efetive nas hipóteses justificadoras da prisão preventiva: garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Na prática, vez por outra, juiz decreta prisão por ser o réu humilde, sem eira nem beira, morador de rua ou de casebre, sem "residência fixa". Em outros casos, prisões são decretadas porque, rico, o acusado tem condição de evadir-se.

Em 2011 foram introduzidas no Código de Processo Penal diversas medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, como recolhimento domiciliar, suspensão do exercício de atividade econômica e monitoramento eletrônico do acusado.

Diz a lei que o magistrado tem o dever de aplicar tais medidas prioritariamente, admitindo-se a opção pelo encarceramento provisório apenas quando as cautelares alternativas à prisão não se mostrarem cabíveis. E a decisão de privar o cidadão acusado de liberdade durante o processo não pode guardar relação com o mérito da acusação, por caracterizar antecipação da pena.

É preciso coragem para afirmar que a luta contra os desmandos de corrupção não pode justificar excessos praticados por agentes públicos investidos da função de investigar e de julgar e que, pelos excessos, devem ser responsabilizados.

O justo clamor por moralização e combate à corrupção faz, por vezes, soar um ruído perigoso de aplauso às prisões sem pena. O anseio punitivo pode estimular excessos por parte daqueles aos quais é atribuída a tarefa de decidir com equilíbrio.

A prisão preventiva desmotivada ou decretada a partir de presunções arquitetadas subjetivamente, sem lastro em fatos concretos, vincula internamente o magistrado a compromisso de condenação à pena privativa de liberdade para justificar o mal praticado, afetando a imparcialidade que dele se exige.

Condena para justificar-se perante sua história pessoal e perante a sociedade, que poderá ficar perplexa diante de sentença absolutória em favor de alguém que amargou o encarceramento sem causa. O instante exige que se reflita com serenidade, para que a ânsia de reerguer este país combalido não nos leve ao caos da insegurança jurídica.

O processo penal é o "sismógrafo da Constituição", afirmou o professor alemão Claus Roxin. O grau de respeito aos direitos e às obrigações do acusado, aos limites dos poderes investigatórios do Estado, à imparcialidade do Judiciário revela o estágio de desenvolvimento jurídico e político de uma sociedade.

O exercício do poder punitivo deve ser meio de estabilização normativa, deve reforçar valores constitucionais. Se não há fronteiras entre o crime e o combate ao crime esvai-se a superioridade moral do Estado frente à delinquência.